2012 . Ano 9 . Edição 75 - 28/12/2012
Foto: Dreamstime |
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Daniel Cassol – de Porto Alegre
Passados 15 anos da privatização do setor de telecomunicações, a telefonia móvel viveu um 2012 marcado por serviços ruins e preços elevados. Empresas, governo e consumidores trocam acusações. Para críticos, as regras da Anatel devem mudar para que se atenda a uma demanda crescente
Para o setor de telecomunicações, 2012 ficará marcado como o ano em que as reclamações dos clientes sobre a qualidade dos serviços chegaram a tal ponto que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), criticada por limitar-se a aplicar ineficazes multas nas operadoras de telefonia, tomou uma decisão drástica. Em julho, a agência suspendeu por 11 dias a venda de chips das empresas Claro, Tim e Oi em vários estados, em consequência da insatisfação dos usuários. A Anatel anunciou ainda que passaria a realizar um acompanhamento trimestral dos serviços. No começo de novembro, a Agência aprovou o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), definindo medidas para aumentar a concorrência entre as operadoras.
Passados quase 15 anos da privatização do Sistema Telebrás, a telefonia brasileira praticamente universalizou o acesso da população, o que não significou, porém, competição entre as empresas e melhores serviços. Foram essas as principais metas públicas que nortearam o processo de privatização.
A situação é mais crítica especialmente na área da telefonia celular, caracterizada pelo sinal ruim e altos índices de insatisfação registrados nos órgãos de defesa do consumidor em relação a um serviço que não é barato. Com a chegada da tecnologia 4G a partir de 2013, o tema da infraestrutura ganha ainda mais importância devido aos alertas sobre possíveis “apagões” durante eventos como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
CRESCIMENTO DO SETOR Levantamento da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) mostra que o Brasil fechou o terceiro trimestre de 2012 com 337 milhões de acessos a serviços de telecomunicações – telefonia fixa e móvel, banda larga e TV por assinatura –, um crescimento de 13% em relação ao terceiro trimestre do ano anterior. A telefonia móvel foi o segmento com maior crescimento em números absolutos. No período, foram ativadas 31,6 milhões de novas linhas de celulares. Ao fim do terceiro trimestre de 2012, o Brasil estava com 259 milhões de linhas ativas, um crescimento de 14% em relação ao período anterior. Já a telefonia fixa fechou o terceiro trimestre de 2012 com 43,4 milhões de linhas em funcionamento.
O crescimento dos acessos, porém, não foi acompanhado no mesmo ritmo pela infraestrutura. A telefonia celular é o setor com maior número de demandas consolidadas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça. O sindicato das empresas de telefonia móvel (Sinditelebrasil) pondera que o número de reclamações é elevado porque a base de clientes é maior, sendo que o percentual fica dentro dos padrões da Europa. A Anatel também ressalta que é preciso levar em consideração a relação entre o número de reclamações e o de usuários. “O crescimento da base de assinantes, nesse ambiente de incremento de tráfego, é acompanhado pelo aumento do número de reclamações em termos absolutos”, afirma a agência, em nota enviada pela assessoria de imprensa.
O setor foi alvo de 78 mil reclamações em Procons de todo o país entre 1º de janeiro e 30 de junho de 2012, correspondendo a 9,13% do total. Dentro da telefonia celular, o assunto mais demandado foram as cobranças, responsáveis por 54,98% das queixas. Em seguida vieram as tentativas de rescisão dos contratos (11,28%), os serviços não fornecidos e os vícios de qualidade (6,94%).
UM BALAÇO DAS PRIVATIZAÇÕES Analista legislativo do Senado Federal, Rodrigo Abdalla de Sousa participou da obra Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil, lançada pelo Ipea em março de 2012. O pesquisador avalia que o modelo regulatório adotado em 1997 tinha falhas que se refletem na situação atual. “O cenário atual é de elevadas barreiras à entrada de novos concorrentes e de prestação restrita a mercados rentáveis. Num mercado em que a competição é limitada, o resultado natural é de oferta escassa, preços elevados, baixa qualidade dos serviços e poucas inovações”, critica. Ele aponta falhas na fiscalização, deficiência nos investimentos públicos e privados e baixa concorrência como principais causas dos problemas da telefonia. “A concentração de serviços em áreas de maior atratividade está vinculada à ausência de políticas para coordenação dos investimentos realizados por empresas privadas e à falta de investimentos efetuados pelo setor público”, destaca.
O técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Gabriel Fiuza de Bragança concorda com a necessidade de mudanças na regulação do setor, sobretudo a tarifária, que hoje é focada no aumento da eficiência operacional das operadoras, o que era justificável no começo do processo de privatizações. “A regulação não se ajustou adequadamente às novas demandas. A telefonia mudou, cresceu e se sofisticou nos últimos 15 anos. Para estar em dia com as constantes evoluções tecnológicas, além de eficiência operacional, o desenho regulatório das telecomunicações deve também priorizar o estímulo ao investimento das concessionárias na expansão e modernização de suas redes e também a entrega de serviços de qualidade pelas empresas reguladas”, diz o pesquisador.
O engenheiro de telecomunicações Eduardo Tude, presidente da empresa de consultoria Teleco, não concorda com a avaliação de que a telefonia móvel viva uma crise de qualidade. “O que acontece é que o celular teve tanto sucesso que se tornou um serviço essencial para a população e dessa forma crescem as exigências e as expectativas”, acredita. Para ele, o crescimento recorde no uso de aparelhos de telefone móvel levou ao congestionamento das redes e aos problemas de qualidade, o que deve ser atacado com investimentos na infraestrutura.
Foto: Herivelto Batista
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Cerimônia de assinatura dos termos de autorização para o funcionamento da tecnologia 4G. Da esquerda para direita, João Rezende, presidente da Anatel, Paulo Bernardo, ministro das Comunicações e Carlos Zenteno, presidente da Claro. Brasília, outubro de 2012
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UNIVERSALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS Para o diretor executivo do sindicato das operadoras de telefonia móvel (Sinditelebrasil), Eduardo Levy, a privatização do Sistema Telebrás logrou a universalização dos serviços de telefonia, uma dificuldade no período estatal. Em relação à competição, o setor de telefonia fixa tem a particularidade de não contar com muitos players em um mesmo mercado, mas Levy sustenta que existe um bom nível de competição entre as operadoras sistema móvel.
Em outubro de 2012, de acordo com a empresa de consultoria Teleco, o market share das operadoras de celular indicava 29,42% de participação da Vivo, 26,79% da TIM, 24,65% da Claro e 18,83% da Oi. Para Levy, a principal falha do processo de privatização foi não prever a velocidade da transformação da tecnologia, o que cria entrave para o crescimento do setor atualmente. “O Brasil tem alta competição na telefonia celular. É um fator de sucesso muito grande. A maior crítica que tenho é que não se conseguiu enxergar a rapidez com que o mundo iria se transformar, o que iria acontecer com a telefonia celular e a banda larga. A Lei Geral de Telecomunicações não levou essa questão em consideração”, aponta.
O DESAFIO DA INFRAESTRUTURA Dados da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) apontam que o setor investiu R$ 22,8 bilhões em 2011 e R$ 10,3 bilhões entre janeiro e junho de 2012. Para o diretor executivo do Sinditelebrasil, o rápido crescimento de novos pontos de acesso demanda investimentos permanentes na expansão da rede. No entanto, ele afirma que as leis restritivas nos municípios dificultam a instalação de novas antenas, medida necessária para a melhoria do sinal.
“Respeitamos os ordenamentos dos municípios e concordamos que as implantações devam ser feitas dentro de determinadas regras. Mas existem leis que podem ser feitas nacionalmente, como a determinação do limite de exposição à radiação eletromagnética. A decisão da Anatel de suspender a venda de novos chips foi forte, legal e extrema, mas não resolve a causa em si. Como investir, se as amarras seguem as mesmas?”, questiona Levy. Ele cita Porto Alegre como um exemplo de cidade com leis rigorosas para a instalação de antenas, o que não ocorre há mais de um ano na capital gaúcha.
Para superar o desafio da infraestrutura, os especialistas defendem a ação da Anatel para cobrar das operadoras o cumprimento das metas de qualidade e investimentos, de forma a otimizar recursos.
“A agência precisa desenhar regras que incentivem as operadoras a tomar decisões alinhadas com os interesses da sociedade, como expansão e melhoria da infraestrutura”, resume Gabriel Fiuza. O pesquisador do Ipea defende a criação de estímulos à melhoria dos serviços atrelando a remuneração do capital ao cumprimento das metas. “Um modelo regulatório melhor calibrado pode, por exemplo, reduzir os custos inerentes à tarefa de fiscalização e também prevenir a agência contra a necessidade de intervenções regulatórias pontuais para apagar incêndios”, completa.
Luis Claudio Kubota, também técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, lembra que as características geográficas do Brasil representam um desafio para a expansão da rede de antenas. “Existem várias medidas que podem ser adotadas para minimizar o problema, tais como o compartilhamento das redes e subsídios aos clientes ou às operadoras. No governo passado, se optou também pela atuação direta estatal”, sustenta.
O PAPEL DA ANATEL A Anatel não teria sido eficaz no acompanhamento dos investimentos investimentos na conservação e expansão na última década, avalia o presidente da Associação dos Engenheiros de Telecomunicações (AET), Ruy Bottesi. “Uma forma de superar isso é intensificar a fiscalização e conferir se, de fato, as empresas operadoras estão fazendo os investimentos que constam nos balancetes contábeis, conferindo o montante aplicado em investimentos (Capex) e o montante de recursos aplicados em operação e manutenção da rede (Opex). Esse tipo de trabalho nunca foi realizado de forma profissional pela agência reguladora”, aponta o engenheiro.
O papel da Anatel enquanto fiscalizadora das metas de qualidade vem sendo criticado pelos especialistas no setor. A avaliação é de que a fiscalização tem sido ineficiente, mas também há consenso na crítica à falta de condições estruturais para o desenvolvimento das funções pela agência reguladora dentro de um setor em constante transformação.
Um dos motivos é o contingenciamento de recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). Tais montantes deveriam ser destinados ao financiamento da Anatel, do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). Os montantes são arrecadados a partir da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF).
Por outro lado, o dinamismo do setor impõe ainda mais sobrecarga aos parcos recursos da agência. “A fiscalização da Anatel tem que ser discutida em um contexto mais amplo de autonomia das agências reguladoras. O órgão, assim como outras agências, sofre com uma parcela considerável dos seus recursos contingenciados ano após ano”, aponta Gabriel Fiuza, do Ipea. Para Ruy Bottesi, da AET, houve influência política na agência a partir de 2002, com a mudança de governo “que implicitamente começou diminuir o poder de atuação do órgão regulador, através de nomeações de conselheiros sem conhecimento e experiência do setor, deixando as empresas com maior liberdade de atuação no mercado”.
FISCALIZAÇÃO EFICIENTE Apesar da falta de recursos, um reordenamento na atuação da Anatel permitiria uma fiscalização com maior foco no cumprimento das metas. Gabriel Fiuza defende a construção de uma base de dados sobre qualidade no setor, uma iniciativa já em curso na agência. “A partir de uma boa base de dados, metodologias quantitativas mais robustas poderão ser empregadas na identificação dos problemas prioritários, direcionando melhor os recursos de fiscalização”, destaca. Para Rodrigo Abdalla de Sousa, os problemas da Anatel decorrem, além da falta de recursos, da falta de integração com outros órgãos de controle do Executivo e da sociedade civil, de métodos que seriam ultrapassados e da baixa efetividade dos Processos Administrativos de Apuração de Descumprimento de Obrigação (Pados). “É necessária uma reformulação do contexto institucional – não somente do Regimento Interno da Anatel, mas também da própria Lei Geral de Telecomunicações – para que a agência reguladora produza resultados mais eficientes”, aponta.
Luis Kubota destaca o que pode ser uma mudança no foco da fiscalização a partir dos acontecimentos de 2012. “Os dirigentes da Anatel têm anunciado que – após 15 anos da criação da agência – o foco deixa de ser a massificação e passa a ser a melhoria da qualidade dos serviços. Creio que se pode notar uma postura mais firme em relação aos serviços prestados pelas operadoras”, afirma.
A Anatel destaca que tem atuado na reformulação de seus regulamentos, estabelecendo metas de eficiência operacional e de atendimento ao consumidor, com estímulo a investimentos. “Além disso, há medidas cautelares que são utilizadas pelo órgão regulador em momentos de necessidade, como ocorreu com a telefonia fixa e a telefonia móvel ao longo de 2012, sendo a mais recente delas a suspensão específica do plano de uma operadora até que sejam obtidos dados sobre a capacidade de rede dessa prestadora para suportar o esperado crescimento de tráfego”, informa a assessoria de imprensa da Anatel.
RISCO DE APAGÃO?
Após a suspensão da venda de chips na metade de 2012, a Anatel anunciou a realização de um acompanhamento trimestral dos planos de melhorias das operadoras. O primeiro balanço foi apresentado no dia 27 de novembro. Aliado a isso, a agência aprovou no mesmo mês o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC). Colocado em consulta pública em julho de 2011, o plano traz medidas para estimular a concorrência entre as operadoras, além de aperfeiçoar a regulamentação. Uma das medidas mais importantes é o compartilhamento de infraestrutura entre as operadoras.
“O conceito do plano é bom na medida em que estimula a competição e facilita a entrada de novos players”, avalia o diretor executivo do Sinditelebrasil, Eduardo Levy. “A regulamentação vai em direção correta, pois a Anatel busca inibir condutas anticompetitivas como recusa de acesso à interconexão e compartilhamento de infraestrutura a grupos concorrentes. É interessante também a preocupação com o princípio da celeridade na resolução dos conflitos”, complementa Luis Claudio Kubota, do Ipea.
Apesar dos problemas de má qualidade, os especialistas e dirigentes afirmam que não existe risco de “apagão” nas telecomunicações durante a Copa do Mundo de 2014, como apontado pela revista britânica The Economist em agosto. Problemas serão verificados onde ocorrer grande concentração de pessoas, como nos estádios, mas insuficientes para se caracterizar uma pane geral. “Isso não quer dizer que a infraestrutura projetada para as telecomunicações em 2014 seja satisfatória”, pondera Gabriel Fiuza, do Ipea. “O melhor que pode ser feito tendo em vista o prazo exíguo para a próxima Copa é fiscalizar de perto os compromissos assumidos pelas concessionárias para que finalizem a tempo os projetos prioritários já em andamento. Entretanto, projetos de infraestrutura são de longo-prazo por natureza e assim devem ser pensados. Em um horizonte mais longo, o melhor que pode ser feito para desenvolver a rede de telecomunicações brasileira é racionalizar a regulação para que firmas tenham incentivos para investir e entregar serviços com a qualidade prometida. Vale lembrar que incentivos se constroem com prêmios e também com punições”, completa Fiuza.
Preço da telefonia ____________________________________________________________________________ Levantamentos internacionais apontam elevados preços pagos pelos consumidores brasileiros de telefonia celular. Para alguns, é preciso levar em conta as promoções realizadas pelas operadoras e a carga tributária envolvida
Relatórios internacionais apontam que o preço da telefonia no Brasil é caro. Um levantamento das Nações Unidas divulgado em fevereiro de 2012 mostrou que o custo da ligação de celular no Brasil é o mais alto entre os países em desenvolvimento. Já um relatório da União Internacional de Telecomunicações (UIT), divulgado em outubro, mostrou que o brasileiro é o 10º que mais gasta sua renda (7,3%) com telefonia celular.
Para os especialistas, um problema desses relatórios é que eles levam em conta os valores máximos autorizados pela Anatel, desconsiderados os preços mais baixos e as eventuais promoções. De acordo com Eduardo Tude, do Teleco, o preço efetivamente pago pelo usuário de celular no Brasil está, na média, em R$ 0,22 por minuto, o que não seria alto na comparação com outros países. O preço para chamadas entre operadoras é de R$ 0,05 por minuto, enquanto entre celulares de operadoras diferentes o custo supera o R$ 1,00. “O Brasil está entre os três países com mais alta carga tributária para serviços de telecomunicações no mundo. A unificação das alíquotas de ICMS em 25% e a redução dos valores recolhidos para o Fust e o Fistel são algumas medidas que poderiam ajudar a reduzir esta carga tributária”, defende Tude.
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A carga tributária, que varia entre 30% e 40% das receitas brutas das operadoras dependendo dos estados, é um elemento importante no estabelecimento do custo da telefonia no Brasil. Mas o aumento da competição entre as empresas poderia também influir na diminuição do custo da telefonia.
“A regulação não deve ser uma barreira para o movimento natural de convergência tecnológica no setor. É importante buscar a simplificação e integração regulatória das áreas de telefonia fixa e móvel, TV por assinatura e internet. Também acredito que há espaço para avanços técnicos substanciais no desenho dos leilões e na regulamentação do compartilhamento e apreçamento do acesso às redes. Em particular, deve haver especial atenção ao detalhamento do PGMC. Cumpre ressaltar que planos de redução tarifária não devem ser concebidos em detrimento de regras vigentes ou da remuneração justa dos investimentos já efetuados. A imposição arbitrária de preços insustentavelmente baixos afasta investimento, espanta a competição e gera, consequentemente, ineficiência, má qualidade e preços altos no futuro”, aponta Gabriel Fiuza.
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