2015 . Ano 12 . Edição 84 - 16/10/2015
Como um bem público disponível na natureza tornou-se motivo de disputa e um agravante no quadro das injustiças sociais?
Deborah Trevizan
Pela primeira vez na história,empresas de saneamento,indústrias e pecuaristas da região de Campinas, interior de São Paulo, terão de reduzir em 20% a captação de água na bacia do rio Camanducaia. E a restrição é por tempo indeterminado, ou até que volte a chover. Por falta de chuva, a vazão no rio está em 1.320 litros/segundo, quando o normal é acima de 2.000 l/s.
Outro sistema, o Cantareira, que abastece a Grande São Paulo, opera atualmente com 13% de sua capacidade. Se não chover mais, pode entrar em alerta ou, até mesmo, ter sua captação reduzida. A situação é tão grave que o governador Geraldo Alckmin assinou portaria reconhecendo, oficialmente, que a situação hídrica na Grande São Paulo é crítica.
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Mobilização em favor de um referendo sobre o direito humano à água, em 2008, Bogotá, Colômbia
A medida permite que o estado suspenda as licenças de captação particulares para priorizar o abastecimento público de 20 milhões de pessoas que moram na região. Mas será que o problema é causado apenas pela falta de chuva?
Os especialistas dizem que não e apontam a má gestão dos recursos hídricos, o desmatamento, a poluição dos rios por dejetos industriais e humanos e uso da água pelas indústrias e produção agrícola como determinantes na escassez de água.
A degradação do meio ambiente, dizem, agrava o problema; a falta de políticas públicas provoca injustiças sociais. Há cidades com muita água, outras com pouca, e, mesmo onde a água é mais abundante, sua distribuição é desigual.
No Brasil, 19 milhões de pessoas que vivem em áreas urbanas não têm água potável. Outras 21 milhões que moram na zona rural também não têm acesso à água tratada e apenas 46% dos domicílios brasileiros contam com coleta de esgoto, segundo dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Relatór io da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas)mostra que cerca de 40 milhões de pessoas na América Latina (7% da população) não têm água potável, segura para o consumo humano, e mais de 20%, cerca de 117 milhões de habitantes da região, carecem de instalações sanitárias.
Outro relatório, publicado em junho pelo Programa de Monitoramento Conjunto da Oferta de Água e Esgoto da Organização Mundial da Saúde e da Unicef (JMP), destaca que, embora o mundo tenha atingido globalmente a meta de reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso à água, ainda falta muito para que todos tenham acesso à rede de esgoto.
Segundo o relatório, 147 países alcançaram a meta da água, 95 alcançaram a meta do esgoto e 77 conseguiram alcançar ambas as metas. Apesar dos avanços consideráveis desde 1990, ano base de comparação, 663 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável, uma em cada três no mundo carece de instalações adequadas de esgoto e 946 milhões ainda defecam a céu aberto.
Na América Latina e no Caribe, onde a cobertura da água aumentou dez pontos percentuais entre 1990 e 2015, a meta da água também foi alcançada. Apenas República Dominicana, Haiti, Venezuela e Colômbia não conseguiram atingir a meta.O Direito à Água como Política Pública na América Latina, publicação que acaba de ser lançada pelo Ipea, com edição dos pesquisadores José Esteban Castro, Léo Heller e Maria da Piedade Morais, aborda a “crise da água” na América Latina e, mais especificamente, no Brasil.
Para os editores, o objetivo da publicação é aumentar a base de conhecimento sobre a água, observando avanços, retrocessos e possibilidades de implantação de políticas públicas que garantam o direito à água na América Latina.
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José Esteban Castro, professor de sociologia da Universidade de Newcastle, no Reino Unido
A história é antiga. No Brasil, em regiões áridas e semiáridas, no Nordeste, principalmente, a busca pela água e os problemas causados pela falta dela já são conhecidos de todos. Na América Latina também não faltam casos de escassez e má distribuição. Mas foi só em julho de 2010, após décadas de debate internacional, que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, formalmente, a existência do direito humano à água. Um grande avanço que não resolveu as grandes questões que envolvem o problema.
Para a técnica de Pesquisa e Planejamento do Ipea Maria Piedade Morais, são várias as questões que precisam ser lembradas quando falamos dos problemas do acesso à água, como as lutas na América Latina, o racionamento, a má distribuição e a desigualdade social, acirrada pela má distribuição da água. “A problemática se faz mais presente e mais complexa nas áreas semiáridas e desérticas, mas também acontece em regiões mais favorecidas em termos hidrológicos”, completa a pesquisadora.
Em 13 capítulos, o livro ressalta os vastos recursos hídricos da região, com algumas das bacias hidrográficas mais importantes do mundo, como as dos rios Amazonas, Orinoco e Prata, e a má distribuição da água em termos geográficos, já que o continente também tem grandes áreas desérticas ou semidesérticas.
No caso específico do Brasil, embora o país detenha 13% de toda a água doce disponível no mundo, a distribuição deste recurso natural é extremamente desigual no território, com 81% dos recursos hídricos do pais concentrando-se na Região Hidrográfica Amazônica, onde habitam apenas 5% da população brasileira. Já as regiões hidrográficas brasileiras banhadas pelo Oceano Atlântico representam apenas 2,7% dos recursos hídricos do Brasil, embora concentrem 45,5% da população e abriguem os principais centros urbanos brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Outro agravante, mostra a publicação, vem ocorrendo com as mudanças climáticas aceleradas, provocadas pelo aquecimento global, com forte impacto nos volumes de água disponíveis. Até mesmo as grandes bacias hidrográficas estão sofrendo situações extremas, como a escassez de água ao longo do Amazonas ou a redução do fluxo na bacia do Rio da Prata, além da contaminação das fontes de abastecimento pelos mais variados motivos, incluindo descargas de esgotos domésticos e industriais e os impactos ambientais negativos causados pela agricultura e pela mineração intensivas.
Estima-se que somente 5% do esgoto proveniente de uso urbano e industrial recebe algum tipo de tratamento antes de ser devolvido ao meio ambiente. “Na coletânea, examinamos alguns exemplos das contradições, dos conflitos e dos confrontos relacionados aos processos, com ênfase no direito à água e em suas políticas públicas implantadas em alguns países”, explica Maria da Piedade. Para José Esteban Castro, professor de sociologia da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, e coordenador da Rede Waterlat (uma rede de ensino, pesquisa e intervenção no campo da política e da gestão da água), a América Latina é um território que, historicamente, tem sido palco de lutas pela água por ter alguns locais onde o bem é escasso, mas concentra um grande número de pessoas, como o Nordeste do Brasil e o sul do México.
Um dia só para ela
No dia 22 de março de 1992, a ONU criou o Dia Mundial da Água, com a publicação da Declaração Universal dos Direitos da Água.
1. A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
2. A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela, não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura.
3. Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.
4. O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.
5. A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem com as gerações presentes e futuras.
6. A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
7. A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
8. A utilização da água implica respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.
9. A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.
10. O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
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Ele lembra que, às vezes, há água suficiente, mas não é bem distribuída. “Há famílias que gastam muita água e outras que usam poucos litros e isso assume outras características, pois não é que não haja água, mas é mal distribuída”, diz.
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Manifestações pelo direito à água no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003 e 2005
Para Esteban, a água é um direito humano, tem de ser vista como um bem público e não como uma mercadoria, o que não ocorre. Ele cita como exemplo a escassez de água em São Paulo: “Numa cidade tão importante como São Paulo em termos de poder econômico e político, o que tem ocorrido nos últimos dois anos é emblemático, uma demonstração de como as grandes cidades não privilegiam o direito humano à água e a responsabilidade pública pelos serviços”.
O livro lembra também alguns casos latino-americanos que foram extensamente analisados na literatura como as Guerras da Água. Ou protestos populares contra a privatização da água, em Cochabamba, em 1999, e em La Paz-El Alto, na Bolívia, em 2005, contra a privatização dos serviços de água e esgoto no Uruguai e nos aquíferos mexicanos de Aguascalientes e Guanajuato. Na Argentina, houve uma grande mobilização social contra a contaminação da água nas províncias de Córdoba e Rio Negro. Os conflitos pelo direito à água em pequenas comunidades rurais no Peru e as formas comunitárias de gestão da água na Nicarágua e nos bairros periféricos de Caracas, Venezuela, também foram analisados.
No Brasil, são diversos os casos citados, como o do Recife, em que um racionamento que existe há anos já se tornou regular e castiga mais quem mais precisa, comprovando a desigualdade social no acesso à água e suas implicações para a implantação do direito à água como política pública. A autora do artigo A política de racionamento de água na cidade do Recife, Brasil: Impactos e desigualdades nos assentamentos precários, Hermelinda Maria Rocha Ferreira, explica que, de acordo com o Censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50% das moradias do Recife localizadas em áreas pobres sofriam com a falta de água e esgoto, com consequentes problemas de habitabilidade e de saúde. “Nesse contexto, o abastecimento de água sob a forma de racionamento promove o agravamento das condições de vulnerabilidade advindas da falta de acesso à renda”.
O artigo mostra que as áreas pobres do Recife são submetidas a períodos mais longos de racionamento e que, apesar do acesso à água, a forma desigual de distribuição contribui para a reprodução de desigualdades sociais. “Apesar do convívio por três décadas subsequentes com o racionamento de água, existem evidências de melhorias em alguns setores no transcurso da última década, porém, persistem situações de desigualdades, uma vez que setores em que persiste a condição de racionamento estão habitados por populações menos favorecidas socialmente”, explica Hermelinda.
AP
Enchente em Xerém, Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro
Outro caso citado é o da Baixada Fluminense, que representa uma constante fonte de problemas, com enchentes, poluição e serviços públicos deficientes, situação que desperta, historicamente, diversas iniciativas governamentais, mas sem que se tenha avançado significativamente na resolução efetiva dos problemas.
As tarifas sociais e a relação entre justiça social e o acesso às redes de água e esgoto também são analisadas em artigo da pesquisadora Ana Lúcia Britto. Para ela, ter as redes de esgoto no bairro não significa para o morador de baixa renda ter acesso de qualidade aos serviços. “Isso acontece porque uma parcela expressiva da população não tem condições de pagar pelo custo dos serviços e, portanto, fica dependente de formas irregulares de acesso à água, frequentemente clandestinas e não seguras”, o que perpetua a desigualdade.
Na publicação também se analisam a privatização da água em municípios do Estado do Rio de Janeiro, a política tarifária dos serviços de água e esgoto, a venda de água envasada no Circuito das Águas, no sul de Minas Gerais, e a política de construção de um milhão de cisternas para a captação de água da chuva nas regiões semiáridas do Brasil.
Completa o livro um capítulo que trata do marco legal e normativo à luz dos Tratados sobre Direitos Humanos e Direito Ambiental Internacional e apresenta a situação do direito humano à água em nível global.
ENTREVISTA
Léo Heller
Léo Heller é o relator especial da ONU para o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário. Ele substituiu a portuguesa Catarina de Albuquerque, primeira relatora das Nações Unidas para a área
Léo Heller é professor aposentado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das referências na área de saneamento básico no país. Foi coordenador do estudo Panorama do Saneamento Básico no Brasil, que subsidiou a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) – considerado um marco para a área com metas e investimentos previstos para os próximos 20 anos.
Qual o seu papel como relator especial da ONU para o Direito Humano à Água e Esgotamento Sanitário?
Léo Heller – O relator especial é integrante dos “procedimentos especiais” vinculados ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Nessa posição, o relator desenvolve uma diversidade de atividades, como a realização de missões a diferentes países do mundo para verificar o nível do atendimento aos princípios estabelecidos pela Resolução A/RES/64/292 da Assembleia Geral da ONU. Essa resolução, publicada em julho de 2010, reconhece o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário como direito básico de todo ser humano e determina que tal acesso é condição essencial para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos. Outra atividade importante é a preparação e apresentação de dois relatórios anuais: um destinado à Assembleia Geral e outro ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Esses relatórios são temáticos, no sentido de explorar diferentes dimensões do direito humano à água e ao esgotamento sanitário. Buscam aprofundar a discussão sobre as implicações do reconhecimento desse direito humano, situações de violação dos direitos, bons exemplos da gestão dos serviços e, enfim, visam a ajudar os países a estabelecer medidas e a esclarecer entendimentos para a garantia da realização desse direito humano. O relator também procura dar encaminhamento a alegações de violação de direitos humanos, com base em denúncias recebidas de diferentes partes do mundo. Em caso de violação de um ou de vários direitos humanos, qualquer pessoa ou grupo pode recorrer aos procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos, apresentando seus relatos da situação. Após investigação, o relator, eventualmente, encaminha consulta ao governo do país implicado e, se for o caso, posteriormente, divulga declaração pública a respeito.
E quais os principais desafios?
Léo Heller – São vários os desafios para o cumprimento do direito à água e ao esgotamento sanitário, sobretudo, considerando-se que seu reconhecimento formal pelas Nações Unidas é relativamente recente. Assim, uma primeira tarefa é a de disseminar o direito, fazendo com que os países e os diversos atores sociais relacionados ao tema incorporem seus princípios nas suas legislações, políticas e práticas. É também desafiante tratar de forma substantiva esse direito no âmbito das próprias Nações Unidas e de suas agências. Mais recentemente, uma atividade importante tem sido acompanhar e interagir com as formulações dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que vigorarão de 2016 a 2030, de tal maneira a assegurar que os princípios do direito humano à água e ao esgotamento sanitário estejam contemplados.
Para onde devem ser concentrados os maiores esforços?
Léo Heller – As maiores carências para o cumprimento do direito humano à água e ao esgotamento sanitário, certamente, localizam-se nos países e regiões mais pobres do planeta e, nesses, junto às populações mais empobrecidas e vulneráveis. Mas essas carências não são exclusivas dessas realidades, pois tem havido frequentes denúncias de violações em países desenvolvidos, sobretudo em regiões submetidas a processos de decadência econômica, que vêm afetando grupos étnicos particulares, e em países induzidos a adotarem medidas de austeridade para o enfrentamento da crise econômica.
Qual a realidade do direito ao saneamento básico no Brasil?
Léo Heller – Em 2013, o Plano Nacional de Saneamento Básico avaliou o atendimento adequado e deficitário dos serviços de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de manejo de resíduos sólidos. Mostrou que apenas 59,4% dos cidadãos brasileiros recebem um atendimento adequado dos serviços de abastecimento de água, 33,9% recebem um atendimento dito “precário” e 6,8% estão sem atendimento. Essas estatísticas apontam para a necessidade de que o país melhore o seu atendimento. Porém, o Brasil não se destaca nem por ser melhor nem pior em comparação com outros países em desenvolvimento, como na maioria da América Latina. Encontram-se tendências similares em muitos desses países: o atendimento ao meio urbano é superior ao do meio rural; o atendimento em serviços de abastecimento de água é superior ao dos serviços de esgotamento sanitário. Pode-se observar também certa cultura de prestação de serviços, que vem explicar, de certo modo, essas tendências. Pautados em lógicas de recuperação de custos a curto prazo, muitos prestadores são, naturalmente, atraídos por centros urbanos, onde se concentram muitos usuários e, de fato, usuários que asseguram maior arrecadação financeira.
E a situação do esgoto é tão preocupante quanto a da água?
Léo Heller – O mesmo Plansab revela apenas 39,7% da população brasileira recebendo um atendimento adequado de esgotos sanitários, 50,7% com atendimento precário e 9,6% sem atendimento, situação ainda mais preocupante que a de abastecimento de água. É preocupante a baixa cobertura por sistemas adequados em vilas e favelas e para a população rural, da mesma forma que a baixa proporção de esgotos tratados em relação ao gerado é uma das mais importantes pressões ambientais sobre os cursos de água nacionais e um comprometimento ao gozo dos direitos humanos pelas populações afetadas por essa desatenção dos responsáveis.
O Brasil passa por uma das maiores crises hídricas da história. Atingindo, até mesmo, grandes metrópoles como São Paulo. Como o senhor vê este quadro?
Léo Heller – Visitei São Paulo em abril deste ano, ocasião em que tive oportunidade de dialogar com entidades da sociedade civil e de ouvir diversos depoimentos muito dramáticos sobre a consequência das restrições do consumo de água sobre o direito da população. Chamou muito a atenção de que princípios dos direitos humanos, como o da não discriminação e igualdade; participação; transparência e acesso à informação; responsabilidade (accountability) e sustentabilidade, aparentemente não estavam no centro das preocupações com a gestão da crise. No caso específico do direito humano à água e ao esgoto sanitário, os chamados “conteúdos normativos” deveriam também ser observados com atenção, em situações como a que enfrenta principalmente a Região Sudeste, incluindo os da disponibilidade, acessibilidade física, acessibilidade financeira, qualidade e segurança, aceitabilidade, privacidade e dignidade. Conforme os depoimentos apresentados, muitas pessoas afetadas, ou organizações que se ocupam das populações mais vulneráveis, relataram a experiência cotidiana de viver em tais condições. Esses depoimentos pessoais são importantes e ajudam a determinar se um caso de precariedade pode ser considerado como violação dos seus direitos humanos.
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