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Uma (e qual) reforma resolveria os problemas?

2016 . Ano 13 . Edição 87 - 17/06/2016

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O Brasil realizou três grandes ajustes em seu sistema previdenciário nos últimos 20 anos. O tema entra novamente em pauta, pouco mais de um ano da última alteração das regras no setor. Especialistas divergem tanto sobre o cálculo de um alegado déficit quanto sobre as soluções apontadas

Najla Passos – Brasília

Não fosse pelo aprofundamento da crise política, o Brasil já estaria debatendo a reforma da Previdência, que teria sido colocada no centro da agenda pública como possível condição essencial para a retomada do crescimento. Os números oficiais apontam que, no ano passado, as contas fecharam no vermelho, com prejuízos de R$ 89 bilhões. A expectativa é de que, este ano, atinja R$ 124,9 bilhões. Mas – como quase tudo neste Brasil polarizado – o tema é polêmico. Os especialistas divergem até mesmo sobre a existência ou não do tal déficit. E a pergunta que fica é: a reforma da Previdência é mesmo necessária?

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O economista do BNDES Fábio Giambiagi não tem dúvidas de que o déficit é real e a necessidade da reforma, premente. “A situação da Previdência é muito grave, com um desequilíbrio que vai se acentuando progressivamente, com uma tendência muito preocupante associada às razões demográficas”, afirma. Segundo ele, os gastos previdenciários crescem acima do Produto Interno Bruto (PIB) há 30 anos. “O país precisa de medidas de ajuste fiscal e a reforma da Previdência é uma delas. Quanto mais cedo ocorrer, melhor, porque o ajustamento será menos traumático. Adiar a reforma tem custos”, alerta.

Marcelo Pessoa, economista do Ipea cedido ao governo do Rio, acrescenta que o quadro se torna ainda mais insustentável quando se considera a diminuição da população economicamente ativa. “Nossa taxa de fecundidade está abaixo da taxa de reposição de 2,2 filhos por mulher. Aliado ao aumento da expectativa de vida, isso vai gerar uma deterioração da nossa razão de dependência a partir de 2020. A previsão é de que teremos um terço de idosos na população por volta de 2050. Quem sustentará esses idosos num país com uma população que, historicamente, apresenta baixa produtividade?”, questiona.

Professor da FGV-RJ, Kaizô Beltrão estima que serão necessárias várias medidas diferentes para reequilibrar as contas da Previdência, como o fim da aposentadoria por tempo de contribuição (ATC), a elevação da idade mínima, a homogeneização dos benefícios entre homens e mulheres e entre trabalhadores urbanos e rurais, dentre outras. “Uma medida só não resolve. Terá que ser uma cesta de maldades. São medidas impopulares, mas as pessoas têm que entender que é melhor isso do que o que aconteceu na Argentina, onde os benefícios foram todos suspensos de uma hora para outra. Foi o pior dos mundos”, justifica.

PREVIDÊNCIA SUPERAVITÁRIA

Visão diferente tem o professor Eduardo Fagnani, do Instituto de Economia da Unicamp. Segundo ele, estudos feitos pela Associação Nacional dos Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) comprovam que a Previdência brasileira sempre foi superavitária. “Há toda a reprodução de um discurso ideológico de que o setor é deficitário, de que a reforma é o único caminho. Mas nada disso é verdade. Este é só mais um mecanismo usado pelo capital para tentar capturar os recursos públicos”, afirma.

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Fagnani reconhece que a questão da transição demográfica não pode ser desconsiderada, mas defende que ela não seja vista com fatalismo. Para ele, a principal variável para se entender o desempenho da Previdência é a política econômica adotada. “Se a economia cresce, a renda da Previdência também cresce, como foi demonstrado nos últimos 12 anos. Agora, se há recessão, se há uma política de ajuste fiscal em curso, aí quebra tudo mesmo. De qualquer forma, uma reforma exige uma transição longa, de 20 a 30 anos. Então, ela não pode ser instrumento para resolver o problema da atual crise, como alguns querem fazer parecer”, alerta.

Professora do Instituto de Economia da UFRJ, Denise Gentil alega que o cadáver da última reforma, feita no apagar das luzes do primeiro governo Dilma, logo após sua reeleição ter sido garantida em 2014, ainda nem esfriou. “Nossa Previdência ainda é superavitária. Então, não há que se falar em mais uma reforma que retire mais direitos dos trabalhadores, ainda por cima em meio a uma recessão, agravada pelas políticas adotadas pelo próprio governo”, defende.

A professora lembra que, em 2015, o governo desonerou R$ 157,6 bilhões (2,8% do PIB) em contribuições sociais que financiam o sistema de seguridade. Além disso, manteve a política de Desvinculação das Receitas da União (DRU), que lhe permitiu gastar em outras áreas 20% de tudo que foi arrecadado nesta rubrica. “Não é minimamente razoável que você abra mão de R$ 157,6 bilhões em contribuições sociais, desvincule 20% das receitas da seguridade e depois faça a cobrança de uma reforma da Previdência que reduza custos”, avalia.

FONTES DE FINANCIAMENTO

O pacto social firmado com a Constituição de 1988 respaldou um complexo sistema de seguridade social no Brasil no qual a Previdência é um dos sustentáculos de um tripé que envolve a saúde e a assistência social. É esse sistema integrado que paga aposentadorias, pensões, seguros-desemprego e licenças-maternidade, mas também o Bolsa Família e os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), aquele salário mínimo para aposentados pobres e pessoas com deficiência. Ele sustenta até mesmo o Sistema Único de Saúde (SUS), entre outros.

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Para financiá-lo, a chamada Constituição Cidadã previu uma estrutura também complexa, que inclui não só as contribuições descontadas em folha de trabalhadores e empregadores, mas também as tributações sobre os lucros (Cofins, PIS-Pasep e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e sobre as receitas das loterias esportivas. Até 2008, havia ainda a CPMF, suspensa por decisão do Congresso, que o governo já anunciou que tentará reeditar.

De acordo com Denise Gentil, no ano passado, todas essas fontes de financiamento renderam um total de R$ 675,1 bilhões, enquanto as despesas fecharam em R$ 658,9 bilhões. “Isso dá um superávit de R$ 16,1 bilhões”, observa. Mas, segundo ela, ainda que as contas fechassem no vermelho, a Constituição obriga a União a cobri-las com recursos de outras fontes. “Falar em déficit da Previdência é, no mínimo, um erro técnico”, alega.

Fagnani acrescenta que a Previdência brasileira adota o modelo de financiamento criado pelo primeiro-ministro Otto von Bismarck (1815-1898) na Alemanha do século XIX, cuja premissa é a de que as despesas sejam repartidas entre trabalhadores, empregadores e Estado. “O problema é que, desde o governo Sarney, a Constituição vem sendo descumprida e os governos transferem recursos da seguridade para outras rubricas. O governo encontra déficit nas contas da Previdência porque só contabiliza como receita o que é pago por empregados e empregadores. O alegado déficit da Previdência é, portanto, o valor que cabe ao governo aplicar, segundo o modelo clássico de financiamento adotado em quase todo o mundo”, esclarece.

LEI PARA INGLÊS VER

Economista do Ipea, Marcelo Caetano admite que a Constituição prevê fontes múltiplas de financiamento para a Previdência, mas defende a forma de cálculo oficial. “Já mudou governo, já mudou partido e o modelo permanece”, justifica. Para ele, a Previdência só será sustentável se cobrir todos os seus gastos com o que arrecada em contribuições sobre a folha. “O governo, na função típica, não vai obter recursos tributando ele mesmo. Então, o que está na Constituição não faz sentido, é aquele tipo de lei para inglês ver”, afirma.

O economista também reconhece que as desonerações das contribuições sociais são excessivas e podem gerar distorções. Até aconselha que o assunto seja pautado nas discussões sobre a reforma da Previdência, mas entende que é necessário se trabalhar com o orçamento real, que é deficitário. “Existem desonerações demais? Existem. Isso está errado? Eu avalio que sim. Mas o dinheiro entrou? Não. Então, não há como considerar uma receita que não entrou e não vai entrar, porque essas renúncias já foram concedidas”, rebate.

Kaizô Beltrão, da FGV, concorda que mudar o cálculo não resolve o problema. “Você pode combinar coisas diferentes e achar resultados distintos. Mas fazer a conta diferente não modifica a necessidade total de financiamento que o governo tem. Até porque, se não puder pagar esse déficit com o que arrecada em contribuições previdenciárias, o governo terá que fazê-lo através de mais impostos”, ressalta.

Para Giambiagi, falta seriedade no debate. “Nós estamos falando de um país que não consegue tratar adequadamente a questão da pobreza, mas permite que pessoas se aposentem, em média, com 53 anos. Esta situação deixaria de ser absurda ao contabilizarmos as coisas de outra forma? Essa conversa de que a Previdência não é deficitária é uma papagaiada, uma distorção da verdade”, declara.

POLÍTICA SOCIAL OU SEGURO?

Entender as razões que colocam especialistas em campos tão opostos passa necessariamente por conhecer o papel que cada grupo atribui ao sistema previdenciário. Para os chamados ortodoxos ou liberais, a Previdência não é política social, não é instrumento para corrigir as distorções existentes no mercado de trabalho. “Política de distribuição de renda é outra coisa. Se você usa a Previdência para distribuir renda, não está sendo eficiente. A Previdência tem uma outra função, que é a de ser um seguro contra a perda da capacidade de gerar renda”, diz Beltrão.

João Viana / Ipea
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Já para os desenvolvimentistas, a Previdência é, sim, política social. E, mais do que isso, é também um instrumento capaz de promover o desenvolvimento. “Reduzir benefícios previdenciários é reduzir a expectativa de vida dos trabalhadores”, afirma Denise Gentil, da UFRJ. Para ela, o governo, ao anunciar que não terá recursos para garantir a renda dos aposentados, está aprofundando o processo de privatização e financeirização em curso. “O que está acontecendo com a Previdência hoje é o que já acontece há mais tempo com a saúde: o governo promove o sucateamento do SUS para que a população corra para os planos privados”, alerta.

Segundo a professora, discutir a necessidade ou não de uma reforma da Previdência é debater que tipo de Estado queremos. Ela lembra que, só no ano passado, o poder público gastou R$ 501 bilhões com pagamento dos juros, que vão atender menos de cem mil pessoas. Por outro lado, gastou R$ 385 bilhões com benefícios previdenciários para atender mais de 27 milhões de brasileiros diretamente, ou 90 milhões indiretamente. “Então, o que é preciso reformar: a Previdência ou o sistema tributário?”, questiona.

QUESTÕES DE GÊNERO

Dentre as várias propostas em discussão na reforma da Previdência, a equiparação da idade mínima para aposentadoria de homens e mulheres está entre as mais polêmicas. Hoje, o Brasil fixa a idade mínima em 65 anos para eles e 60 pra elas. Mas como o sistema também prevê a aposentadoria por tempo de contribuição, de 35 anos para homens e 30 para mulheres, a idade média fica bem abaixo da idade mínima oficial.

Para Giambiagi, a diferenciação entre as idades de homens e mulheres faz parte de um mundo que não existe mais. “Hoje, a realidade social das mulheres é muito diferente de 40 ou 50 anos atrás. Os homens de hoje ajudam muitíssimo mais em casa e é um fato constatado que elas têm muito menos filhos”, alega.

Kaizô Beltrão acrescenta que o mercado de trabalho já tem uma solução para a diferença reprodutiva, que é a licença-maternidade. Além disso, alega que as estatísticas comprovam que as mulheres vivem mais tempo do que os homens e acessam o mercado de trabalho mais cedo, já que se formam antes. “Elas usufruem dos benefícios previdenciários por mais tempo”, alega.

Conforme relata Marcelo Caetano, a experiência internacional revela uma tendência à equiparação, especialmente nos países ricos. Segundo ele, Estados Unidos, Canadá, Espanha e Suécia já igualaram a idade para a aposentadoria, enquanto Áustria e Suíça mantêm a diferenciação. Na França, a idade mínima é a mesma, mas o tempo de contribuição exigido da mulher é menor, dada a sua função reprodutiva. Já a Alemanha mantém a diferenciação só para mulheres que nasceram antes de 1952. Na Itália e no Reino Unido, há uma convergência progressiva, em que as idades irão se igualar em 2018.

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Denise Gentil, porém, afirma que defender a equiparação da idade mínima é desconsiderar o machismo que ainda vigora no Brasil, onde a dupla jornada feminina é realidade. “Pesquisas apontam que as mulheres trabalham, em média, 28 horas semanais em tarefas domésticas, enquanto os homens trabalham apenas nove”, compara. Além disso, ela argumenta que a mulher vive mais, mas de forma precarizada. “Dados do SUS mostram que, a partir dos 40 anos, as mulheres desenvolvem uma série de doenças crônicas, provocadas pela sobrecarga de trabalho”, observa.

TRABALHADORES URBANOS X RURAIS

Outro ponto controverso é a aposentadoria rural, que permite que o trabalhador do campo possa se aposentar cinco anos antes que o urbano: aos 60 anos, se homem, e aos 55, se mulher, com um benefício equivalente a um salário mínimo, mesmo sem tem contribuído com o sistema.

De acordo com Marcelo Pessoa, do Ipea, as pesquisas apontam que 40% dos trabalhadores rurais permanecem na ativa até os 70 anos de idade. Ainda assim, alega que essas aposentadorias pressionam o aumento de gastos no sistema. Segundo ele, quando foi criado, na década de 1970, esse benefício era de meio salário mínimo, a partir dos 65 anos, e restrito a um por família. “Essas regras mudaram com a Constituição de 1988, gerando, hoje, um gasto de quase R$ 100 bilhões por ano”, contabiliza.

Fagnani, entretanto, ressalta que a aposentadoria rural foi assim pactuada porque o constituinte entendeu que não era justo lançar milhões de agricultores familiares idosos na pobreza absoluta ou obrigá-los a trabalhar até morrer. Ele acrescenta que a própria Constituição criou duas novas contribuições sociais para cobrir tais gastos. Destaca, ainda, que a aposentadoria rural se mostrou uma política social muito eficiente. “Estudos comprovam que ela reduziu o êxodo para as cidades e provocou impactos econômicos extraordinários nas economias locais, especialmente dos municípios mais pobres”, argumenta.

A polêmica está em curso. O que vai determinar as opções a serem feitas não são apenas as contas e cálculos orçamentários, mas a luta política no País.

 
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