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O mosquito que desafia o Brasil

2016 . Ano 13 . Edição 87 - 17/06/2016

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Aedes aegypti infesta as cidades e traz três epidemias ao país. Falta de saneamento básico dificulta a erradicação

Carla Lisboa – de Brasília

O Aedes aegypti (“Odioso do Egito”, na tradução literal) tem apenas meio centímetro de comprimento, pouco mais de 30 dias de vida em suas quatro fases (ovo, larva, pupa e adulto) e sua autonomia de voo não chega a um quilômetro de distância. Por trás dessas limitações há uma grande riqueza genética, acumulada ao longo de 250 milhões de anos. Isso explica a resistência e a impressionante capacidade de mutação e adaptação deste inseto.

Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
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Há dois anos, o Instituto Butantã, em São Paulo, comprovou a rápida variação evolutiva do mosquito. Coordenada por Lincoln Suesdek, especialista em biologia celular e molecular de culicídeos, uma equipe de pesquisadores observou o Aedes durante 14 meses nos arredores da capital paulista e viu que o tamanho e o formato das asas mudaram em cada estação do ano. “Percebemos que o patrimônio genético do mosquito é rico e dinâmico. A espécie tem grande potencial para sofrer alterações. Isso sugere que ela é muito versátil em explorar novos ambientes e, possivelmente, em contornar nossas tentativas de eliminá-la”, observa Suesdek.

BARATA DOS MOSQUITOS

A barata dos mosquitos, na definição do pesquisador australiano Scott Ritchie, da James Cook University, tem sua origem na África, espalhou-se por grande parte do planeta, sobretudo nas regiões tropicais e subtropicais, e hoje desafia governos, cientistas, epidemiologistas, sanitaristas e virologistas de todo mundo em razão da quantidade de doenças que passou a transmitir e da ineficácia das sucessivas tentativas de sua erradicação, desde o início do século passado.

No Brasil, o mosquito se tornou um caso de saúde pública. Responsável pela transmissão da febre amarela e da dengue, o Aedes aegypti passou a disseminar, desde 2014, dois novos arbovírus no país, o da febre chikungunya e o Zika, este último responsável por duas doenças neurológicas graves: a microcefalia em bebês de gestantes infectadas e a Síndrome de Guillain-Barré. E deverá trazer novas enfermidades ao país.

“Existem outras doenças com potencial epidêmico que não chegaram ao Brasil e já se sabe que podem ser transmitidas por esse mesmo vetor, como, por exemplo, a febre do Nilo Ocidental, que ocorre nos Estados Unidos. Essa é uma preocupação grande que nós temos. E outra preocupação é com as complicações que estamos vendo, principalmente em relação ao Zika, que não tinham sido relatadas na literatura científica”, ressalta a doutora em Epidemiologia Leila Posenato, técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea.

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EPIDEMIAS EM NÚMEROS

Os números das doenças transmitidas pelo mosquito configuram graves epidemias no Brasil. No ano passado, segundo dados do Ministério da Saúde, os casos de dengue cresceram 178% em relação a 2014. Em 2015, foram contabilizadas 1.649.008 pessoas infectadas, com 843 mortes confirmadas, contra 473 óbitos em 2014 (aumento de 82,5%). Especialistas acreditam que muitos casos da doença não foram notificados. O número de pacientes com chikungunya quadruplicou: em um ano, saltou de 3.657 para 20.661 em 18 estados, com três óbitos.

O vírus Zika já chegou a todo país. E até o dia 29 de março deste ano tinham sido confirmados 745 casos de bebês com microcefalia, segundo dados do Ministério da Saúde. Em fevereiro, eram 508. Ainda há 4.107 casos investigados. Até janeiro, haviam sido confirmados 139 óbitos em decorrência de microcefalia, de bebês depois de nascidos ou durante a gestação, e há mais de uma centena de mortes em investigação. São mais de 70 mil notificações de infecções por Zika em adultos no país.

O Zika era considerado o vírus mais brando dos três transmitidos atualmente pelo Aedes aegypti nas áreas urbanas do país. Mas, em novembro de 2015, em uma iniciativa inédita no mundo, o Ministério da Saúde confirmou que gestantes infectadas podem gerar crianças com microcefalia, uma malformação irreversível.

Também aumentaram os casos de Síndrome de Guillain-Barré. No Rio de Janeiro, por exemplo, 16 pacientes deram entrada com a doença este ano no Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense (UFF). A Organização Mundial da Saúde (OMS) já associa esta síndrome neurológica ao Zika.

Desde que aumentaram os casos de microcefalia, o Ministério da Saúde declarou Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. O ministro da Saúde, Marcelo Castro, admitiu publicamente que “estamos perdendo a batalha contra o mosquito”. A presidenta Dilma Rousseff conclamou: “Vamos demonstrar que o brasileiro é capaz de ganhar essa guerra. As igrejas, sindicatos, o governo. Cada um de nós”.

NAVIOS NEGREIROS

Originalmente de hábitos silvestres, o Aedes aegypti chegou às Américas nos navios negreiros, no período colonial. Com o tempo, encontrou no ambiente urbano o espaço ideal para a sua proliferação e chegou a provocar uma epidemia de febre amarela no país, principalmente no Rio de Janeiro, no início do século passado. Mas foi a partir da Segunda Guerra Mundial que sua presença se intensificou nas grandes cidades. Ele se especializou em dividir espaço com o homem e alguns fatores, como o calor e a precariedade do saneamento básico, ajudaram-no a se estabelecer em países tropicais e subtropicais, como o Brasil.

Rodrigo Dalcin UnB Agência
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“Com o fluxo rural-urbano intenso e rápido, as cidades não se organizaram para oferecer habitação e saneamento básico em condições dignas para boa parte da população. Hoje, temos 85% da população vivendo nas áreas urbanas e, segundo o IBGE, 20% das pessoas das cidades médias e grandes vivem em condições precárias, em favelas, mocambos, invasões, palafitas e cortiços, que favorecem a proliferação do mosquito, explica o professor Pedro Tauil, especialista em medicina social e tropical da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ele, o processo produtivo industrial moderno também contribuiu para a proliferação do mosquito nas áreas urbanas. Tauil cita como exemplos as embalagens descartáveis de isopor, plástico, vidro, papelão e as latinhas que, quando não dispostas adequadamente no meio ambiente, funcionam como criadouros. Além disso, há os pneus, esse subproduto da indústria automobilística que não tem tido uma destinação adequada.

“Ninguém sabe o que fazer com pneus usados. O que tenho visto é a queima em manifestações populares. Esse é um desafio, porque o pneu apresenta condições excepcionais para o desenvolvimento de criadouros de mosquito, por causa do acúmulo de água em seu fundo escuro. O problema do Aedes aegypti precisa ser visto como determinado por esses fatores extra-setoriais da saúde conjugados”, diz o professor.

DOENÇAS E FALTA D’ÁGUA

Os lixões e a falta de abastecimento regular de água também conspiram a favor do mosquito. A doutora Leila Posenato lembra que, por causa das interrupções no abastecimento no primeiro semestre de 2014, a população de São Paulo passou a estocar água e isso provocou uma explosão de dengue no estado. “Por ter a maior população do Brasil, um problema que acontece no estado pode ter consequências sobre os programas de saúde do Brasil inteiro. Foi preciso deslocar recursos para São Paulo e faltou inseticida em alguns lugares”, lembra a técnica do Ipea. Assim, a dengue se espalhou pelo país.

O médico sanitarista José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, defende a incorporação de uma política nacional de universalização do saneamento básico na agenda de enfrentamento das questões de saúde pública. “A prevalência do mosquito tem suas raízes nesse problema: saneamento básico e ambiental. No Brasil, sétima economia do mundo, só 50% das moradias estão ligadas à rede de esgoto e 20% não têm oferta regular de água. O processo de urbanização das grandes cidades foi caótico. As más condições de vida, a falta de limpeza das cidades, tudo isso favorece a proliferação do mosquito”, diz.

Divulgação
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MÉTODOS DE UM SÉCULO ATRÁS

Para piorar o quadro, o país adota as mesmas estratégias de combate ao mosquito do tempo de Oswaldo Cruz (1872-1917), com resultados insatisfatórios. Como as residências concentram a maioria dos criadouros, campanhas de conscientização são feitas em época de chuva. Mas faltam ações coordenadas e contínuas.

No verão, agentes sanitários visitam as moradias na tentativa de exterminar focos de larvas do inseto com larvicidas e inseticidas mais potentes que os vendidos no mercado. Mas não dão conta de vistoriar todos os imóveis.

“Isso não é mais possível, porque o número de domicílios cresceu demais. O Distrito Federal, por exemplo, tem quase um milhão de prédios e cerca de 300 agentes públicos”, diz o professor Pedro Tauil, da UnB. Ele ressalta que a falta de segurança nas cidades ajuda a inviabilizar essa estratégia, pois muitos moradores não permitem a entrada dos agentes com medo de serem assaltados. “Tudo isso faz com que a nossa preocupação, hoje, seja buscar inovações técnicas e estratégias mais adequadas às condições urbanas atuais”, ressalta.

Outra forma de combater o mosquito é a técnica conhecida como fumacê, que consiste na dispersão de uma nuvem de inseticida. Ela é pouco eficiente, pois o componente químico tem de entrar em um espiráculo localizado embaixo da asa do mosquito. Para isso, é preciso que o inseto esteja voando, algo difícil, já que essa espécie fica na maior parte do tempo em repouso. Além disso, agride o meio ambiente e prejudica a saúde das pessoas. Em nota, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) condenou a estratégia:

“Preocupa-nos o uso intensivo de produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para seres humanos. No Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente decretado pelo Ministério da Saúde, está sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos que esta é a mais recente ameaça sanitária imposta pelo modelo químico dependente de controle vetorial”, diz a nota.

ALTERNATIVAS DE PREVENÇÃO

O governo busca opções de controle do vetor. Na segunda quinzena de fevereiro, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde realizou, em Brasília, a Reunião Internacional para Implementação de Novas Alternativas para o Combate ao Aedes aegypti no Brasil, evento que durou dois dias e contou com a participação de 40 especialistas, entre eles pesquisadores dos Estados Unidos, México e Austrália.

Agência Brasil
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No encontro, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Agenor Álvares, reconheceu que os métodos atuais de controle de vetores não estão sendo suficientes para reduzir a população de mosquitos e a incidência de agravos. Experiências exitosas de controle do vetor adotadas em alguns municípios foram discutidas, como o uso de espécies transgênicas e da bactéria Wolbachia.

Os mosquitos transgênicos (OX 513), criados pela empresa britânica Oxitec, estão sendo produzidos em Campinas (SP). A técnica consiste na esterilização genética dos machos da espécie. Quando estes acasalam com as fêmeas, elas põem os ovos, que viram larvas, mas os descendentes morrem antes de chegar à vida adulta. Testes feitos em Juazeiro, na Bahia, comprovaram redução acima de 80% nos mosquitos silvestres. Agora os transgênicos estão sendo soltos em Piracicaba (SP), Jacobina e Juazeiro (BA).

Outra técnica consiste na modificação biológica do Aedes aegypti pela presença da Wolbachia, bactéria inofensiva aos seres humanos. Inoculado com a bactéria, os mosquitos a repassam de geração em geração, pois ela chega aos ovos e às larvas. Aos poucos, os mosquitos infectados se reproduzem e não conseguem transmitir doenças como a dengue, chikungunya e zika.

Venilton Kuchler/ ANPr
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Microcefalia: caso grave de saúde pública

Identificado pela primeira vez no Brasil em abril de 2015, o vírus Zika trouxe grande dor de cabeça para o governo e pânico para a sociedade. Pouco se sabe ainda sobre ele, mas uma coisa é certa: se na maioria dos adultos a doença evolui de forma benigna, com sintomas iniciais de febre, manchas vermelhas no corpo, coceira e dores musculares e articulares, ao atingir o feto das gestantes pode provocar nos bebês uma malformação congênita grave: a microcefalia. Além disso, também pode causar em adultos a Síndrome de Guillain-Barré, doença neurológica que pode ser fatal, mas há poucos casos notificados.

“Esta é a crise de saúde pública mais crítica que já vivenciei em toda minha carreira lidando com doenças infecciosas. As epidemias são eventos trágicos, mas essa é pior do ponto de vista social, porque envolve a saúde reprodutiva da mulher – é toda uma geração de mulheres em idade fértil que, se estão grávidas, temem pelo concepto num momento em que ainda não se tem vacina – e toda uma geração que nasce com manifestações desse déficit neurológico”, afirma a médica Celina Turchi, doutora em Epidemiologia de doenças infecciosas, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e integrante do Microcephaly Epidemic Research Group. Trata-se de um consórcio de pesquisa das universidades estadual e federal de Pernambuco, Fiocruz-PE e secretarias estadual e municipal de Saúde.

Segundo ela, todos os resultados de séries de casos, de avaliação patológica, anatomopatológica de fetos natimortos e das características de imagens ou calcificação apontam que se trata de uma causa infecciosa congênita, temporalmente relacionada com o vírus Zika. “A Organização Mundial da Saúde já disse que, frente a essas evidências, já se pode falar, com segurança, que uma infecção causada pelo vírus Zika durante o período gestacional leva a alterações importantes do sistema nervoso central e outras malformações neurológicas, oftálmicas e articulares”, observa.

INCIDÊNCIA NA GRAVIDEZ

Foi a partir de agosto que um grupo de profissionais do Nordeste, onde a epidemia teve início, começou a perceber, por meio de tomografias ou ultrassom, um aumento de casos de crianças que não só tinham o perímetro encefálico pequeno, mas também malformações, calcificações que eram muito compatíveis com outras doenças infecciosas. Eles viram que esse aglomerado de casos coincidiu com mulheres que estavam grávidas no pico da epidemia de Zika de maio do ano passado.

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“Essa associação foi feita muito rapidamente, mas, como a literatura científica mundial não tinha nada a respeito, era uma síndrome desconhecida, uma malformação congênita ainda não descrita, o Ministério e a Secretaria de Saúde tiveram a coragem de vir a público, em um momento em que não havia – e ainda não há – testes sorológicos comerciais, para dizer que era o Zika”, conta a doutora Celina Turchi.

RELAÇÕES SEXUAIS

Existe também a suspeita de que o vírus Zika possa ser transmitido pela relação sexual, já que foi detectado na saliva e no esperma de pacientes infectados. Três casos já foram relatados, como o de uma mulher na França, infectada quando o parceiro retornou do Brasil. Outro caso foi confirmado no Texas e, mais recentemente, um terceiro no Chile.

“Não tenho dúvida de que é possível a transmissão sexual. Foi fácil ver isso porque houve casos em países onde não existe transmissão por vetor, causados por pessoas que vieram de países onde há a transmissão por vetor. E teve mais de um caso”, destaca a doutora Laura Rodrigues, professora da London School of Hygiene and Tropical Medicine, referência em epidemiologia das doenças transmissíveis. Segundo ela, a transmissão sexual é mais lenta, ao contrário da transmissão vetorial, que acontece no Brasil.

O Zika pode estar também associado a outra doença neurológica grave, a encefalomielite aguda disseminada, que acomete o cérebro e a medula espinhal com o ataque à mielina, substância que reveste as células nervosas. Depois de acompanhar a evolução de 151 pacientes com sintomas de arboviroses entre dezembro de 2014 e junho de 2015, a neurologista Maria Lucia Brito Ferreira, médica do Hospital da Restauração, do Recife, constatou que, dos seis que tiveram testes positivos para Zika, quatro apresentavam a Síndrome de Guillain-Barré e dois estavam com encefalomielite aguda disseminada. O resultado do estudo será apresentado na Reunião Anual da Academia Americana de Neurologia em Vancouver, no Canadá.

Mosquito levanta polêmicas da CPMF e do aborto

Sem o fortalecimento do SUS, prevenção e combate às epidemias ficarão seriamente prejudicados

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As epidemias causadas pelo Aedes aegypti trouxeram à tona duas polêmicas: o direito ao aborto em casos de microcefalia e o resgate da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). Esta última visa a dar ao Sistema Único de Saúde condições necessárias para as ações de promoção, prevenção e combate ao mosquito e, consequentemente, às doenças por ele transmitidas, incluindo ações de saneamento e de coleta de lixo, uma vez que a política de saúde deve ter uma perspectiva ampla e intersetorial, visando à melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.

O economista Carlos Octávio Ocké Reis, diretor do Departamento de Economia da Saúde e Desenvolvimento (Desid) do Ministério da Saúde, defende a recriação da contribuição. “A aprovação da CPMF pode contribuir não apenas para o incremento de recursos financeiros destinados ao combate ao mosquito, mas também pode ter um papel decisivo no fortalecimento do SUS, que enfrenta pesada crise de subfinanciamento após a aprovação da Emenda Constitucional 86, que acarreta perdas significativas para o setor. Por isso, a aprovação da PEC 01-A/2015 é tão importante na atual conjuntura, uma vez que propõe alterações das alíquotas que serão aplicadas no setor saúde, tendo como base de cálculo a Receita Corrente Líquida da União”, afirma.

Além disso, segundo ele, o SUS desconcentra renda e a ampliação dos recursos destinados à saúde pública impacta positivamente no orçamento das famílias, sobretudo da população de baixa renda, que gastará menos com serviços privados, como planos de saúde, médicos, remédios e exames. “Considerando os princípios da equidade e da justiça tributária, o aumento dos recursos aplicados no SUS por meio da CPMF, somado às boas práticas de gestão, pode melhorar não apenas o acesso, mas a qualidade da assistência à saúde prestada à população”. A aprovação da CPMF, contudo, enfrenta resistências no Congresso Nacional e em amplos setores da sociedade.

ABORTO LEGAL

A antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, está elaborando uma ação, com argumentos científicos, jurídicos e políticos, em defesa do aborto legal em casos de microcefalia. A ação será encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ela liderou a ação vitoriosa, no tribunal, sobre a anencefalia, cuja tramitação durou oito anos. O pedido foi feito em 2004 e o STF só julgou em 2012.

Debora alega que a mulher não deve ser punida por uma falha das autoridades em controlar o Aedes aegypti. E diz que a ilegalidade do aborto e a falta de políticas de erradicação do mosquito ferem a Constituição em dois pontos: no direito à saúde e no direito à seguridade social. Segundo ela, abortos clandestinos são feitos sem cuidados médicos adequados e em número alarmante.

José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde do governo Luiz Inácio Lula da Silva entre 2007 e 2011, apoia a iniciativa. “Hoje, há apenas três possibilidades de realizar aborto legal no Brasil: na anencefalia, na gravidez decorrente de estupro e no caso de grave ameaça à saúde da mãe. Ainda assim há iniciativas no Congresso para se retirar algumas dessas possibilidades, o que representa voltarmos a uma época anterior a 1940, quando o Código Penal Brasileiro introduziu as duas primeiras possibilidades: estupro e risco de vida para a mãe”.

CONSEQUÊNCIAS

Temporão alerta para as consequências da proibição de abortos em casos de microcefalia. “A Síndrome do Zika Congênito pode significar retardo mental, convulsões, surdez, problemas graves de visão, problemas motores, entre outros que podem afetar o bebê durante toda a sua vida. Isso vai implicar cuidados especializados caros para os quais o Brasil não dispõe em quantidade e qualidade suficiente para cobrir todo o país”.

Celina Turchi, médica e pesquisadora da Fiocruz de Pernambuco, acha que a epidemia de microcefalia está oferecendo ao país uma oportunidade única de discutir a questão reprodutiva da mulher e o aborto. “Em todo esse cenário de crise na saúde pública, temos algumas oportunidades. A primeira é a de melhorar a atenção à saúde reprodutiva das mulheres; a segunda, a de vencer essa distância de todas as classe sociais e proporcionar, principalmente àquelas que têm menor acesso a serviços de saúde e à educação, um planejamento familiar com gravidez planejada e bem acompanhada; a terceira, a de levantar a discussão sobre a possibilidade de oferecer aborto da forma que é oferecido em outros países em casos de grandes malformações, sejam de origem genética ou infecciosa”, afirma.

Pedro Tauil, médico, professor e pesquisador do Núcleo de Medicina Tropical da UnB, tem opinião diferente. Ele acha que é preciso esperar antes de se tomar uma decisão sobre o aborto em casos de microcefalia. “O diagnóstico é feito no último trimestre da gravidez. Nesse caso, não se trata nem de aborto, mas da interrupção da gestação. O aborto que a gente chama é relativo ao primeiro trimestre. Recomendar o aborto no primeiro trimestre de gravidez a uma mulher que teve Zika é um perigo, porque pode ser que a criança não tenha se infectado. Isso a medicina só saberá mais tarde. São aspectos polêmicos que precisam ser melhor discutidos”, defende.

País tem uma história de epidemias

Desde a chegada dos portugueses, o Brasil enfrenta um quadro de doenças que atingem largos contingentes da população

O Brasil tem um histórico de epidemias. A primeira delas foi a varíola, em 1563. A partir daí, outras doenças advindas da Europa e da África desembarcaram no País, como malária, febre amarela, tuberculose e peste bubônica.

Em 1850, o Brasil foi atingido pela febre amarela. Por causa disso, criou-se a Junta Central de Saúde Pública, precursora do Ministério da Saúde. Na ocasião, chegou também ao país o conceito de medicina tropical.

Constantes e cada vez mais fortes, as epidemias afetaram as exportações. Quando isso ocorreu, as doenças se tornaram um problema do Estado. Os médicos concentraram suas pesquisas nas enfermidades prevalentes no trópico e foi inaugurada, em Salvador, a escola tropicalista baiana.

As epidemias grassavam no Rio de Janeiro, capital do País. A cidade vivia o pesadelo da febre amarela, da peste bubônica, da varíola e da tuberculose.

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A febre amarela no cotidiano carioca. Angelo Agostini,
Revista Illustrada, 9 de abril de 1886

Em 1895, em visita ao Brasil, o navio Lombardia, da Marinha italiana, teve a tripulação devastada pela febre amarela. Dos 340 tripulantes, 333 contraíram a doença e 234 morreram. O Rio passou a ser evitado pelas companhias de navegação, o que travou a exportação do café, uma das maiores fontes de divisas do país. Sem conseguir pagar sua dívida externa, o país enfrentou sérios problemas na balança comercial.

EPIDEMIAS E REVOLTA

No início do século passado, o então presidente da República Rodrigues Alves nomeou o cientista Oswaldo Cruz para dirigir a Diretoria de Saúde Pública. Cruz estagiara em Paris e estava familiarizado com os progressos da microbiologia decorrentes dos trabalhos de Louis Pasteur. O sanitarista recebeu carta- branca para sanear o País, sobretudo o Rio, e acabar com as epidemias.

Cruz adotou as campanhas sanitárias e o modelo bem-sucedido aplicado pelos médicos militares em Cuba. Atacou o mosquito, reduziu a febre amarela e debelou a peste bubônica, doença causada por um micróbio transmitido pela pulga de ratos. Mas, no combate à varíola, para a qual havia uma vacina francesa, enfrentou problemas. A vacinação forçada resultou, em novembro de 1904, na Revolta da Vacina. A entrada de agentes sanitários nas casas e boatos de envenenamento causado pelo medicamento deixaram a população em polvorosa. O resultado foram centenas de mortos e feridos.

Clementino Fraga acabou com a última grande epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro, em 1928, com a eliminação do mosquito. No início da década de 1940 chegou a vacina da febre amarela e, assim, com a vacina e o processo de eliminação do mosquito nas grandes cidades, o Brasil e outros países das Américas erradicaram a febre amarela nas áreas urbanas.

Só mais tarde, em 1955, o Brasil foi considerado livre do Aedes aegypti. A eliminação do mosquito foi o resultado de uma ação articulada da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial da Saúde, iniciada em 1947. As duas instituições decidiram coordenar a ação no continente por intermédio do Programa de Erradicação do Aedes aegypti no Hemisfério Oeste.

O Brasil participou intensamente da campanha e teve êxito na primeira eliminação do vetor. O último foco do mosquito foi extinto no dia 2 de abril de 1955, na zona rural do município de Santa Terezinha, na Bahia. Em 1958, o País foi considerado livre do vetor pela Organização Mundial da Saúde. A erradicação, no entanto, não se deu na totalidade dos países das Américas. O mosquito permaneceu na Venezuela, no sul dos Estados Unidos, na Guiana, México, Suriname e na região do Caribe e acabou reaparecendo nos países da América do Sul.

 
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