2009 . Ano 6 . Edição 51 - 07/06/2009
Camila Saraiva
Embora a população brasileira sustente o sonho da casa própria, até hoje, uma minoria obteve acesso ao financiamento público para sua aquisição. Nas cidades brasileiras predomina a autoconstrução da moradia - em áreas desprovidas de bens coletivos urbanos e, portanto mais baratas - como alternativa viável à população de baixa renda.
Em matéria publicada, em março deste ano, no Le Monde Diplomatique Brasil, Raquel Rolnik e Kazuo Nakano constataram que dos empréstimos concedidos com recursos do FGTS em 2007, 61% foram para famílias com renda mensal entre zero e três salários mínimos, sendo que deste montante, metade destinou-se à compra de materiais de construção.
Além da dificuldade em fazer valer o seu direito à cidade, e não obstante o direito à moradia estar garantido pela Constituição Brasileira e pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), a população que autoconstrói sua moradia, acaba tendo problemas antes e depois de concluída a construção, tais como desperdício de material, edificações estruturalmente frágeis e inseguras e condições inadequadas de conforto ambiental (temperatura, luminosidade, ventilação e acústica).
Diante desse quadro, merece destaque a Lei 11.888, de 24 de dezembro de 2008, que assegura às famílias com renda até três salários mínimos, a assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Esta lei federal, que pouco tem sido divulgada pelos meios não especializados, entrará em vigor em julho próximo.
A lei objetiva a otimização e qualificação do uso e do aproveitamento racional do espaço edificado e de seu entorno, bem como dos recursos humanos, técnicos e econômicos empregados no projeto e na construção da habitação; a formalização do processo de edificação, reforma ou ampliação da habitação perante o poder público municipal e outros órgãos públicos; o impedimento da ocupação de áreas de risco e de interesse ambiental e o respeito à legislação urbanística e ambiental.
Os recursos financeiros deverão ser garantidos pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Nesse sentido, a lei, em discussão, acresce conteúdo à Lei 11.124/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), ao assegurar que os programas de habitação de interesse social beneficiados com recursos do FNHIS envolvam a assistência técnica gratuita nas áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia. Os serviços de assistência técnica poderão ainda ser custeados por recursos públicos orçamentários ou por recursos privados.
A assistência técnica poderá ser oferecida diretamente às famílias ou às cooperativas, associações de moradores ou outros grupos organizados que as representem. Destaque-se, no entanto, que municípios e Estados, na condição de agentes executores de programas e ações federais terão um grande papel a desempenhar na implementação da assistência técnica.
Os profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia encarregados de prestar assistência técnica poderão ser servidores públicos; integrantes de equipes de organizações não-governamentais sem fins lucrativos; profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária; profissionais autônomos ou integrantes de equipes de pessoas jurídicas, previamente credenciados, selecionados e contratados pela União, Estado, Distrito Federal ou município. A capacitação dos profissionais, aliás, é uma das novas demandas trazidas pela nova lei. Na medida que esta estabelece a obrigatoriedade da assistência técnica para a população de baixa renda, cria a necessidade de uma adequada qualificação profissional de arquitetos e engenheiros para a projeção e construção da habitação de interesse social.
De fato, a lei institucionaliza a prática de assistência técnica que, de distintas maneiras, já existe em alguns municípios e que mais recentemente foi incorporada a alguns programas geridos pelo Ministério das Cidades, como o Crédito Solidário e Habitação de Interesse Social.
Sem dúvida, trata-se de uma conquista na direção da moradia digna. Contudo, alguns desafios podem ser elencados com relação à aplicação da nova lei. A seleção dos beneficiários finais dos serviços de assistência técnica e o atendimento direto a eles devem ocorrer por meio de sistemas de atendimento implantados por órgãos colegiados municipais, o que pode significar que municípios onde exista baixa capacidade institucional e organização insuficiente da sociedade civil terão dificuldade de acessar os recursos. Além disso, o montante de recursos destinados à assistência técnica tenderá a ser escasso caso dependa exclusivamente de repasses do FNHIS, no caso de os municípios e Estados não se apropriarem da nova lei.
Camila Saraiva, é arquiteta e urbanista, mestre em Planejamento Urbano e Regional.
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