2009 . Ano 6 . Edição 53 - 3/08/2009
Léo Heller
A discussão sobre a pesquisa no campo do saneamento básico no Brasil tem sido relativamente incipiente. Os pesquisadores discutem, em geral, os temas, sua relevância, sua pertinência e abordagens metodológicas. A visão, em maior amplitude e com mais distanciamento, sobre a direção e o sentido dessa pesquisa e sobre possíveis prioridades nacionais em ciência e tecnologia na área, que inclusive possam subsidiar políticas setoriais, têm sido, no entanto, pouco frequentes. Tal enfoque permitiria vislumbrar a pesquisa e a função social do setor, bem como situá-la na sua atual moldura regulatória, legal e institucional. Evidentemente, cabe não apenas colocar um olhar sobre o estágio tecnológico nacional e suas demandas presentes e futuras, como também sintonizálo com as tendências internacionais, sob o risco de uma miopia xenófoba na discussão.
No debate, deve-se assumir que o tema do saneamento básico é envolvido em uma teia de complexidade, com múltiplos tentáculos. Tema cativo do campo da engenharia, ou da engenharia sanitária, ao se enxergar o saneamento básico a partir dos seus fins - e não exclusivamente dos meios necessários para atingir os objetivos almejados -, abre-se um leque de necessárias abordagens disciplinares, abrangendo um importante conjunto de áreas de conhecimento, desde as ciências humanas até as ciências da saúde, obviamente transitando pelas tecnologias e pelas ciências sociais aplicadas. Se o objeto saneamento básico encontra-se na interseção entre o ambiente, o ser humano e as técnicas, podem ser facilmente traçados distintos percursos multidisciplinares, potencialmente enriquecedores para a sua compreensão.
Avaliando-se uma amostra de teses de doutorado defendidas em três programas de pós-graduação brasileiros, que têm como motivação específica o tema do saneamento básico e em geral com forte visão tecnológica, podem-se observar algumas tendências. Por um lado, verifica-se baixa participação de temas que apontam para mudanças paradigmáticas e número não muito significativo de temas que se localizam na fronteira do conhecimento. Em geral, predominam abordagens relacionadas às técnicas e à solução de problemas tecnológicos, com baixa incursão por temas relacionados à sua relação com a sociedade, com as políticas públicas, com os modelos de prestação de serviços e com a interface setorial, embora deva se reconhecer que o concurso de diversas áreas de conhecimento, como a biologia e as ciências exatas, esteja presente.
Mesmo se compreendendo que a pesquisa, básica ou aplicada, deve se constituir em um espaço de liberdade e criatividade, a partir de onde novas perspectivas possam emergir, elementos norteadores, em uma política de ciência e tecnologia na área, seriam essenciais para uma consistente e convergente direção. Tem-se convicção de que a pesquisa e o desenvolvimento na área de saneamento básico, particularmente em um país com a nossa realidade, estarão tanto mais contribuindo para o desenvolvimento nacional, quanto mais atentos estiverem com o estágio tecnológico do setor e suas necessidades, face às demandas presentes e futuras do atendimento à população. Sem qualquer esforço sistematizado de prospecção, não seria leviano destacar que se encontram importantes lacunas de conhecimento na área, por exemplo, para mais efetivamente subsidiar decisões sobre intervenções; apoiar medidas de controle, como o de endemias e de situações epidêmicas; contribuir para o planejamento; avaliar políticas, programas, estratégias de participação e modelos de gestão.
Uma observação, mesmo que ligeira, do perfil da pesquisa na área sugere a necessidade de uma mais aprofundada avaliação de suas motivações e tendências. Sobretudo a partir do atual marco legal do setor, em especial com referência nas leis dos consórcios públicos (11.107/2005) e das diretrizes nacionais para o saneamento básico (11.445/2007), parece pertinente pensar-se em uma avaliação de fôlego, indagando-se se o acúmulo de pesquisas desenvolvidas tem sido capaz de iluminar o planejamento do setor, a avaliação de suas políticas e programas e mesmo a compreensão do desempenho das técnicas. Ou seja, se a pesquisa na área é atualmente apoiada por um razoável número de iniciativas e programas, de caráter induzido ou não, o somatório de tais esforços não conduz a uma direção intencional. O conjunto de iniciativas e programas não pode ser considerado uma política de investigação na área, política esta premente, dada a essencialidade do setor e a reconhecida necessidade de a pesquisa científica e tecnológica contribuírem para a superação das perversas carências populacionais exibidas.
Por fim, deve-se destacar a necessidade de ampliação das abordagens, incorporando-se, aos tradicionais métodos de investigação na área, novas formas de observar e interpretar a realidade. Repetindo Morin: "A palavra método deve ser concebida em seu sentido original, e não em seu sentido na perspectiva clássica, em que o método não é mais do que um corpus de receitas, de aplicações quase mecânicas. O método, para ser estabelecido, necessita de estratégia, iniciativa, invenção, arte. Estabelecese uma relação recorrente entre método e teoria. O método, gerado pela teoria, a regenera."
Léo Heller é professor associado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, editor nacional da Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, pesquisador do CNPq e membro do Comitê de Assessoramento em Ciências Ambientais do CNPq.
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