2009 . Ano 7 . Edição 56 - 10/12/2009
Maria Aparecida Abreu
O Brasil não apresenta bons índices de participação das mulheres em cargos políticos representativos. Segundo dados apresentados no Encontro de Mulheres Parlamentares: "Por uma Agenda Política para a Igualdade de Gênero na América Latina e Caribe", realizado em Madri em junho deste ano, a média regional está em 20,7%. Os países com maior representação de mulheres são Cuba (49,2%), Argentina (40%) e Costa Rica (36,8%), enquanto os índices mais baixos são observados na Colômbia (8,4%), Brasil (9%) e Guatemala (12%).
Essa subrepresentação de mulheres no Congresso brasileiro faz do debate sobre a questão das cotas tema recorrente, trazendo consigo algumas perguntas básicas: o que justifica as cotas? É desejável que tenhamos mais mulheres no Congresso e na política de um modo geral? Mulheres representam os interesses das mulheres melhor do que os homens?
Na literatura internacional tem certa força a ideia de que, do ponto de vista teórico, não há nada que garanta que mulheres defendam melhor os interesses das mulheres. O que subsistiria nessa hipótese como argumento pró-cotas é o aspecto positivo da presença das mulheres no espaço público: o fato de haver mais mulheres ocupando cargos políticos e, sobretudo, representativos, faria com que a comunidade política se familiarizasse com a presença feminina e, com isso, tornasse a circulação das mulheres nos meios políticos algo ordinário e não um desafio diário para aquelas que escolhem ocuparem os espaços políticos. Se levarmos a sério este último fator, o aumento da participação feminina nos cargos representativos seria algo de interesse não somente das mulheres, mas de todos. No entanto, se a participação feminina é algo que diz respeito à liberdade das mulheres de escolherem seus destinos, este é um tema que lhes interessa mais do que aos homens.
O relatório da pesquisa Como parlamentares pensam os direitos das mulheres? - Pesquisa na legislatura 2007-2010 do Congresso Nacional, realizada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) contribui de forma significativa nesse debate, situando-o no cenário nacional e reforçando algumas razões para a defesa de maior participação das mulheres na política. A pesquisa, feita periodicamente desde a legislatura 1991-1994 pelo instituto, mostra informações sobre os parlamentares e suas opiniões. A pesquisa revela que enquanto 82% dos homens são casados, apenas 56% das mulheres o são; e, enquanto 22% das mulheres não têm filhos, 5% dos homens não os têm. Esses dados corroboram a situação clássica já apontada no debate feminista de que um dos obstáculos enfrentados pela mulher no trabalho é a necessidade de conciliar sua vida profissional com o trabalho doméstico.
Em relação à posição dos parlamentares nos temas considerados de interesse do público feminino, a situação não é muito favorável às mulheres. Em relação ao aborto, embora a legislatura de 2007-2010 tenha apresentado algum avanço favorável às mulheres, 47% dos parlamentares se demonstraram favoráveis ao projeto de lei que cria um cadastro obrigatório de gestantes, o que possibilitaria um maior controle da prática de aborto, e 70%, contrários ao aborto solicitado pela mulher. Isso parece acrescentar, no cenário brasileiro, alguns matizes sobre as constatações teóricas relatadas neste artigo. Se é verdade que, do ponto de vista teórico, não há nada que demonstre que mulheres representem melhor seus interesses do que os homens, o que o relatório indica é que um Congresso com quase 92% de homens não parece representar bem os interesses das mulheres.
Outro dado apresentado pelo relatório: os parlamentares homens são menos informados sobre as políticas destinadas à proteção dos direitos das mulheres, o que, se por si só não é condição suficiente para demonstrar a má representação por eles exercida, no mínimo aponta para um ponto fraco em requisito importante para uma boa representação, que é a informação acerca de temas do interesse dos representados. Perguntados sobre o conhecimento do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, 39% dos homens responderam conhecê-lo, enquanto 81% das mulheres responderam sim à mesma pergunta.
Há situações indicadas pelo relatório que podem ser mais bem investigadas, como, por exemplo, até onde os parlamentares estariam dispostos a ir para uma maior igualdade entre homens e mulheres na representação política. Apenas 30,6% concordam com punir os partidos que não alcancem o mínimo de 30% de candidaturas femininas, mas 59,6% manifestaram concordância em destinar parte dos fundos partidários para promover a participação política feminina. No entanto, o sentido dos resultados do relatório parece inequívoco: a equidade entre homens e mulheres na representação política é um processo cujos passos são limitados pela própria pouca presença das mulheres no espaço político e que só poderão ser mais largos havendo mais e mais mulheres representantes.
Maria Aparecida Abreu é técnica de planejamento e pesquisa do Ipea
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