2009 . Ano 7 . Edição 56 - 10/12/2009
José Celso Cardoso Júnior
Iniciamos a Em tempos como o que estávamos vivendo, de largo predomínio das ideias de mundialização sem fronteiras da economia (sobretudo a financeira) e de crescente questionamento em relação à operatividade (em termos de efetividade e eficácia) dos sistemas democráticos de representação, tornou-se crucial voltar a discutir o tema da natureza, alcances e limites do Estado, do planejamento e das políticas públicas no capitalismo brasileiro contemporâneo.
Esse tema tornou-se particularmente relevante agora, uma vez passada a avalanche neoliberal das décadas de 1980 e 1990 e suas crenças ingênuas acerca de concepção minimalista de Estado. Diante do malogro do projeto macroeconômico liberal (baixas e instáveis taxas de crescimento) e suas consequências negativas nos planos social e político (aumento das desigualdades e da pobreza, e o enfraquecimento dos mecanismos democráticos), evidencia-se já nesta primeira década do novo século certa mudança de opinião a respeito das novas atribuições dos Estados nacionais.
Em Brasil em Desenvolvimento: Estado, Planejamento e Políticas Públicas, documento institucional do Ipea produzido em 2009 com vistas a promover e refletir um balanço crítico acerca do papel e limites da atuação do Estado brasileiro sobre o desenvolvimento do País, constatamse duas ordens importantes de conclusões.
No plano dos avanços nacionais, destaquese a ampliação e a complexificação da atuação estatal - por meio de seu arco de políticas públicas - sobre dimensões cruciais da vida social e econômica do País. Especialmente interessante é constatar a relativa rapidez (em termos histórico- comparativos) com que processos de natureza contínua, cumulativa e coletiva - de aparelhamento e sofisticação institucional do Estado - tem se dado no País. Grosso modo, desde que instaurado no Brasil o seu processo lento de redemocratização na década de 1980, tem-se observado - não sem embates e tensões políticas e ideológicas de vários níveis - um movimento praticamente permanente de amadurecimento institucional no interior do Estado. Hoje, o Estado brasileiro possui recursos fiscais, humanos, tecnológicos e logísticos não desprezíveis para estruturar e implementar políticas em âmbitos amplos da economia e da sociedade nacionais. É claro que, por outro lado, restam ainda inúmeras questões e problemas a enfrentar, estes também de dimensões não desprezíveis.
Coloca-se, então, a segunda ordem de conclusões gerais do estudo: prioritária e estrategicamente, trata-se de mobilizar esforços de compreensão e de atuação em torno, linhas gerais, de três conjuntos de desafios, a saber: qualidade dos bens e serviços públicos disponibilizados à sociedade, equacionamento dos esquemas de financiamento tributário para diversas políticas públicas de orientação federal, aperfeiçoamentos institucionais-legais no espectro amplo da gestão e execução das diversas políticas públicas em ação pelo País.
Com relação à qualidade dos bens e serviços ofertados à sociedade, é patente e antiga a baixa qualidade geral dos mesmos, e a despeito do movimento relativamente rápido de ampliação da cobertura em vários casos (veja, por exemplo, as áreas de saúde, educação, previdência e assistência social, etc), nada justifica o adiamento dessa agenda da melhoria da qualidade com vistas à própria legitimação política e preservação social das conquistas obtidas até agora. A agenda da qualidade, por sua vez, guarda estreita relação com as duas outras mencionadas acima, as dimensões do financiamento e da gestão.
No caso do financiamento, é preciso enfrentar tanto a questão dos montantes a disponibilizar para determinadas políticas (ainda claramente insuficientes em vários casos), como a difícil questão da relação entre arrecadação tributária e gastos públicos, vale dizer, do perfil específico de financiamento que liga os circuitos de arrecadação aos gastos em cada caso concreto de política pública. Há já muitas evidências empíricas (e justificação teórica) acerca dos malefícios que estruturas tributárias altamente regressivas trazem para o resultado final das políticas públicas. Em outras palavras: o impacto agregado das mesmas (quando considerado em termos dos objetivos que pretendem alcançar) tem sido negativamente compensado, no Brasil, pelo perfil regressivo da arrecadação, que tem penalizado proporcionalmente mais os pobres que os ricos. Se essa situação não mudar, rumo a uma estrutura tributária mais progressiva em termos tanto dos fluxos de renda como dos estoques de riquezas patrimoniais (físicas e financeiras) existentes no País, dificilmente haverá, por exemplo, espaço adicional robusto para a redução das desigualdades econômicas, sociais e regionais que clamam há tempos por soluções mais rápidas e eficazes.
Por fim, no caso da gestão, trata-se não só de promover aperfeiçoamentos legais relativos aos diversos marcos institucionais que regulam a operacionalização cotidiana das políticas públicas, como também de estimular e difundir novas técnicas, instrumentos e práticas de gestão e de implementação de políticas, programas e ações governamentais. Em ambos os casos, salienta-se a necessidade de se buscar um equilíbrio maior entre os mecanismos de controle das políticas e dos gastos públicos, de um lado, e os mecanismos propriamente ditos de gestão e implementação das mesmas, de outro.
José Celso Cardoso Júnior é diretor de Estudos do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea
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