2010 . Ano 7 . Edição 58 - 26/02/2010
José Ribeiro
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) vem desenvolvendo, desde 1999, o conceito de trabalho decente como síntese do seu mandato histórico de promoção dos direitos no trabalho, de mais e melhores oportunidades de emprego produtivo para homens e mulheres, extensão da proteção social e fortalecimento do diálogo social. Em dezembro de 2009 o Escritório da OIT no Brasil publicou o Relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil, que fez parte de uma iniciativa piloto desenvolvida pela OIT para aplicar uma metodologia voltada para o monitoramento e avaliação do progresso no trabalho decente. Os indicadores cobrem dez áreas temáticas, variando desde oportunidades de emprego, jornada de trabalho e conciliação entre o trabalho, vida pessoal e familiar, até diálogo social, além do contexto econômico e social. Os indicadores definidos incluem ainda informação qualitativa sobre direitos do trabalho.
O Brasil registrou avanços significativos em diversas áreas da agenda do trabalho decente entre 1992 e 2007. Foi mantida a trajetória de crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, que evoluiu de 56,7% para 64,0%, correspondente a uma expansão de sete pontos percentuais em 15 anos. O nível de ocupação voltou a crescer durante a década de 2000 (de 66,3% para 68,6% entre 2003 e 2008), após o declínio experimentado durante os anos 1990. A retomada de um ritmo mais elevado e consistente de crescimento econômico, aliada a uma maior elasticidade produto-emprego, após 2003, repercutiu direta e positivamente no mercado de trabalho e a taxa de desemprego declinou sistematicamente, passando de 9,9% em 2003 para 8,3% em 2007. Acelerou- se o ritmo de expansão do emprego formal e, por conseguinte, a informalidade diminuiu. A taxa de formalidade aumentou de 43,9% para 49,5% entre 1999 e 2007.
Impulsionados pelo controle da inflação (a partir de 1994, com a implantação do Plano Real) e pelo aumento real do salário mínimo, sobretudo a partir de 2003, os níveis de rendimentos dos trabalhadores expandiram-se e contribuíram para a redução da pobreza e da desigualdade e melhoria geral das condições de vida da população. Entre 2003 e 2007, o rendimento médio mensal real do trabalho principal registrou uma expansão de 15%.
O trabalho infantil experimentou um significativo declínio. O número de crianças e adolescentes ocupados, entre 5 e 17 anos de idade, reduziu-se de 8,42 milhões (19,6% do total) para 4,85 milhões (10,8%) entre 1992 e 2007, significando uma diminuição de cerca de 3,57 milhões em números absolutos - o correspondente ao conjunto de toda a população do Uruguai. Ainda no âmbito do trabalho a ser abolido, cresceu exponencialmente o número de trabalhadores libertados de situações de trabalho forçado e/ou em condições análogas à escravidão. Entre 1995 e 2008 cerca de 33 mil pessoas foram libertadas de situações de trabalho forçado.
O aumento da formalidade fez crescer a proporção de pessoas ocupadas que contribuem para a previdência social - de 46,7% a 52,6% entre 1992 e 2007. Ampliou-se também a proporção de idosos (com 65 anos ou mais de idade) que fazem jus a uma aposentadoria ou pensão (de 80,7% para 85,4% entre 1992 e 2007). Entre 1992 e 2007 reduz-se o percentual de trabalhadores (de 25,7% para 20,3%) com jornada de trabalho superior a 48 horas semanais. Tratando-se da estabilidade no mercado de trabalho, observa-se um aumento na proporção (de 45,0% para 47,4%) daqueles trabalhadores com permanência no trabalho igual ou superior a cinco anos. Após experimentar declínio durante os anos 1990, a taxa de sindicalização voltou a crescer durante a década de 2000 - passando de 16,8% em 1999 para 18,1% em 2007. A partir de 2003, aumenta de forma significativa a proporção de acordos coletivos que asseguram reposições e aumentos reais de salários.
Mesmo diante da redução ainda perduram expressivas desigualdades de gênero e raça, que contribuem decisivamente para a persistência de significativos déficits de trabalho decente entre mulheres e negros. Em 2007, enquanto que a taxa de desemprego masculina era de 6,1% a feminina estava situada em 11,0%. Entre os trabalhadores brancos a taxa era de 7,3% ao passo em que entre os negros era de 9,3%. O crescimento da participação laboral das mulheres não vem sendo acompanhada de uma redefinição das relações de gênero no âmbito das responsabilidades domésticas, o que submete as trabalhadoras a uma dupla jornada de trabalho. Ao conjugarem-se as informações relativas às horas de trabalho dedicadas às tarefas domésticas com àquelas referentes à jornada exercida no trabalho remunerado, constata-se que, apesar da jornada semanal média das mulheres no mercado de trabalho ser inferior a dos homens (34,8 contra 42,7 horas), ao computar-se o trabalho de afazeres domésticos, a jornada média semanal total feminina alcançava 57,1 horas em 2007 e ultrapassava em quase cinco horas a masculina (52,3 horas).
O desemprego juvenil se elevou de 11,9% para 17,0% entre 1992 e 2007, após ter alcançado um pico de 19,4% em 2005. Também é inquietante a proporção de jovens que não estudam e nem trabalham (18,8% do total em 2007). Isso significa que praticamente um de cada cinco jovens brasileiros de 15 a 24 anos de idade encontrava-se nessa situação.
José Ribeiro é coordenador Nacional do Projeto Monitorando e Avaliando o Progresso no Trabalho Decente (MAP), do Escritório da OIT no Brasil. O autor agradece as sugestões de Janine Berg - especialista de emprego da OIT e co-autora do Relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil
|