2010 . Ano 7 . Edição 60 - 28/05/2010
Natália de Oliveira Fontoura e Luana Simões Pinheiro
A pesar do que freqüentemente se propaga, os últimos anos têm assistido a uma redução do fenômeno da gravidez na adolescência no Brasil. A proporção de adolescentes de 15 a 19 anos com filho caiu de 12,6% para 10,7% entre 1996 e 2007 (dados da Pnad). A gravidez na adolescência é mais comum entre as jovens pertencentes aos estratos de renda mais baixos: 44,2% das meninas de 15 a 19 anos com filhos pertencem à faixa de renda média familiar per capita de até 1/2 salário mínimo (SM) - que concentra 26,7% das adolescentes nesta faixa de idade. Dito de outro modo, quase 18% das adolescentes do estrato de renda mais baixo são mães, enquanto no estrato de renda acima de cinco SMs esta proporção não chega a 1%. Contudo, é preciso ter em mente que a gravidez na adolescência não pode ser interpretada da mesma maneira para jovens inseridos/as em diferentes contextos sociais.
Nesse sentido, é preciso considerar que a gravidez nem sempre é indesejada. Pelo contrário, pesquisas qualitativas apontam que muitas vezes tanto a moça quanto o rapaz planejam a gravidez, ou, pelo menos, não se esforçam muito para evitá-la e ficam contentes quando é confirmada. Esses estudos apontam que a opção por ser mãe na adolescência, especialmente entre meninas de classes mais baixas, pode estar relacionada a um projeto de vida pessoal. A adolescente busca construir sua identidade e sentir-se mais adulta, mais mulher e com mais poder tendo seu próprio filho. O projeto de vida profissional, neste caso, pode dar lugar a outro projeto, o de construir uma família ou, pelo contrário, o fato de ter um filho pode reforçar o plano de seguir estudando e buscar ascender socialmente. No caso dos meninos, os estudos apontam que a paternidade está frequentemente relacionada a tornar-se adulto, assumir responsabilidade, de fato "virar homem".
Para as jovens, em geral o abandono escolar torna-se inevitável. Das meninas com idade entre 10 e 17 anos sem filhos, somente 6,1% não estudavam (Pnad 2007); já entre as meninas com filhos, esta proporção chega a impressionantes 75,7%, sendo que 57,8% das meninas com filhos não estudavam nem trabalhavam, o que evidencia as dificuldades encontradas para engajar-se em alguma atividade fora de casa com um filho pequeno para cuidar
É preciso ter em mente que o fato de as jovens mais pobres engravidarem e terem filhos em maiores proporções que as jovens mais ricas não pode ser explicado somente em termos de opções distintas de vida, sem que se considerem todo o contexto de vida e as oportunidades apresentadas a estas jovens. A maternidade, neste sentido, pode não se constituir em uma opção de fato, mas, ao contrário, pode ser fruto da ausência de opções e da dificuldade de forjar um projeto de vida para além de ser mãe de família.
Nesse sentido, é possível dizer que existe de fato um problema para as políticas públicas. Diante das contradições existentes e da profusão de preconceitos e estereótipos que surgem quando o tema da gravidez na adolescência é tratado, é preciso encarar a questão do ponto de vista das opções apresentadas aos jovens e de suas escolhas. Se, de certa forma, a escolha de uma jovem em ser mãe não pode ser de antemão criticada, de outra, é fundamental que alternativas sejam apresentadas a esta jovem ao longo de sua vida, de modo que a maternidade não represente a única forma de autoafirmação e construção da identidade. Assim, o fato de a maior parte dos jovens que se tornam pais ter abandonado os estudos parece evidenciar um contexto em que não há perspectiva de continuidade da qualificação visando a melhores inserções profissionais, não há mais vínculos com a escola, isto é, um contexto no qual as opções de construção de uma carreira ou de um caminho para o reconhecimento social pela via profissional são bastante reduzidas.
Por fim, pode-se destacar que o debate da gravidez na adolescência implica também analisar as convenções de gênero existentes em nossa sociedade. No caso da paternidade e da maternidade, as tradicionais convenções de gênero reforçam-se na responsabilidade atribuída ao pai de prover seu filho - e a consequente necessidade de trabalhar e ter renda - e a responsabilidade exclusiva da mãe pelos cuidados cotidianos.
A desconstrução de preconceitos e estereótipos em torno da gravidez na adolescência significa pensar as relações de gênero em um contexto mais amplo de reflexão sobre a vivência da sexualidade na juventude. Contudo, isto deve ocorrer a partir de uma perspectiva renovada, que substitua o olhar moralizante, culpabilizador e amedrontador sobre os jovens pela valorização de seus direitos, entre eles os direitos sexuais e os direitos reprodutivos.
O desafio para o poder público é oferecer políticas eficazes com vistas a evitar gestações indesejadas e conscientizar os adolescentes acerca da importância de vivenciar uma sexualidade saudável, de fazer escolhas consequentes, de prevenir doenças sexualmente transmissíveis, além de repensar os papéis de homens e mulheres e reconstruí-los de maneira mais igualitária.
Natália de Oliveira Fontoura,é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental em exercício no Ipea
Luana Simões Pinheiro é técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea em exercício na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
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