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Gastronomia - Patrimônio à mesa

2006. Ano 3 . Edição 26 - 1/9/2006

Feijoada, moqueca, acarajé e outros quitutes brasileiros são mais do que simples pratos típicos, são parte fundamental da nossa identidade. Só recentemente as autoridades passaram a dar atenção às receitas tradicionais de nossas avós. Finalmente elas começam a ser tratadas e protegidas como uma das expressões da cultura nacional, além de exploradas como poderoso instrumento de atração de turistas

Por Marina Nery, de Brasília

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A pizza evoca a Itália, o crepe é sinônimo da França e o hambúrguer é quase um berço esplêndido dos Estados Unidos. E quanto ao Brasil? Qual é seu principal símbolo gastronômico? E qual sua capacidade de mobilizar o mercado de trabalho, o turismo e a economia regional e nacional? Essa foi a principal discussão do 2º Congresso Brasileiro de Gastronomia, ocorrido em agosto, em Brasília. É inegável que o país avança nessa área, tanto que o primeiro museu de gastronomia da América Latina foi inaugurado na Bahia e o acarajé baiano obteve registro tal qual uma obra de arte tombada. Primeiro passo para que as receitas tradicionais de nossas avós comecem a ser tratadas como patrimônio nacional e, como tal, sejam protegidas.

O principal exemplo da ameaça global sobre a cultura local foi a guerra entre o croissant, um ícone da culinária francesa, e o Big Mac, um marco do estilo norteamericano. O orgulho francês transformou- se numa experiência reivindicatória e o McDonald's teve de incorporar o croissant em seus menus na França. Com esse mesmo raciocínio, a cidade de Bauru também já requisitou que o famoso sanduíche Bauru integre o cardápio da principal empresa de fast food internacional. " Subjacente ao conflito de culturas, existe uma dramática disputa de mercado, para o qual um sistema de proteção aos bens culturais tem de estar atento", avisa Joaquim Falcão, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas.

A identidade nacional no fast food
- O McDonald's da França tem croissants criados pelo chef patissier do Hotel George V, o mais tradicional e chique de Paris.
- Na China, há o Rice Burger, feito de arroz.
- Portugal tem há um ano um cardápio de sopas tradicionais portuguesas. São sete sopas diferentes na semana, uma por dia. O próximo lançamento, previsto para o mês que vem, é o caldo verde, com batata, azeite e chouriço, ingredientes tradicionais na culinária portuguesa.
- Nos Emirados Árabes, há o McArabia, com temperos e sabores da região.

O alerta do professor Falcão já foi ouvido e adotado pelo sociólogo Carlos Alberto Dória, ao dizer que "é necessário dar um basta ao colonialismo gastronômico". Para ele, é preciso olhar o Brasil, organizar o conhecimento culinário que ainda existe, difuso na sociedade, e encontrar formas de transmitir esse saber de modo sistemático para as gerações presentes e futuras. O Ministério da Cultura da França e outros órgãos técnicos já realizaram programas de recuperação dos pratos tradicionais fazendo workshops e patrocinando pesquisas e monografias. "No Brasil, infelizmente, a gastronomia nem sequer é considerada um tema da cultura. No Ministério da Cultura, há áreas bem estruturadas para investir em cinema, teatro, dança, música, literatura; mas não há nada sistematizado para culinária e gastronomia - que ficam entregues às regras do mercado", lamenta Dória. 

"No Brasil, infelizmente, a gastronomia nem sequer é considerada um tema da c u l t u ra . No Ministério da Cultura, não há nada sistematizado para culinária"

A comida tem uma função que vai muito além da simples alimentação. "Ela marca a identidade, o que a torna importante para o turismo", afirma Janine Colaço, doutoranda em Antropologia pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Curso Gastronomia como Produto Turístico, do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (UnB). No caso brasileiro, não seria apenas uma identidade, senão um leque variado de cores, aromas e sabores. "Cada região possui clima e geografia diferentes, e isso leva a uma culinária diversificada", destaca Jorge Monti, presidente da Associação Brasileira da Alta Gastronomia.

O que é patrimônio cultural imaterial?

São definidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, instrumentos, objetos, artefatos e lugares associados a comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos.

Bens imateriais registrados
Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES)
Ofício das Baianas de Acarajé (BA)

Registros em andamento
Sanduíche Bauru (SP)
Empada ou Empadão de Goiás (GO)

Existem muitas maneiras de conhecer a alma de um povo. Uma das mais fascinantes, sem dúvida, é a gastronomia. "A arte de combinar os ingredientes com os temperos, os rituais de preparar e servir, e o prazer do convívio à mesa, tudo se inscreve no universo mais amplo da herança cultural, esse inesgotável conjunto de valores que determinam nossa identidade", reconhece Paulo Solmucci, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A entidade acredita que, num país como o Brasil, de fabulosa diversidade, essa rica combinação entre gastronomia, cultura e patrimônio natural adquire uma importância imensa. Essa certeza faz com que a Abrasel coloque todo o empenho no sentido da valorização da gastronomia nacional como uma alavanca para o desenvolvimento do turismo.

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"A gastronomia define nossa identidade tanto quanto os sons do samba, a arquitetura barroca ou a modernista", lembra o sociólogo Carlos Alberto Dória. Daí a necessidade de proteger esse patrimônio. Em termos técnicos, o patrimônio que contempla o saber e o fazer relacionados à comida é denominado imaterial. A expressão, a rigor, não é nenhuma novidade. Ela consta no texto da Constituição Federal aprovado em 1988. Seu Artigo n. º 216 estabelece:"Patrimônio cultural constitui-se dos bens de natureza material e imaterial, tombados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira".

O sistema de proteção ao patrimônio imaterial é comum em vários países de culturas diversas, como Coréia, França e Japão. Não basta definir conceitos e critérios, aprovar uma lei, criar e institucionalizar um sistema nacional de proteção do patrimônio imaterial. É preciso ir mais além. Os conceitos têm de ser operacionalizáveis, os critérios devem ser representativos, a lei tem de ser eficaz, e o sistema, permanente e poderoso. Quem está trabalhando para implantar toda essa metodologia é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que lançou, em julho de 2006, o Edital de Mapeamento e Documentação do Patrimônio Cultural Imaterial. Os projetos serão recebidos até 30 de outubro de 2006. O pedido precisa ter base coletiva, ou seja, deve ser solicitado por associações, secretarias estaduais e municipais de cultura ou organizações não-governamentais (ONGs). Entre os bens ligados à gastronomia, está em conclusão o processo de registro dos queijos artesanais de Minas Gerais e projeta- se para 2007 o inventário das comidas de milho.

Sobrevivência O Iphan não dá certificado de originalidade ou de origem. A intenção do órgão, com os registros e os inventários, é garantir que essas tradições, muitas vezes orais, não morram e possam ser recuperadas e pesquisadas futuramente. É um mercado de trabalho que se abre para antropólogos e historiadores, entre outros, que podem incrementar planos de salvaguarda dos bens culturais de natureza imaterial. Os bens são catalogados em quatro linhas principais, chamadas de livros. Aquele que registra os conhecimentos e os modos de fazer do cotidiano de comunidades tradicionais é o Livro dos Saberes. É nele que está armazenado o ritual culinário das baianas do acarajé, por exemplo. Esse quitute foi, ao lado do ofício das "paneleiras" de Goiabeiras e do samba-de-roda do Recôncavo Baiano, um dos primeiros bens culturais de natureza imaterial tombados no país pelo Iphan. As origens do prato, as tradições que seu fazer guardam, a oralidade ancestral na transmissão da receita, o ritual para servilo e degustá-lo, tudo isso fazem do acarajé, sim, um bem cultural, digno de seu reconhecimento e sua preservação.

gastronomia3_44Frutas tropicais, como o cajá (acima) e o açaí, emprestam seus sabores exóticos para receitas originais de sorvetes e sobremesas

Com pós-doutorado em História, o exreitor da Universidade Federal do Paraná (UFPr) Carlos Roberto Antunes dos Santos, autor de Por uma História da Alimentação, tem dedicado boa parte de sua vida acadêmica ao tema. "Os alimentos são atitudes ligadas a usos, costumes, protocolos, condutas e situações. Nenhum alimento que entra em nossa boca é neutro, tudo tem história. A historicidade da sensibilidade gastronômica explica e é explicada pelas manifestações culturais e sociais, como espelho de uma época. A cozinha é um microcosmo da sociedade. " Segundo ele, "a história da alimentação mostra que o que se come é tão importante como quanto e onde se come, quando se come, como se come e com quem se come". Maria Eunice Maciel, professora do Departamento de Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca ainda que os hábitos alimentares são parte do patrimônio cultural das populações. " O que é colocado no prato alimenta não só o corpo, mas um modo de viver", reforça.

O setor de alimentação fora do lar

- Representa hoje quase 1 milhão de empresas, entre bares, restaurantes, lanchonetes, padarias e empreendimentos de alimentação dentro de escolas e hospitais
- Emprega 6 milhões de pessoas
- Gera diretamente 2, 4% do PIB brasileiro
- Absorve 26% do total de gastos com alimentação do povo brasileiro
- No turismo, o segmento é responsável por
40% do PIB e por 53% da mão-de-obra empregada

"Temos o hábito de só considerar como patrimônio o que é chique ou o que vem dos ricos, e precisamos que chefs internacionais venham aqui e nos digam que nossa comida é fantástica. Estamos mudando essa realidade", destaca Ana Cláudia Lima, gerente de registro do Iphan e mestre em História. Realmente, por aqui a gastronomia ainda não alcançou papel de destaque entre as atrações nacionais. Além de muitos pratos não serem conhecidos pelos visitantes estrangeiros e até mesmo pelos brasileiros, falta incentivo aos empresários do setor para a divulgação e a oferta de comidas típicas nos restaurantes. O gerente de relações institucionais do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), coordenador da coleção A Formação da Culinária Brasileira, Arthur Bosisio, defende a elevação do setor ao status de patrimônio cultural e a criação de um grupo de trabalho, dentro do governo, para propor medidas e incentivos. Bosisio foi um dos participantes do debate "Temos uma culinária brasileira?", do XVIII Congresso Nacional da Abrasel.

"Pesquisas demonstram que a gastronomia é um dos produtos turísticos de maior procura", acrescenta o gerente do Senac. O modelo que ele sugere, com a transformação da gastronomia em patrimônio cultural, é similar ao adotado em Portugal. No país europeu, o turismo é responsável por 12% do Produto Interno Bruto (PIB), e 5% desse valor é resultado do consumo de alimentos e bebidas. Aqui no Brasil, as refeições dos viajantes também têm peso. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) vai divulgar neste mês os resultados finais de um levantamento a respeito. "Cerca de 12% do setor de alimentação está vinculado ao consumo efetuado por turistas, isso equivale a 116 mil empregos formais", informa Roberto Zamboni, responsável pelo estudo, que conta com o apoio da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur).

A típica cozinha do Itamaraty

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Caesar Park, hotel cinco estrelas à beira da famosa praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Cozinha totalmente internacional. Era década de 1980 quando o chef Zenivaldo de Almeida, um pernambucano, lançou a idéia:"E se fizéssemos uma feijoada para surpreender os gringos?"O prato fez sucesso no estabelecimento e continua até hoje como um dos carros-chefes da gastronomia do hotel. Depois de morar em Nova York, Paris e correr o mundo, encontramos Almeida, agora com 56 anos, no comando da cozinha do Palácio do Itamaraty, o cartão de boas-vindas do país às autoridades que chegam à capital federal.

Em fevereiro do ano passado, Almeida teve oportunidade de preparar novamente o prato típico, por ocasião da visita do príncipe de Astúrias, dom Felipe de Bourbon, e da princesa Letizia. A presença de Almeida tem contribuído para "abrasileirar" a mesa do Itamaraty, com moquecas, carne assada com baião-de-dois, bobó de camarão, arroz carreteiro, peixada de pirarucu, entre outros. Mas ele não tem dúvida ao apontar o prato mais difícil de fazer: o acarajé. "É um trabalho imenso descascar o feijão, manter o ponto certo da massa, modelar, rechear, ainda mais que aqui nós servimos miniacarajés em coquetéis para 200 pessoas", relata.

 

Atualmente, o setor de gastronomia é o segmento que tem maior participação no PIB do turismo - superando a hotelaria e o transporte. Mas ele não é forte apenas entre os visitantes. A alimentação fora do lar representa hoje quase 1 milhão de empresas, entre bares, restaurantes, lanchonetes, padarias e empreendimentos de alimentação dentro de escolas e hospitais. Ele emprega 6 milhões de pessoas. O setor é também grande promotor de inclusão social, ao empregar em larga escala minorias e, especialmente, mão-de-obra pouco qualificada. O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, informou que 52% da mão-de-obra de bares e restaurantes é representada por jovens na faixa etária entre 16 e 30 anos. "Nossos estabelecimentos são, na maioria das vezes, o primeiro emprego dessas pessoas. "

Sucesso No momento, o segmento de "alimentação fora do lar" corresponde a um quinto dos gastos das famílias brasileiras, mas a tendência é que aumente. Nos próximos 25 anos, esse percentual deverá subir para 40%, de acordo com o presidente da Abrasel. Em Brasília, devido às características diferenciadas da cidade, 37% das despesas da população estão relacionadas a refeições fora de casa.

Atualmente, o setor de gastronomia é o segmento que tem maior participação no PIB do turismo - superando a hotelaria e o transporte

Em outubro, será realizado no Rio de Janeiro um projeto da Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (FNHRBS), juntamente com a Organização Mundial do Turismo (OMT), que irá tratar a gastronomia regional como produto turístico e patrimônio cultural. "A OMT nunca fez um trabalho desse porte e jamais havia olhado para a gastronomia como realmente uma peça fundamental para o turismo", avalia Luiz Lenhart, presidente da FNHRBS. "O setor de bares e restaurantes já representa 40% do PIB do turismo e 53% do emprego", afirma Solmucci. Para ele, "está mais do que na hora de o Brasil exportar também as nossas receitas. E difundir a gastronomia brasileira em todo o mundo".

gastronomia5_44O ritual culinário do acarajé foi um dos primeiros bens culturais de natureza imaterial a ganhar registro

Não é apenas Solmucci que confia no sucesso do tempero brasileiro. O grande chef espanhol do momento - Ferran Adrià - costuma dizer que o futuro da gastronomia está em dois países: na China e no Brasil. Ele acredita que o mundo pode experimentar um novo ciclo de descobertas, só que, no lugar da nova geografia revelada no século XVI, seriam novos sabores que invadiriam e deslumbrariam as antigas metrópoles. "Nem nós, brasileiros, fazemos idéia exata desse potencial e, enquanto não se investir de maneira decidida nessa direção, domesticando espécies, como faz a Embrapa, por exemplo, explorando culinariamente as ervas, as frutas, os peixes, estaremos dormindo sobre um tesouro", acredita o sociólogo Carlos Alberto Dória. Um exemplo de como nós, brasileiros, não temos o olhar apurado para as potencialidades da nossa mesa são as palavras da baiana Rebeca Sousa Araújo. Com 18 anos de idade, ela está há oito meses em Brasília preparando acarajé para os fregueses do restaurante de sua irmã Rosa, proprietária do restaurante Acarajé da Rosa. "Não tem segredo, é só sal e cebola", diz, humildemente, com o sotaque soteropolitano característico. O ofício está tão entranhado em seu modo de ser que ela não consegue visualizar toda a cultura que faz parte do molho de suas iguarias.

 
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