Energia - A opção atômica |
2007 . Ano 4 . Edição 30 - 11/1/2007 Ameaça de racionamento energético e crise do gás boliviano trazem de volta o debate sobre o uso da energia nuclear. Ecologistas alertam sobre possíveis impactos ambientais, mas técnicos garantem que novas tecnologias são seguras. O Plano Nacional de Energia 2030, ainda em fase de elaboração, prevê a implementação de mais quatro usinas termonucleares, após Angra 3 Por Sucena Shkra da Resk, de São Paulo Os rejeitos nucleares de alta atividade são a principal preocupação dos ambientalistas Depois de passar algumas décadas no papel de vilã das fontes energéticas, a fusão nuclear volta a ocupar espaço nas diretrizes dos projetos de diversificação da matriz de energia elétrica brasileira anunciados pelo governo federal.A proposta divulgada no Plano Decenal de Energia Elétrica (2006- 2015), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME), prevê a possibilidade de funcionamento de Angra 3 em 2013, com a injeção de recursos, inicialmente, de 1, 8 bilhão de dólares.A usina, com capacidade de 1.350 MW, é uma pauta polêmica e tornou- se um grande problema de gestão para o país, desde 1975. A termonuclear já consumiu cerca de 750 milhões de dólares em equipamentos e, apesar de estar inativa, sua manutenção custa cerca de 20 milhões de dólares por ano. A aprovação ou não da implementação de Angra 3 está sob análise do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidido pelo ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, e pode vir a sofrer alterações de prazos quanto à operação na nova versão do plano decenal (2007-2016), de acordo com a assessoria de imprensa da EPE. A palavra final caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para que se tenha uma noção de como a política energética afeta a vida do país, o conselho predominantemente da esfera federal reúne um grupo de sete ministros, além de Rondeau:Luís Carlos Guedes Pinto (Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Dilma Roussef (Casa Civil), Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), Guido Mantega (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente) e Paulo Bernardo (Planejamento). Também participam um representante dos estados da federação, que atualmente é o secretário de Energia do Rio de Janeiro, Wagner Victer, e um representante das universidades, cujo titular é o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jérson Kelman.Somente a cadeira do conselheiro, que representaria o cidadão brasileiro especialista, está vazia porque os demais integrantes ainda não fizeram uma eleição para nomeá-lo.A decisão sobre a operação de Angra 3 dependerá de um quórum de metade mais um da atual composição. Entre os prós e os contras, as ressalvas maiores à implementação partem da ministra Marina Silva e de ambientalistas que questionam a viabilidade do projeto em relação à segurança dos rejeitos radioativos. O argumento da ministra é rebatido principalmente por Rondeau, Dilma Roussef e Sérgio Rezende. Eles garantem que houve evolução nos métodos de depósito do lixo atômico, que já não representa o perigo que foi no passado. O fato de o Brasil ter a sexta maior reserva de urânio, matéria-prima básica das usinas, em apenas 30% dos potenciais prospectados, pesa na projeção de expansão governamental, segundo Maurício Tolmasquin, presidente da EPE.Os primeiros colocados são Cazaquistão, Austrália, África do Sul, Estados Unidos e Canadá.Aliado a esse argumento está o recente domínio da tecnologia do ciclo completo do combustível enriquecido pelo Brasil (utilizado nos reatores nucleares no chamado processo de fissão nuclear), que numa estimativa aproximada de uma década poderá fazer com que o país fique independente do mercado externo para a produção energética. Cenário Atualmente, Angra 1 e Angra 2 abastecem cerca de 45% da demanda energética do estado do Rio de Janeiro, com capacidade total de 2, 007 mil MW.As fontes nucleares representam apenas 2, 1% das matrizes de geração no país (veja gráfico Fontes energéticas usadas no Brasil).Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que coordena o Sistema Interligado Nacional (SIN), em 2005 a fonte nuclear produziu 11, 58 mil GW, o que correspondeu a 32, 6% da geração térmica nacional. O Plano Nacional de Energia 2030, em fase de elaboração pela EPE, prevê ainda a implementação de, no mínimo, mais quatro usinas termonucleares, após Angra 3. Elas estariam divididas entre as regiões Sudeste e Nordeste, com capacidade de 1.000 MW cada uma. Nesse cenário, a matriz poderia ser ampliada de 2.007 MW para 7, 3 mil MW. Independentemente das projeções, a vocação hidrelétrica não deixará de prevalecer no país, devido ao potencial de recursos hídricos nacional. Segundo o MME, o predomínio da fonte hidráulica é da ordem de 76, 2%, seguida pela térmica (gás, diesel e carvão), que detém 21, 5% de um total de 96.504 MW de capacidade instalada em 2006.A estimativa de investimentos prevista pela EPE até 2015 é de 75 bilhões de reais, sendo 60 bilhões em hidrelétricas e 15 bilhões em unidades térmicas. A conclusão do estudo, entretanto, prevê que a diversificação das matrizes é inevitável, por causa da possibilidade de diméferentes cenários de variação do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos, o que interfere na relação oferta/demanda, além de fatores climáticos e de matéria-prima de abastecimento. A crise no abastecimento do gás nas termas também impulsiona a revisão do setor.Com isso, o investimento na fonte nuclear e nas renováveis (eólica, biomassa e pequenas hidrelétricas) integra a pauta do desenvolvimento da área energética. A estimativa da EPE é que o consumo de 373, 5 TWh (1 TWh = 1.000 GWh) em janeiro de 2006 seja quase o dobro em dezembro de 2015, chegando a 617, 7 TWh.A análise é feita sobre uma capacidade de geração de 93.728 MW e 134.667 MW, respectivamente, e uma estimativa populacional nos períodos de 182.507 e 204.418 habitantes. O risco de novos "apagões" em curto prazo, entre 2008 e 2009, como os que ocorreramno país em 2001, é mais uma preocupação na agenda energética.O sinal de alerta dispara quando o risco de insuficiência de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), que reúne produção e transmissão, for superior a 5% em cada um dos subsistemas implementados no país.Hoje, apenas a região Norte não integra o SIN, o que representa 3, 4% do sistema energético do país.O Plano Decenal também prevê a incorporação desse trecho nos próximos anos. Angra 3 já consumiu cerca de 750 milhões de dólares e, apesar de estar inativa, sua manutenção custa 20 milhões de dólares por ano Custos Nesse contexto, o custo-benefício de se agregar mais fontes nucleares divide opiniões, já que tem como precedente o complexo histórico das termonucleares. Angra 1, que tem capacidade de 657 MW, começou a ser construída em 1972, mas só entrou em funcionamento em escala comercial treze anos depois, em 1985. Angra 3, que tem a mesma capacidade de Angra 2, com 1, 35 mil MW, veio a tornar- se, posteriormente, um grande problema de equacionamento de gestão.As duas integraram o Acordo Nuclear Brasil- Alemanha, firmado em 1975, sendo que Angra 2 só começou a operar em 2000 e o funcionamento de Angra 3 não saiu do papel até hoje, mais de três décadas depois. Os processos de interrupção se avolumam no histórico da termonuclear.Em 1984, deu-se início à construção das instalações de Angra 3 e dois anos depois as obras foram paralisadas por falta de recursos. O governo federal adquiriu, ao custo expressivo de 750 milhões de dólares, a maior parte dos equipamentos importados, que até hoje são mantidos pela Eletronuclear. Já a estimativa de investimentos necessários para a conclusão da obra é 1, 8 bilhão de dólares. O físico Odair Dias Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), considera que a discussão está bem avançada."A proposta da retomada do investimento em energia nuclear contempla o desenvolvimento não só na área de produção de energia elétrica, mas também integra investimentos na área do ciclo de combustível, de aplicações médicas e industriais, na área de segurança e controle e na área de pesquisa e desenvolvimento. Obviamente sem mencionar a formação de pessoas necessárias a um projeto dessa monta", diz.De acordo com o especialista, a perspectiva é que a matriz energética nuclear represente 6% do total adotado no país, ou seja, mais 7 mil MW até 2015."Seriam mais seis usinas (duas a mais do que previsto inicialmente no Plano de Energia para 2030), fora Angra 3", estima. Fonte: MME Indústria O setor industrial, que representa a maior parcela de consumo elétrico no país - cerca de 47% - já se preocupa com o cenário de abastecimento até 2009 e apóia a diversificação da matriz energética, com a inclusão da fonte nuclear.O presidente da Comissão Permanente de Infra- Estrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e um dos vice-presidentes da instituição, José de Freitas Mascarenhas, aponta como problema a escassez de reservas, com as perspectivas de aumento de demanda nos próximos anos. "O quadro atual tem mostrado que há dificuldade para a ampliação da oferta hidrelétrica em curto prazo e do abastecimento das termoelétricas a gás. Por isso, não somos contrários a novos investimentos nas usinas nucleares.Hoje, há tecnologias mais seguras.Se outros países estão resolvendo a questão dos rejeitos, no Brasil também deve acontecer o mesmo", analisa. Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e também vice-presidente da CNI, define como medíocres os indicadores brasileiros de consumo e capacidade instalada."Correspondemà metade de Portugal. Por isso, é imprescindível o aproveitamento de todos os recursos disponíveis, incluindo o nuclear, para exorcizar definitivamente o fantasma de um novo e possível apagão", declara. De acordo com o empresário, nos últimos anos não houve o adequado planejamento da produção elétrica, com o estabelecimento de diretrizes governamentais e marcos regulatórios, o que gerou o desestímulo dos investimentos privados, nacionais e estrangeiros. Skaf cita como incentivo à retomada das termonucleares exemplos de planejamento para a expansão núcleo-elétrica em países desenvolvidos, como Japão e Estados Unidos, além de China e Índia.A experiência mais significativa, segundo ele, vem da França, que possui cerca de 80% de sua matriz energética nuclear. O Acordo para o Desenvolvimento de Cooperação Pacífica para a Energia Nuclear está em vigor desde julho de 2005, entre o Brasil e a França. "Considero importante destacar que, no valor de 1, 8 bilhão de dólares previsto para a conclusão de Angra 3, 1, 2 bilhão será gasto no mercado brasileiro, com encomendas de materiais, equipamentos, bens de capital e serviços, tão necessários à indústria e à engenharia nacionais", diz Skaf. Angra 1 e Angra 2 são as únicas usinas termonucleares em atividade no Brasil. Juntas, elas têm capacidade total de 2.007 MW A aprovação da implementação de Angra 3 e de outras usinas nucleares, no entanto, enfrenta questionamentos, principalmente de cunho ambiental, quanto a localização, destinação e armazenamento dos resíduos radioativos, além das cifras bilionárias de investimento.Uma liminar da Justiça Federal, em novembro de 2006, determinou a interrupção do processo de licenciamento ambiental da usina, que atendeu à ação civil pública movida pelo procurador da República André de Vasconcelos Dias.O argumento é que a Constituição Federal exige uma lei que determine o local da construção da usina (que fica no complexo de Angra 1 e Angra 2, no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro) por meio da aprovação do Congresso Nacional. O advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, da Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas (Abaa), concorda com a determinação, mas ressalta que considera a opção da energia atômica viável. Segundo o especialista, uma pastilha de urânio equivale a 96 vagões de carvão mineral (altamente poluente) e abastece uma cidade de porte médio por uma semana. "Mas para a implementação é necessário que haja esse processo de aprovação. A energia atômica é uma das opções viáveis, entretanto o risco de armazenamento dos rejeitos tem de ser avaliado pelo governo. Angra 1 funciona hoje como um no break para substituir as falhas de hidrelétricas. Já Angra 3 seria uma resposta ao risco do sistema hídrico no Sudeste, porque junto com Angra 2 teria capacidade de cerca de 3 mil MW", analisa.
Ambientalistas e especialistas no setor também fazem outras ressalvas quanto à implementação do empreendimento.Para Marcelo Furtado, diretor de Campanha do Greenpeace do Brasil, a instalação de Angra 3 é desnecessária, por ser uma tecnologia cara e de alto risco, e porque os rejeitos radioativos representam um problema no longo prazo."As usinas mais sofisticadas de quarta e quinta geração, que são mais eficientes, ainda estão em estudo no mundo e não existem em escala operacional", argumenta. Segundo Furtado, o país pode utilizar alternativas como pequenas centrais hidrelétricas e fontes como biomassa (principalmente oriunda do bagaço de cana-deaçúcar) e energia eólica."Há um discurso de que as matrizes renováveis são mais caras, mas não é verdade", afirma. Angra 1 e Angra 2 abastecem cerca de 45% da demanda energética do estado do Rio de Janeiro, mas fontes nucleares têm participação de apenas 2, 1% na matriz de geração Edson Kuramoto, atual diretor de comunicação e ex-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), defende que o valor proposto hoje para energia nuclear, na faixa de 138, 14 reais por MWh, é menor do que o exigido para as renováveis."A tarifa média prevista para a fonte eólica no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa), do MME, é a mais cara, entre 180, 18 e 204, 35 reais o MWh", diz.A ampliação da participação da energia nuclear nas matrizes brasileiras, de acordo com Kuramoto, será um incremento para melhorar o consumo per capita de energia no país, prevendo um crescimento da economia nos próximos anos. "Hoje no Brasil o consumo per capita é de 2, 018 mil KW/ano, enquanto em outros países da América Latina, como Venezuela e Chile, é de 3, 250 mil e 2, 789 mil KW/ano, respectivamente", compara. O físico Odair Dias Gonçalves, presidente da Cnen, rebate as críticas feitas por ambientalistas quanto ao risco de segurança da geração núcleo-elétrica."É uma das fontes mais seguras, senão a mais segura. Chernobyl, na Ucrânia (usina em que houve o maior acidente nuclear registrado na história em 1986), tinha uma concepção totalmente diferente das usinas PWR (movidas a água pressurizada), as mais usadas no Ocidente. Portanto, não pode ser objeto de comparação", diz. A análise é compartilhada por Kuramoto, da Aben."Em vinte anos de operação, Angra 1 e Angra 2 sempre trabalharam com total segurança e nunca registraram nenhum incidente que ameaçasse o meio ambiente ou a segurança dos moradores da região e trabalhadores da usina", afirma. Segundo o ex-presidente da Aben, durante os cinqüenta anos em que se utiliza a tecnologia PWR, só foi registrado um incidente na Usina Three Mile Island, nos Estados Unidos, o que resultou no fim de suas operações, mas sem ocasionar a liberação de radiação no meio ambiente. O pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen/Cnen) e físico nuclear Luís Antônio Albiac Terremoto explica que nas usinas de Angra 1 e Angra 2 o combustível nuclear irradiado é retirado do núcleo de cada reator e armazenado em uma piscina de estocagem a aproximadamente 15 metros de profundidade, localizada dentro do edifício da usina.A piscina, que é cheia com água, cujas propriedades físico-químicas são controladas, dispõe também de sistema de refrigeração como segurança.O processo de retirada do rejeito acontece a cada catorze meses, quando um terço dos elementos combustíveis do núcleo do reator tem de ser substituído, durante o reabastecimento da usina. O especialista relata que o armazenamento seguro do lixo atômico é um cuidado que deve ser tomado durante, pelo menos, trezentos anos."Esse problema ainda não foi total e completamente equacionado pela humanidade.O Brasil possui, desde o ano 2000, uma diretriz técnica e política definida para armazenamento de rejeitos radioativos com atividades média e baixa, mas ainda não a possui para rejeitos radioativos com atividade elevada, como os que são gerados por Angra 1 e Angra 2. E a vida útil de cada usina nuclear, em média, é 65 anos", diz.
Meio ambiente Quanto a outras conseqüências ambientais, Gonçalves, presidente da Cnen, destaca que as usinas nucleares não contribuem para o aumento do efeito estufa."Produzem apenas 4 gramas de CO2 por KWh gerado, ante 446 gramas produzidos por usinas a gás, 800 gramas por usinas a óleo e 998 gramas por usinas a carvão", compara.Ele também alega que, ao contrário das termonucleares, as hidrelétricas produzem metano, o que contribui para o aumento do efeito estufa, apesar de haver controvérsias sobre a extensão desse impacto. Além disso, Gonçalves destaca que as usinas atômicas ocupam menos espaço. "As usinas hidrelétricas requerem grandes áreas.Hoje, a maior parte das reservas hídricas está na região amazônica, que é também onde estão as maiores áreas de preservação ambiental e reservas indígenas, enquanto as centrais nucleares requerem pequenas áreas", compara. Waldir Mantovani, coordenador do Curso de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), lembra que questões geológicas também devem ser avaliadas para a implementação de Angra 3."Em Angra, há problemas geotécnicos por causa da instabilidade do terreno, o que chamamos de terra mole. Isso é algo que as instituições negam, e os especialistas ainda não são ouvidos a respeito.A tecnologia é boa, mas optar por seu funcionamento é um problema de peso, já que é um investimento caro.Os reservatórios para os resíduos têm de ser muito seguros e à prova de vazamentos", analisa.Para o diretor do Instituto de Física da USP, Alejandro Szanto de Toledo, é estratégico o envolvimento de todos os setores da sociedade para a retomada dos investimentos na energia nuclear brasileira."É preciso haver um debate mais amplo entre os segmentos de produção, engenharia, cientistas, universidades e usuários", afirma. O Plano Nacional de Energia prevê a entrada em funcionamento de Angra 3 (canteiro de obras acima) em 2013, instalada junto a Angra 1 e Angra 2 Na análise do físico José Goldemberg, secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, no entanto, o valor estimado de 1, 8 bilhão de dólares para a conclusão de Angra 3 poderia ser aplicado em obras inacabadas de hidrelétricas no país.Segundo ele, o principal entrave para a realização das construções está na concessão de licenciamento ambiental."O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não tem pessoal técnico suficiente para cobrir a demanda. A fonte nuclear, por sua vez, cria o problema dos resíduos radiativos.Mesmo que ela seja retomada, ainda vai demorar pelo menos sete anos para funcionar e não resolverá o problema de abastecimento de energia no país. Uma das saídas para contornar o problema é estimular o uso mais eficiente da energia, como em 2001, quando as pessoas trocaram as lâmpadas", diz. Hidrelétricas A capacidade produtiva nacional de usinas hidrelétricas está predominantemente instalada na bacia do rio Paraná (60%), seguida pelo rio São Francisco (16%) e pelo Tocantins (12%), de acordo com o Atlas de Energia Elétrica do Brasil, elaborado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).Até 2003, havia o registro de 517 centrais hidrelétricas no Brasil, sendo 378 de pequeno porte, o que corresponde a 98, 4% do total das unidades em funcionamento. As maiores centrais, que resultaram em impactos ambientais proporcionais à sua capacidade, são Itaipu (Brasil/Paraguai), Tucuruí (PA), Balbina (AM) e Sobradinho (BA).No último Plano Decenal de Energia Elétrica (2006-2015), os projetos de maior porte a serem implementados no setor, enenergia tre 2011 e 2013, são as hidrelétricas de Belo Monte, no rio Xingu (5, 5 mil MW), de Jirau (3, 3 mil MW) e de Santo Antônio (3, 1 mil MW), no rio Madeira, em Rondônia. O governo federal, desde novembro, já se articula para agilizar o processo de licenciamento das unidades para poder cumprir os prazos. A alternativa da energia nuclear também veio à tona por causa da crise de abastecimento de gás para as termelétricas depois da contenda que envolve o Gasoduto Brasil-Bolívia.Em maio deste ano, foi deflagrado o imbróglio internacional, quando o presidente boliviano Evo Morales nacionalizou a exploração de gás e petróleo no país. Um novo acordo ainda está em processo de negociação entre a Petrobras e os governos brasileiro e boliviano. A situação é preocupante, já que o Brasil tem dependência externa do gás no percentual de 45% e só tem explorado 4, 5% dos 6, 4 milhões de quilômetros quadrados de bacias sedimentares exploradas no país. O governo federal prevê que somente em 2009 a situação do setor melhorará, com o aumento da produção nacional de gás principalmente em Campos (RJ), no Espírito Santo e em Santos (SP)."A crise com a Bolívia mostrou que não podemos depender de combustíveis importados.A falta de gás está obrigando o país a utilizar usinas a diesel e óleo combustível, o que é um retrocesso ambiental e econômico.A energia gerada por essas usinas custa cerca de três vezes mais do que a das usinas a gás", diz Edson Kuramoto, ex-presidente da Aben. Segundo Nelson Siffert, chefe do Departamento de Energia Elétrica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estão sendo tomadas ações para contornar os problemas de abastecimento nos próximos anos."Das 85 usinas programadas no Plano Decenal, treze (4.296 MW) já foram aprovadas pelo BNDES. Em análise, estão outras que correspondem a 2.395 MW. Com esse quadro, a expectativa é ter 22% da programação equacionada até 2007, com obras em andamento", diz o especialista.Ele analisa positivamente a possibilidade de novos investimentos nas termonucleares, além dos projetos apoiados pelo Programa de Incentivo das Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), do MME, que desde 2003 dá ênfase a empreendimentos de pequenas hidrelétricas, de geração por biomassa e fonte eólica no país. Segundo Siffer, de 2003 a setembro de 2006, a instituição aprovou projetos de 36 centrais hidrelétricas com produção de 738 MW, dezessete de biomassa (521 MW) e cinco eólicas (208 MW)."O BNDES aguarda o curso das decisões sobre o tema pelo CNPE para futuramente alinhar suas ações nessa matriz. É preciso ter uma visão estratégica de longo prazo para a implementação de Angra 3, que já tem investimentos consolidados.O país tem capacidade tecnológica e humana no setor", considera. Projeções A ampliação das fontes nucleares prevista no Plano Decenal de Energia Elétrica (2006-2015) e no Plano Nacional de Energia 2030 elaborados pela EPE baseiam- se em diferentes cenários de projeção do Produto Interno Bruto (PIB) aliados a outros componentes de ordem climática e ambiental, de reservas naturais e de domínio de tecnologia. Nos quadros e projeções, são considerados para os próximos dez anos três diferentes crescimentos do PIB: 3, 2%, 4, 2% ou 5, 1%.Somente no cenário mais pessimista (3, 2%) seria descartada a implementação de Angra 3.Já o Plano Nacional de Energia com projeção até 2030 segue a variação de crescimento de 5, 1% (otimista) a 2, 2% (pessimista) no Brasil. O setor industrial se preocupa com uma possível crise de abastecimento elétrico e apóia a diversif icação da matriz com a inclusão da energia nuclear O cenário internacional contempla três possibilidades de projeções macroeconômicas. Um mundo multilateral, com soluções negociadas;outro formado por blocos econômicos, com a liderança dos Estados Unidos e da União Européia e reajuste via equilíbrio da economia norte-americana; ou então uma economia mundial de protecionismo, em que haveria maior participação dos blocos asiáticos, com divergências acentuadas.Nesse contexto, a projeção de crescimento da economia mundial seria, respectivamente, 3, 8%, 3, 0% e 2, 2%. Um dos principais argumentos governamentais para a retomada do Programa Nuclear Brasileiro, principalmente para fins energéticos, é o fato de o Brasil ter a sexta maior reserva mundial de urânio, com 309 mil toneladas, e já deter a tecnologia do urânio enriquecido, que abastece as usinas termonucleares.As maiores jazidas ficam em Itatiaia (CE) e Lagoa Real (BA). Enriquecimento A retomada da geração nuclear começou em maio deste ano, com a inauguração das duas primeiras unidades de enriquecimento de urânio das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), em Resende, no Rio de Janeiro.Elas funcionam numa escala semi-industrial, com tecnologia implementada pelo Centro Tecnológico da Marinha.Segundo o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, titular da pasta à qual a empresa está subordinada, deverão ser inauguradas mais oito unidades em quatro anos. Com essa retaguarda, pretende- se cobrir 60% das necessidades de recarga de Angra 1 e Angra 2. Somente em 2016 é estimada a cobertura total, incluindo Angra 3, caso esteja em funcionamento. "Com isso, o país deixará de gastar cerca de 16 milhões de dólares por ano, custo da contratação do serviço no exterior ", diz o diretor de comunicação e ex-presidente da Aben, Edson Kuramoto. Para entrar em funcinamento, como Angra 2 (acima), a usina de Angra 3 exigirá investimentos da ordem de 1, 8 bilhão de reais Furtado, do Greenpeace Brasil, questiona o interesse do país em ter o domínio do ciclo completo do enriquecimento do urânio."A grande pergunta que fica é se esse conhecimento não pode eventualmente ser utilizado para fins militares.Isso não é uma questão menor, já que o Brasil tem um projeto de submarino nuclear", diz ele. O governo brasileiro nega ter intenções bélicas no investimento e lembra que é signatário de vários tratados internacionais a respeito. Entre os mais importantes está o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, ao qual o país aderiu em 1998 e que tem a participação de cerca de 190 países.Em 1991, o Brasil já havia firmado com a Argentina o Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, que resultou na criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC).Três anos depois, consolidou a participação no Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe. Como se vê, a retomada da energia nuclear no Brasil é uma possibilidade a ser levada em consideração, apesar de que o país jamais deixará de lado a energia hidrelétrica como principal fonte. Porém, diversificar a matriz energética e fugir da dependência externa são duas metas a serem perseguidas, tanto do ponto de vista econômico como tecnológico.Por isso, não se pode desprezar as imensas reservas naturais de urânio, desde que se consiga garantir um funcionamento ambientalmente correto e um custo praticável para o Estado e para o consumidor. |