Economia - Pequenas, mas poderosas |
2007 . Ano 4 . Edição 31 - 5/2/2007 Inserida em um rol de medidas adotadas para impulsionar o desenvolvimento econômico do país, a lei que cuida de micro e pequenas empresas permite que um enorme contingente de empreendedores deixe a informalidade, invista em inovação e prospere. Empresariar continua a ser um desaf io, mas agora ficou um pouco mais fácil encará-lo. Batida a claquete, é preciso que todos entrem em ação Por Eliana Simonetti, de São Paulo
"E o movimento vai crescendo Vai aumentando em amplidão Sobem pregões vindos da praça Começa o povo a aparecer Quem quer comprar neste novo dia A alegria de viver?" O fortalecimento das micro e pequenas empresas contribui para o combate à pobreza, a redução da informalidad e a interiorização do desenvolvimento
O texto que serve de legenda à imagem de abertura desta reportagem é um trecho do poema "Um novo dia", de Vinicius de Moraes. Aparece aqui para dar o tom do que se trata nestas páginas:medidas tomadas pelo governo federal, nas últimas semanas, para animar a economia e fazer o Brasil crescer. Como se verá adiante, muitas das providências dizem respeito a impostos, burocracia, crédito. Há, entretanto, um sentido subjacente nos pacotes anunciados. Eles surtirão efeito desde que a sociedade se mobilize. De um lado, para garantir que as normas saiam do papel para a realidade e não se esvaiam com o tempo. De outro, para buscar sucesso em associações e organizações robustas, independentemente de atos ou benesses do poder público. Aos fatos. O setor produtivo recebeu uma injeção de dinheiro. Para que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 4, 5% em 2007, e a média fique em 5% entre 2008 e 2010, os governos abrirão mão de arrecadar algo entre 6 bilhões e 8 bilhões de reais, segundo cálculos do Ministério da Fazenda. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) envolve vários setores, inclui providências concretas e traça linhas de ação para o futuro. É a novidade mais abrangente da temporada (leia quadro Pé na tábua). Outra medida diz respeito às micro e pequenas empresas (MPE) - as que mais crescem e são responsáveis pelo maior volume de salários pagos entre as companhias brasileiras (leia quadro Cenário empresarial brasileiro). Poder e capilaridade explicam o fato de que seu fortalecimento contribua para o combate à pobreza, a redução da informalidade, a interiorização do desenvolvimento e o incremento da atividade produtiva como um todo. Estima-se que, hoje, as MPEs sejam 15 milhões e gerem 20% do PIB (leia quadro A força dos pequenos negócios n Brasil). Precisam ganhar massa muscular. Nas economias desenvolvidas, elas produzem, em média, 50% do PIB. Daí a importância da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, apelidada de Supersimples. Suas determinações afetam grande número de atividades e tributos. Facilitam o acesso ao crédito e as vendas para governos. Também incentivam o associativismo e induzem atividades informais à regularização. "Cada empreendedor deve buscar informações antes de decidir o melhor formato a ser adotado em seu negócio, pois há inúmeras variáveis a considerar", recomenda Paulo Lauro, tributarista do escritório Tess Advogados, de São Paulo. Mas, de maneira geral, como diz a advogada Lúcia Azevedo, do mesmo escritório, "a lei beneficia um grande número de empresários e traz a esperança de um modelo futuro em que os negócios possam se concretizar e crescer sem que os governos temam perder arrecadação". Entre as categorias beneficiadas pelo Supersimples estão academias de ginástica e até professores de capoeira Urgência A nova lei não atende a todas as expectativas, mas é um passo importante. Foi debatida por três anos e aprovada num cenário de urgência. Os indicadores da Sondagem Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelaram que no último trimestre do ano passado as pequenas empresas - ao contrário do que se deu com empreendimentos de maior porte - registraram queda na produção, no faturamento e no número de empregados. Era preciso reverter o quadro rapidamente. Tanto que, como num filme, nem bem foi batida a claquete, o município capixaba de Cariacica entrou em ação. A prefeitura isentou os empresários da taxa Habite-se, que incide sobre seus imóveis, e reduziu à metade a alíquota de Impostos sobre Serviços (ISS) cobrada a empresas dos setores moveleiro, têxtil e de confecção - os mais fortes na região. Para incentivar a formalidade e a realização de novos empreendimentos, dias depois da sanção da Lei Geral já era permitido, na cidade, que estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços funcionassem em domicílios. Os trâmites para abertura e regularização de empresas foram reduzidos. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico calcula, assim, ter beneficiado cerca de 12 mil negócios.
O povo que realiza anda ávido por espaço e um ambiente de trabalho melhor. No final de janeiro, a empresária paulista Gelma Franco foi informada, por seu contador, de que seria uma boa opção a adesão ao Supersimples de sua empresa, o Il Barista. " Pela nova lei, o pagamento de impostos e a escrituração da empresa são simplificados. Mesmo que os custos não caiam, porque a contratação de empregados continua muito onerosa, a administração do dia-a-dia poderá ser facilitada", diz. "Além disso, o estímulo ao associativismo pode fazer com que os empresários se mobilizem e divulguem a marca Brasil no exterior. " Gelma Franco é um exemplo de empreendedora bem-sucedida. Em 2003, depois de um ano de estudo, planejamento e pesquisa, decidiu montar a primeira butique de cafés do país. Vendeu o apartamento em que morava, passou cinco meses discutindo para conseguir alugar o ponto que julgava ideal para seu negócio, criou logomarca, montou cardápio e decoração. Pôs mãos à obra, de fato. Cuidou da contratação de funcionários, da recepção dos clientes, da contabilidade. Passaram-se oito meses até que o rendimento cobrisse as despesas. Hoje a empresária tem quatro lojas, 22 funcionários e muitos planos. Quer formar um centro de treinamento para profissionais do ramo, exportar pó de cafés especiais e, quem sabe, expandir sua rede para o exterior. Também existem os que se beneficiam indiretamente. Há em São Paulo um estabelecimento que, no mesmo espaço, oferece serviços de padaria, butique de carnes, frios, sorveteria, mercado de frutas e verduras, restaurante e lanchonete. É o Tortula, nome de um pão medieval recheado com carne. A idéia tem sido um sucesso e a empresa cresce rapidamente. "A nova lei não traz reflexos diretos para o Tortula, pois nosso faturamento anual é superior ao teto estabelecido para micro e pequenas empresas, mas pode baratear preços de alguns de nossos fornecedores", diz Renato Mota, um dos sócios. Para ele, que emprega muita gente, mais importante seria se o governo cuidasse de desonerar a folha de pagamentos. E, claro, não faltam aqueles que ficaram de fora e não estão contentes. Leonardo Pessanha tem uma microempresa de assessoria de imprensa, a LP17 Comunicação. Sua área ficou excluída dos benefícios do Supersimples. "Há comerciantes com faturamento muito maior do que o nosso pagando muito menos impostos", diz. "A nova lei significa um avanço, mas poderia ser mais democrática e abrangente. Ainda é necessária uma combinação de sonho e coragem com muita persistência para abrir e manter uma microempresa. " O volume de reformas de que o país necessita, é sabido, é grande. Assessores de imprensa, consultores e muitos outros profissionais ficaram fora dos benefícios proporcionados pelo Supersimples. Outros tantos foram lembrados, entre eles escolas de música, academias de ginástica, subempreiteiros da construção civil e até vigilantes e professores de capoeira - muita gente que prefere permanecer fora do mercado formal. "Há ainda um longo caminho a ser percorrido. Mas o Supersimples inclui atividades que tradicionalmente não se regularizam, e por isso ele é importante para a redução da informalidade na economia brasileira", diz Marcelo Ávila, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Informalidade Em 2003, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que menos de 2% dos microempreendimentos estavam regulares. A situação é danosa em muitos sentidos. Empresas que não pagam impostos podem vender seus produtos a preço inferior aos das regularizadas - o que torna a concorrência desleal. Como não têm muitos compromissos, os empreendedores não se preparam para crescer nem buscam inovar. Também não contratam trabalhadores com carteira assinada e não estimulam sua capacitação. "O microempreendimento informal absorve desempregados sem alternativas no mercado de trabalho, passa pelo exercício de atividades artesanais e chega a iniciativas pré-capitalistas com potencial de expansão", esclarece Marcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ou seja, um negócio informal tem sempre um toque de amadorismo. Resultado: taxa de mortalidade elevada, na casa dos 60%.
Em 2003, dados do IBGE revelaram que menos de 2% dos microempreedimentos estavam regulares Há um intenso dinamismo na criação de novas empresas todos os anos no país. Mas o movimento no sentido oposto não é menos importante. Estimativas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), considerando capital investido em máquinas, equipamentos, mobiliário e capital de giro, indicam que a perda resultante do encerramento de negócios com até quatro anos de vida alcança 20 bilhões de reais ao ano. "Os empresários quebram por não suportar os altos impostos e também por não estar preparados para empresariar. A atividade requer vocação, dedicação, estudo e a busca de suporte junto a organismos e profissionais especializados", diz José Mauro de Moraes, pesquisador do Ipea. "A luta contra a informalidade requer uma bem tramada teia de políticas públicas. "
Exemplos de todo o país mostram a complexidade da questão. Segundo dados da Associação de Jovens Empresários de Salvador (AJE), na Bahia, cerca de 70% dos estabelecimentos com até quatro funcio nários fecham nos primeiros cinco anos de atividade. Principais razões: alta carga tributária, dificuldade em obter crédito e excesso de burocracia. No Mato Grosso, o centro histórico de Cuiabá é um cenário desolado de lojas fechadas. Ali, chegaram a funcionar cerca de seiscentas empresas, com 2, 5 mil empregados. "Nos quatro últimos anos, o comércio da região registrou queda de 30% no volume das vendas. A concorrência com os informais é dificultada pela alta carga tributária", diz Roberto Perón, presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio de Tecidos, Confecções e Armarinhos de Mato Grosso. Pois a Lei Geral, que agradou ao empresariado, provocou reação negativa do governo do município, que calculou perda anual de arrecadação da ordem de 29 milhões de reais. Interesses Não é de hoje que governos e legisladores tentam criar um ambiente benéfico para os empreendimentos menores. Há dez anos, foi criado o Simples, sistema facilitador do pagamento de tributos federais para micro e pequenas empresas industriais e comerciais, que deveria fazer emergir um grande volume de negócios e foi replicado em diversos estados e municípios. A princípio funcionou, mas sua eficácia foi se perdendo com o tempo. A principal razão: falta de atualização das faixas de enquadramento, o que causou a elevação das alíquotas. Ou seja, muita gente que aderiu ao Simples para gerenciar melhor suas contas e ter sobra de capital com o pagamento de impostos reduzidos, deixou o sistema ou fechou as portas. O Supersimples resolve questões como essa e várias outras. Cria, por exemplo, o Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, ligado ao Ministério do Desenvolvimento, que deverá zelar pela regulamentação dos dispositivos legais e, também, para que os benefícios não se percam com o passar dos anos. "O conjunto de medidas oxigena o cenário empreendedor. É, sem sombra de dúvida, o maior estímulo à iniciativa privada da história do país", diz Luiz Fernando Garcia, consultor em empreendedorismo e negócios. O estudo "How Brazil Can Grow"(Como o Brasil pode crescer), de autoria de Heinz-Peter Elstrodt, Jorge Fergie e Martha Laboissière, da empresa de consultoria Mc- Kinsey, afirma que, entre as razões que explicam o crescimento tímido da economia brasileira, está a baixa produtividade do trabalhador - correspondente a 21% da americana em 2004. Para resolver o problema, segundo os autores, é necessário combater a informalidade e a insegurança entre os empresários, que não fazem planos de longo prazo. É preciso, também, cuidar da regulamentação: a legislação trabalhista, de mercado e tributária inibe o investimento, o emprego e o consumo. E há mais um obstáculo a ser superado, o das limitações na infra-estrutura, que elevam custos e prejudicam a competitividade do produto brasileiro. "Nossa experiência sugere que, uma vez que um país tenha identificado quais são, pode enfrentar as barreiras com reformas adequadas às necessidades de cada setor da economia", afirmam os autores. Os pacotes anunciados recentemente contemplam os itens apontados. Os empreendedores estão convocados a agir. Fica aqui a questão levantada pelo poeta Vinicius de Moraes:quem quer comprar, nesse novo dia.
Saiba mais: Íntegra da Lei Complementar 123 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Serviço Brasileiro de Apoioàs Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) Confederação Nacional da Indústria (CNI) |