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Internacional - A grama do vizinho

2007 . Ano 4 . Edição 32 - 7/3/2007

No final de 2001, a Argentina parecia condenada a queimar no fogo do inferno. Em plena recessão, com taxas estratosféricas de desemprego e atravessando uma profunda crise política, poucos apostariam que seis anos depois o vizinho estaria registrando crescimento do PIB na casa dos 8% e ostentando um risco-país inferior ao do Brasil. Como foi que isso aconteceu?

Por Giedre Moura, de São Paulo

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"A primeira coisa que deve ficar clara é que o caso da Argentina é absolutamente excepcional. Dificilmente se pode extrair algo a ser experimentado pelo Brasil"

O editor de vídeo Marcelo Kohek voltou deslumbrado de sua viagem de ano-novo a Buenos Aires. O encantamento não é fruto apenas da conhecida beleza arquitetônica da cidade, ele vem mais do bolso do que dos olhos."Lá o ônibus custa menos da metade que em São Paulo.Tudo é mais barato!"A surpresa vivida na estada de alguns dias na capital portenha fez com que o editor cogitasse seriamente a hipótese de mudar para um país aparentemente mais tranqüilo e barato que o Brasil.

Ficar impressionado com a Argentina, cinco anos após uma crise econômica que deixou mais de 50% da população abaixo da linha de pobreza,não é coisa só de turista. O mesmo tom de admiração pode ser notado nas declarações de economistas, que não escondem elogios - e alguns a surpresa - por ver como a Argentina conseguiu sair daquele que foi considerado um dos maiores colapsos econômicos da América Latina.Alguns poucos,mais céticos em relação aos feitos do governo, acreditam que pode se tratar de uma nova bolha. Mas a conclusão de todos é uma só: a Argentina do ano 2007 é um país completamente diferente do passado.

As taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na casa dos 8%, já por alguns anos consecutivos, colocam uma dúvida no peito de países vizinhos que mal conseguem crescer 3%, como o Brasil.A lógica simplista é: por que não adotar o modelo argentino, dar calote, proteger o mercado interno, gerar emprego e crescer de forma significativa? Bem, as coisas não são exatamente fáceis assim."A primeira coisa que deve ficar clara é que o caso da Argentina é absolutamente excepcional. Dificilmente se pode extrair algo a ser experimentado pelo Brasil, ou por qualquer outro país, que amarga baixas taxas de crescimento",alerta o embaixador Rubens Ricupero,diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap),em São Paulo."É como querer exigir da Inglaterra uma modernização como a que a Alemanha e o Japão passaram após a Segunda Guerra Mundial.A tão falada modernidade alemã só veio porque o país foi destruído e precisou se reconstruir", exemplifica Ricupero.

internacional2_24Centenas de desempregados protestaram na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, durante a recessão, em 2003

PassadoPara entender melhor a trajetória argentina é preciso refrescar a memória.Se hoje o país tem a moeda bem desvalorizada em relação ao dólar, por toda a década de 1990 a economia funcionou dentro da paridade com a moeda norte-americana; e a crise de 2001 pode ter sido a mais grave, mas não foi a primeira.Apesar de conflitos entre conservadores militares e liberais civis na primeira metade do século passado, a economia da Argentina conseguiu transitar com certa tranqüilidade no entre-guerras. As incertezas políticas e econômicas só tiveram início na segunda metade do século XX. Podemos então começar a contar a história a partir do final da Segunda Guerra, quando sobe ao poder o general Juan Domingo Perón,personagem que deu origem ao movimento peronista, de cunho nacionalista e altamente centralizador.Ele cai em 1955,e se segue uma intensa troca de poder entre presidentes civis e militares,golpes e ditaduras,que dura quase três décadas.

Em 1983, Raúl Alfonsín assume a Presidência com a missão de colocar o país nos trilhos da democracia,mas não consegue controlar as rédeas da economia e,no final da década de 1980, a Argentina se vê completamente tomada pela inflação.Em 1988, o índice chega a 348% e, no ano seguinte, ultrapassa a casa dos 3.000%. É quando o peronista Carlos Menem entra em cena e convoca Domingo Cavallo para o Ministério das Finanças com a tarefa de debelar a hiperinflação. Ele estabelece o Plano Cavallo - ou Plano de Convertibilidade -, que fixa, na Constituição, o peso no valor do dólar.A fórmula funciona e, entre 1991 e 1993, o PIB cresce a taxas semelhantes às da atualidade.

Em 1995,porém, surgem os primeiros sinais de recessão.Começam os efeitos do contágio, quando a economia de um país fica abalada pelas turbulências ocorridas em outras regiões.Do México vem o Efeito Tequila, da Ásia as instabilidades dos Tigres Asiáticos e,por fim, a crise da Rússia. A fragilidade das economias dos países em desenvolvimento leva os investidores a evitar os mercados emergentes.A contribuição brasileira para a derrocada Argentina vem em 1999,com a desvalorização do real em relação ao dólar. O país vizinho permanece firme na paridade e a poucos passos do precipício econômico.

Em plena recessão, sai Menem e entra Fernando de la Rúa, que dá continuidade à política do governo anterior, com medidas de redução do dinheiro em circulação e controles tributários, forçando a queda dos preços. Sem poder para dominar a taxa de juro,a Argentina vê os investimentos estrangeiros secarem e a população, desconfiada,sacar a poupança dos bancos. Tal qual Menem, o novo presidente resgata Cavallo, o pai da paridade, que nela insiste. Com a crise cada vez mais forte, ministro e presidente renunciam,e a Argentina cai no buraco sem nenhuma rede de proteção.Era dezembro de 2001.

Ao contrário do final de ano tranqüilo presenciado pelo brasileiro Marcelo Kohek em 2006,há cinco anos o réveillon em Buenos Aires foi pautado pelo caos.Foram cinco presidentes em menos de duas semanas e violentos panelaços que levaram à morte mais de trinta pessoas.No bairro de Puerto Madero, a Copacabana argentina para assuntos de Réveillon, poucos restaurantes abertos e parcos turistas estrangeiros tentavam brindar o ano que chegava.Os argentinos ficaram em casa,sem motivos para celebrar ou ter esperanças em 2002.A falta de confiança era justificada.Ao final daquele ano,o PIB tinha despencado mais de uma dezena de pontos percentuais (veja gráfico Variação do PIB argentino) e mais de 50% da população estava empobrecida.

Diante desse cenário,a moratória foi declarada e, com ela, a suspensão total do pagamento das dívidas,que somavam mais 100 bilhões de dólares,seguida do "corralito" financeiro,que limitou os saques bancários dos argentinos a 250 pesos por semana. Após o troca-troca de comando na Presidência,Eduardo Duhalde foi eleito pelo Congresso numa sessão de emergência e veio,finalmente,a inevitável desvalorização do peso. Saldo final: um país que, no início do século passado, ocupava o posto de sétima economia mundial viu,em 2002, sua taxa de desemprego alcançar os 21%.

Reconstrução O PIB da Argentina nessa época acumulava perdas de 18% e o governo de Duhalde escalou, em abril de 2002, um novo ministro da Economia, Roberto Lavagna, que ficou no cargo até 2005, transitando entre os mandatos de Duhalde e Néstor Kirchner,presidente desde 2003."Diante do caos que tomou conta do país, a recuperação foi realmente surpreendente. A política adotada por Lavagna funcionou,principalmente quando chegou a hora de conversar com os credores. Ele obteve descontos inacreditáveis", opina Ricupero.Outro fantasma que assolava a Argentina eram as conseqüências das privatizações do governo Menem. Os contratos com concessionárias que foram firmados em dólar atingiram valores exorbitantes." A renegociação levou muitas empresas a deixarem a Argentina e não é à toa que nos tribunais de arbitragem internacional o país lidera as reclamações", completa o embaixador.

internacional3_24Puerto Madero, bairro novo e elegante de Buenos Aires, que recuperou seu glamour após a crise

A estratégia econômica também manteve os gastos do país sob controle.Com a intensa desvalorização do peso e o aumento das exportações,veio o superávit fiscal. O Banco Central emitiu pesos para a compra do dólar e,com medidas como a taxação das exportações agrícolas, a Argentina começou a respirar ao final de 2003. "O Banco Central tem muito poder de fogo para enxugar a moeda e comprar divisas sem provocar desequilíbrio.A Argentina hoje é o espelho oposto do Brasil.Aqui, a preocupação é com a estabilidade e o crescimento moderado", opina Fabio Giambiagi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Além do PIB elevado,um indicativo da recuperação são as reservas internacionais na casa dos 30 bilhões de dólares. Para 2007, a estimativa de crescimento do PIB está acima de 7%."É muito cedo para afirmar que a economia argentina se recuperou plenamente,mas há um consenso de que estamos transitando por um período de franco crescimento.Agora é preciso ver como essa situação favorável atual será aproveitada no longo prazo para fazer uma real reconstrução do país", alerta Gustavo Lugones, professor de economia internacional da Universidade de Quilmes, em Buenos Aires.

internacional4_24Fonte: FMI - valores de 2005 e 2006 projetados pelo FMI

Tomás Málaga, economista-chefe do Banco Itaú, também prefere esperar por uma análise mais longa dos ciclos da economia argentina antes de dizer que o país está saudável."Se pegarmos o período de 1979 a 2006 como base de comparação, veremos um crescimento médio da Argentina na casa dos 2%,algo muito semelhante ao do Brasil. É sempre bom ter em mente que o índice de quase 9% foi atingido com base em uma grande derrocada e a muito custo.A Argentina é hoje um país que vive uma política de incentivo de demanda baseada no aumento do consumo interno e do gasto público, na política monetária e no mercado externo", analisa Málaga.

 

 

Maior integração no processo produtivo do Brasil e da Argentina só viria a contribuir para o desenvolvimento econômico dos dois países e deveria ser incentivada
 
 

Controle Na rua Florida,tradicional corredor de comércio de Buenos Aires,pedestres desfilam com suas sacolas cheias de produtos recém-adquiridos.Tudo vende feito água. Os preços estão baixos e Marcelo Kohek aproveitou sua estada para comprar algumas camisetas por 20 pesos (aproximadamente 13 reais) as quais,segundo ele, no Brasil não sairiam por menos de 60 reais. Comprar está na moda na Argentina.

A união das diversas medidas econômicas, como a desvalorização,o protecionismo, a retenção sobre as exportações e o incentivo à produção,tornou os produtos nacionais mais atrativos.Some-se a isso uma política rigorosa de controle dos preços que mantém mais baixo o valor estampado nas etiquetas.Tarifas públicas,como a de energia elétrica, também estão baratas, fazendo com que os nossos vizinhos paguem menos da metade pelo uso da eletricidade do que os brasileiros e outros latino-americanos.O cerco aos preços deve continuar,pelo menos até as novas eleições presidenciais,marcadas para o final deste ano.Manter os preços tem sido uma das principais funções da atual ministra da Economia,Felisa Miceli.

Alimentos, roupas, eletrodomésticos mais centenas de outros produtos que tiveram seu preço rigorosamente congelado fizeram com que o setor agropecuário esperneasse contra a política de Kirchner e, em conseqüência, a carne ficasse mais rara nos supermercados.Algo que lembra a realidade brasileira na época do Plano Cruzado." Nisso a Argentina hoje é muito diferente do Brasil. Aqui vigora a política livre de preços, lá o presidente telefona ao dono do supermercado para perguntar por que o preço do óleo subiu",comenta Giambiagi.

Com essa marcação cerrada, a Argentina conseguiu fechar o ano passado com a inflação na casa dos 12%.Mas nem todos confiam cegamente nesse índice. No início de 2007, surgiu a suspeita de que a inflação estaria sendo manipulada pelo governo,com o controle intenso dos produtos que mais interferem no Índice de Preços ao Consumidor (IPC).A acusação é que a manobra estaria varrendo para debaixo do tapete uma inflação real de mais de 2% ao mês."Uma das dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo argentino é a ameaça da volta da inflação.Se realmente está em 2%, é um risco inflacionário superior a 20% ao ano", reflete Málaga. Outro entrave na arrancada do país é a questão energética.Com a aceleração da economia, a previsão é que as reservas de gás,que teriam condições de sustentar o país por quinze anos, não sejam suficientes para dez.

Até o momento, a supervalorização das commodities no mercado internacional tem colaborado de forma decisiva para o processo de recuperação, mas para Lugones está na hora de pensar numa alteração do perfil produtivo do país, estimulando a fabricação de itens de maior valor agregado, especialmente na área de biotecnologia e informática."Mesmo em produtos menos complexos podemos priorizar as diferenças.Não há como a Argentina competir com o mercado brasileiro no segmento de calçados populares,mas podemos aprimorar o trabalho com design e qualidade diferenciados, como peças exclusivas", exemplifica o professor.

 

Social Três anos de ajustes foram necessários para reverter o quadro econômico póscrise, mas reparar as seqüelas sociais adquiridas nas últimas décadas é uma tarefa que parece bem mais complexa.Uma análise numérica mostra que alguns índices sociais melhoraram,como o desemprego,que hoje está na casa dos 10%,e a taxa de pobreza, que recuou.Mas é impossível dizer que a sociedade argentina como um todo saiu da crise.A reversão do quadro social preocupa." Temos o PIB crescendo, mas não podemos falar que a recuperação da Argentina é total.A crise deixou um custo social elevadíssimo. No auge dos problemas, a população ficou 50% mais empobrecida, mas esse índice ainda é alto,de 20%", ressalta Bernardo Kosacoff,diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em Buenos Aires.

Kosacoff é um dos defensores da idéia de que a economia da Argentina não deve sofrer grandes alterações econômicas nos próximos tempos,mas que o país tem uma agenda social intensa para discutir, e a inclusão soa como um dos maiores desafios do novo país que surgiu no pós-crise."O que a sociedade argentina precisa hoje é firmar projetos de desenvolvimento no longo prazo.Perdemos muita qualificação dos recursos humanos e também a capacidade de inovação e competitividade.A recuperação plena só virá com esses aspectos", completa o diretor da Cepal.

Guillermo Anlló, especialista em economia da inovação da Cepal, alerta para a grande desigualdade social,que ficou ainda maior durante a crise."A informalidade ainda é alta, embora os empregos formais estejam aumentando.Mas a crise fez surgir fenômenos como os cartoneros (catadores de lixo), que não existiam antes. Temos hoje uma Argentina com diferenças sociais muito amplas."

Pouca coisa deve mudar na Argentina até o final do ano,quando serão realizadas as eleições presidenciais. Pelo menos até outubro, os argentinos deverão viver no clima de congelamento de preços e aquecimento de mercado. Os nomes mais cotados para a briga pela sucessão, por enquanto, são o da primeira-dama,Cristina Kirchner, enfrentando o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna.Ambos têm como trunfo terem participado do governo da reconstrução, apoiado pela maioria dos cidadãos - ou, como gosta de lembrar o atual presidente nas entrevistas concedidas à imprensa, "cuja missão é tirar a Argentina do inferno e colocá-la no purgatório". O futuro em dias de globalização e interferências externas é incerto. E Marcelo Kohek,menos empolgado com uma mudança de país,deve ficar mais um tempo no Brasil, ainda que inconformado com os preços praticados aqui. "Eu almoçava um bife de chorizo enorme por 6 pesos lá", lembra.Mas pretende continuar acompanhando a Argentina,nem que seja somente assistindo aos jogos do Boca Juniors pela TV.

 
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