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Desigualdades - Diferentes diferenças

2008 . Ano 5 . Edição 45 - 05/07/2008

Por Rachel Mortari, de Brasília

A dinâmica social e as mudanças na forma de pensar e agir dos brasileiros nas relações de poder baseadas nas questões de gênero e raça estão exigindo uma urgente atualização dos padrões de análise. Este foi o ponto de partida de um trabalho desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, que está para publicar sua terceira edição, trazendo uma interpretação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com recorte específico nesses dois temas.

Seu objetivo é visualizar, de forma explícita e compreensível, as enormes desigualdades que se manifestam entre negros e brancos e homens e mulheres nos mais diferentes espaços sociais - educação, mercado de trabalho, acesso a bens e serviços, entre outros. Em sua terceira edição, baseada nos dados da Pnad de 1993 a 2006, a pesquisa apresenta uma novidade: o aumento de famílias formadas por casais com filhos chefiadas por mulheres. Em 1993, 3,4% das famílias tinham essa característica e em 2006, 14,2%.

"Esse é um dado novo e muito revelador para nós no tocante ao comportamento masculino. Que existem muitas famílias chefiadas por mulheres isso nós já sabíamos, mas os casais assumirem essa situação representa uma mudança muito forte de comportamento", afirma Natália Fontoura, pesquisadora do Ipea envolvida no trabalho.

Luana Pinheiro, da SPM, explica que o IBGE está reformulando as definições para "chefia" da casa. "Ainda não está muito claro se essa chefia se refere à questão de renda ou de gerenciamento do lar, mas como a mulher historicamente tem o comando da organização domiciliar e não tem sido declarada como chefe, tudo nos leva a pensar que há uma associação direta entre chefia e renda da família", diz. Outra novidade dessa edição do Retrato é o item Uso do Tempo, que mede o número de horas dedicadas aos afazeres domésticos.

NOVE ENTRE DEZ MULHERES O IBGE faz duas perguntas: se a pessoa faz alguma tarefa doméstica e quantas horas gasta fazendo isso. Somente metade dos homens realiza essas tarefas - 51,4% em 2006, ante 44,4% em 1996 -, enquanto nove em cada grupo de dez mulheres têm essa atribuição. Para as mulheres, a saída para o mercado de trabalho não significa deixar de fazer tais atividades. Pelo contrário, a participação delas quando ocupadas é ainda maior, 92%.

"As mulheres gastam 24,8 horas por semana com as tarefas domésticas. Para os homens esse tempo é reduzido a menos da metade, 10 horas, sem contar com as diferenças das tarefas. O homem vai cuidar do jardim, do carro, vai lavar o quintal, já a mulher desempenha várias atividades ao mesmo tempo para organizar a casa, como quando está cozinhando e arrumando os filhos para a escola ou está se arrumando para ir ao trabalho e fazendo a lista de compras do mercado", avalia Luana.

Esse item, ainda com poucos dados e informações imprecisas, também será reformulado pelo IBGE e será uma pesquisa específica. Para esse trabalho será criado um comitê de estudos de gênero e tempo pelo Ipea, SPM e IBGE, que aplicará as pesquisas seguindo modelos internacionais.

"Em alguns países, como na Espanha, já foram feitas as chamadas contas satélites do trabalho não-remunerado, a partir do reconhecimento de que o trabalho doméstico deve ser mensurado e contar quando se fala das riquezas nacionais, porque ele é fundamental para a reprodução da vida e para o bem-estar da sociedade. Quando a trabalhadora doméstica exerce esse serviço remunerado, ele é computado, quando é a dona-de-casa ou a mulher que trabalha fora e ainda faz essas atividades, não. O reconhecimento desse trabalho traria novos números macroeconômicos para o Brasil", informa Natália.

Ainda segundo Natália, foi feito um exercício por professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) nesse sentido e chegou-se à conclusão de que os afazeres domésticos correspondem a cerca de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) e que equivaleram, no ano de 2004, a R$ 225,4 bilhões, dos quais R$ 185 bilhões (ou 82%) foram gerados pelas mulheres. "Há questionamentos e limitações metodológicas em relação a esses números, mas eles trazem uma primeira pista sobre a importância dos afazeres domésticos do ponto de vista econômico mesmo."

COMPORTAMENTO As pessoas não nascem preconceituosas, machistas ou racistas, elas são educadas a serem assim, pensam os especialistas no assunto. Toda mudança de comportamento social passa por um processo demorado e contínuo. Um claro exemplo é a questão do racismo: mesmo após 120 anos da abolição da escravatura, suas conseqüências ainda são visíveis em nossa sociedade, mesmo que muitas vezes de forma velada.

"Nenhuma empresa coloca uma placa na frente da sua porta dizendo que ali não entram negros ou mulheres, mas os dados da pesquisa revelam que o racismo e o sexismo existem e funcionam como mecanismos institucionais, trazem à tona a relação de poder da sociedade", esclarece Waldemir Rosa, pesquisador do Ipea.

As mudanças de conceito e valores que a sociedade precisa promover para acabar com as desigualdades sociais devem se dar em todos os processos de socialização, já que sua reprodução é feita por todos. A família e a escola, principalmente, devem falar a mesma linguagem.

"Às vezes, a gente se pega, sem querer, reproduzindo estereótipos. É muito comum no aniversário das meninas que elas sejam presenteadas com bonecas ou panelinhas e os meninos, com carrinhos ou bolas, fortalecendo e reproduzindo o papel do feminino e do masculino na sociedade. A mulher também reproduz o machismo. No caso das desigualdades de gênero, não dá para dizer que ela é só vítima", observa Luana.

EXPERIÊNCIA DE PAI-MÃE Romper com esse papel predeterminado culturalmente ao que cabe ao homem ou à mulher em uma sociedade patriarcal foi um grande desafio para o pedagogo Yonaré Flávio de Melo Barros, que, após se separar de sua esposa, em 1991, tomou para si, entre 1993 e 2005, o cuidado das filhas gêmeas, hoje com 12 anos. Atualmente, elas passam dois dias úteis com o pai e dois com a mãe e um final de semana com cada um, contando desde a sexta-feira.

"Foi uma circunstância, mas eu nunca releguei os cuidados das meninas a outra pessoa, como minha mãe, por exemplo. Como nem sempre posso pagar uma faxineira, quando é preciso eu faço tudo: lavo, passo, faço almoço, levo as duas para a escola e cuido da limpeza da casa. Cumprir essas atribuições me dá uma sensação de superação muito grande, já que culturalmente eu não as dominaria, pois não fazem parte do universo preestabelecido como masculino", explica Yonaré.

Luana ressalta, no entanto, que o caso do pedagogo não é a regra geral e nem pode ser tomado como exemplo do fim das desigualdades. Segundo ela, alguns dos indicadores estudados, como educação e renda, apresentam melhoras. No entanto, trazem consigo o desafio de continuidade do trabalho.

"Não podemos correr o risco de achar que já está bom porque temos exemplos positivos. Ainda temos enormes desigualdades a serem vencidas. Essa é uma luta antiga que começou na década de 1930 com o direito ao voto nas eleições nacionais, passou pela década de 1960, com a atuação do movimento feminista, as mudanças comportamentais e a inserção das mulheres nos espaços públicos e no mercado de trabalho, e continua até hoje. Essa mulher, que busca o empoderamento, rompeu situações cristalizadas, criou novos arranjos familiares, e toda a sociedade tem que aprender a conviver e dar respostas a esse novo cenário", explica Luana.

NOVE INDICADORES Além desses dois itens, os pesquisadores do Retrato selecionaram outras nove áreas a serem analisadas: educação, saúde, previdência e assistência social, mercado de trabalho, trabalho doméstico remunerado, habitação e saneamento, acesso a bens duráveis e exclusão digital, pobreza, distribuição e desigualdade de renda.

Os números obtidos são disponibilizados para os mais diferentes públicos - movimentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, estudantes. A primeira edição da pesquisa é de 2005, mas seu histórico é desde 1993. "É preciso evidenciar as desigualdades para que elas não existam mais, a pesquisa recorta e dá visibilidade à problemática, permitindo direcionar políticas públicas para acabar com elas", defende Maria Inês da Silva Barbosa, do Unifem.

Dentre os números levantados, alguns apresentaram aspecto positivo em relação a anos anteriores, como no caso do acesso à educação e do aumento do número de trabalhadoras domésticas com carteira de trabalho assinada.

A média de anos de estudo do brasileiro está aumentando, mas a diferença entre homens e mulheres e entre brancos e negros continua na mesma proporção. Em 1993, a média de estudo das pessoas com 15 anos ou mais de idade era de 6,2 anos para homens e mulheres brancos, 4,2 anos para mulheres negras e 4,0 anos para homens negros. Em 2006, a média de estudo das mulheres brancas era de 8,1 anos, dos homens brancos, de 8,0 anos, das mulheres negras, de 6,4 anos, e dos homens negros, de 6,1 anos. O aumento da média dos anos de estudo da população, porém, não diminuiu o hiato que há entre a população branca e negra.

DUPLA DISCRIMINAÇÃO "As mulheres em geral têm mais anos de estudo do que os homens, mas isso não se reflete em ganhos sociais. No caso da população negra, da mesma forma, as mulheres estudam mais e todos os seus indicadores são os piores. A mulher negra ainda enfrenta a dupla discriminação, por ser mulher e por ser negra", ressalta Waldemir Rosa.

As pesquisas mostram que as mulheres negras são as que vivenciam as piores condições de trabalho, recebem os menores rendimentos, mais sofrem com o desemprego e as relações informais de trabalho (e sua conseqüente ausência de proteção social tanto presente quanto futura, a aposentadoria) e ocupam as posições de menor prestígio na hierarquia profissional.

Ainda no campo educação, quando o assunto é analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais, homens e mulheres brancos, em 2006, estão na mesma proporção, com 6,3% e 6,7%, respectivamente. Já entre os negros essa proporção é mais que o dobro, alcançando 15,1% dos homens negros, e 14,1% das mulheres negras entre essa mesma idade ainda são analfabetas.

Entre os mais idosos esse número aumenta. Da população de 60 anos ou mais, são analfabetos 17% dos homens brancos e 21,1% das mulheres brancas. Entre os negros esses números sobem para 41,5% para os homens e 45% para as mulheres, resquícios de uma faixa etária que não teve oportunidade de estudar.

DOMÉSTICAS "É possível perceber em alguns dados a forte diferença racial e de gênero. Há uma estrutura de discriminação política, um racismo institucional, que serve de base para a redução das possibilidades sociais", observa Waldemir Rosa.

Outro ponto avaliado pelos pesquisadores com ganho real foi o do número de trabalhadoras domésticas com carteira de trabalho assinada. Em 1996, 23,6% das domésticas brancas tinham carteira assinada e em 2006 essa parcela subiu para 30,2%. Entre as mulheres negras, eram 18,7% em 1996 e 23,9% em 2006.

Houve um aumento também da taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho. Em 1996, eram 52,2% da População Economicamente Ativa (PEA), sendo 51,4% entre a população branca e 53,3% entre a população negra. Já em 2006, essa participação na PEA elevou-se a 59%, sendo de 59% entre a população branca e de 58,9% entre a população negra.

Do total das mulheres ocupadas, 16,5% são domésticas na estatística de 2006. Entre as mulheres negras, esse número sobe para 21,0%. "Há uma disparidade muito grande na sociedade. Ao mesmo tempo em que há um avanço no número de mulheres que ingressaram no mercado de trabalho, o maior campo de trabalho feminino continua sendo o de empregada doméstica, socialmente desvalorizado", reflete Alinne Bonetti, pesquisadora do Ipea.

O suplemento de saúde é avaliado de cinco em cinco anos. O último dado apresentado é de 2003 e diz respeito à proporção de mulheres com 25 anos ou mais de idade que nunca fizeram exame clínico de mamas. Essa parcela era de 28,7% entre as mulheres brancas e de 46,3% entre as negras.

"Isso choca um pouco, porque estamos falando de exame simples, de toque. Nada muito complicado, que precise de equipamentos, apenas o toque do médico para identificar uma das doenças que mais atingem as mulheres, o câncer de mama. Fizemos uma análise da escolaridade dessas mulheres para saber se estava relacionado aos anos de estudo. Apenas 10,5% das mulheres brancas com 12 anos ou mais de estudo nunca fizeram o exame clínico de mamas, mas essa parcela sobe para 18,1% entre as mulheres negras com essa escolaridade. Ou seja, existe aí outro componente que vai além da renda, acesso ao médico ou escolaridade, é possível identificar uma carga muito forte de preconceito", avalia Natália.

Dessas mulheres, 32,3% estão na zona urbana e 62,9% na zona rural. "Essa é uma informação que mostra como as políticas públicas no Brasil estão totalmente voltadas para a área urbana, um país tão grande como o nosso e com uma extensão rural vastíssima", ressalta Alinne.

HOMEM-MULHER/BRANCO-NEGRO Em 2006, a população pobre do Brasil correspondia a 23,8% do total, sendo a parcela de pobreza de 14,5% entre os brancos e de 33,2% entre os negros. Na faixa dos 10% mais pobres estão 63,4% de negros e 36,2% de brancos; e entre os 10% mais ricos, 74,1% são brancos e 24,3% são negros. Das famílias chefiadas por negros que recebem benefícios dos programas governamentais, 69,4% estão no Bolsa Família, 59,8% no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e 8,3% no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

A taxa de desemprego de pessoas com 16 anos ou mais, em 2006, era de 5,6% entre homens brancos e de 6,9% entre homens negros. Já entre as mulheres a taxa de desemprego era de 9,6% entre as brancas e de 12,4% entre as mulheres negras. São favelados 2,2% dos homens brancos e 4,2% dos homens negros, e são faveladas 3% das mulheres brancas e 6,6% das mulheres negras. Não possuem geladeira 5,5% das casas chefiadas por homens brancos e 17% das chefiadas por homens negros, verificando-se a taxa de 10,9% na área urbana e de 43,2% na área rural. No caso das casas que não possuem máquina de lavar roupas, são 49,9% das chefiadas por homens brancos e 76,7% das chefiadas por homens negros, e de 72,5% na área urbana e de 94,5% na área rural.

"É possível identificar uma melhora na condição de vida das pessoas de umas décadas para cá, embora essa melhora não se dê quando o assunto é racismo. De qualquer forma é preciso democratizar a pirâmide como um todo, não é para ter focos de melhora, mas para que todos possam ocupar todos os espaços da pirâmide", afirma Maria Inês.

Ela também alerta para a dificuldade quando o assunto é racismo. "Tratar a questão de gênero é mais fácil, tem maior inserção popular, mas quando o assunto é racismo, ações afirmativas para os negros, há um recuo na sociedade." E cita a carta assinada por 114 intelectuais e artistas e enviada ao Congresso Nacional, se posicionando contra o projeto de lei de cotas (PL 73, de 1999) e ao Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198, de 2000).

"Há um discurso contrário às ações afirmativas que diz que o país será 'racializado', mas o caso é que o Brasil precisa resolver se quer uma mudança lenta ou radical, sem contar que tem compromissos internacionais para acabar com o racismo. O projeto de democracia só estará completo quando não houver mais desigualdades, sejam elas étnicas, de gênero, ou qualquer outra", avalia Maria Inês.

 
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