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Agricultura Familiar - O dilema de produzir comida ou biocombustível

2008 . Ano 5 . Edição 45 - 05/07/2008

Por Claudia Izique, de São Paulo

Com uma população em torno de 6,7 bilhões de pessoas, em 2008, o planeta começa a enfrentar uma crise de alimentos sem precedentes. Os primeiros sinais estão na redução dos estoques globais - que atingiram o nível mais baixo desde 1980 - e na conseqüente elevação dos preços em escala mundial. Em maio de 2008, em Berna, na Suíça, representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), do Banco Mundial (Bird) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) avaliaram a crise e concluíram que a redução da oferta de alimentos deve ser debitada à falta de investimentos no setor agrícola, aos subsídios da União Européia e dos Estados Unidos, assim como às condições climatológicas e à degradação ambiental.

Some-se a isso a forte expansão econômica dos países em desenvolvimento - que passaram a incorporar novos consumidores ao mercado - para se ter uma idéia do tamanho do desafio a ser enfrentado nos próximos anos. "Atualmente, 1,1 bilhão de pessoas vivem com menos de 50 centavos de dólar por dia", calculou John Beddington, conselheiro-chefe para Assuntos Científicos do governo britânico, que esteve no Brasil em março, no encerramento do Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Inovação. Ele apresentou dados de estudos para demonstrar que, com uma renda equivalente a 1 libra por dia, é possível ter acesso apenas a produtos agrícolas básicos, mas, se a renda aumentar 50%, cresce o consumo de lác- Em 2050, o planeta terá 11 bilhões de habitante se a oferta de alimentos teos e carnes, assim como a demanda por grãos utilizados em ração animal. "Com mais de 5 libras diárias, é possível começar a consumir commodities e os preços subirão", advertiu.

A busca de solução para a falta de alimentos exige medidas urgentes: em 2050, o planeta terá 11 bilhões de habitantes e a oferta terá de dobrar. Não existem mais áreas agricultáveis extensas na América do Norte e na Europa. Os dois continentes apostam forte na alternativa tecnológica e ainda insistem na manutenção do subsídio aos seus produtores, disposição que contribuiu para o fracasso da Rodada de Doha, oficializada no final de julho. O Brasil já começa a sofrer pressão mundial para, no futuro, suprir parte dessa demanda, ao mesmo tempo que investe pesado para garantir uma posição de liderança no mercado mundial de energia limpa e ampliar a produção de etanol.

CANA X ALIMENTOS Um estudo realizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pedido do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), concluiu que o país poderá, até 2025, atingir um patamar de produção anual de 200 bilhões de litros de etanol - volume suficiente para abastecer algo entre 5% e 10% de toda a gasolina consumida no mundo -, desde que multiplique por sete a área plantada de cana-de-açúcar. As regiões de expansão também já foram mapeadas: somam, ao todo, 42 milhões de hectares em 17 áreas nas regiões do norte do Tocantins, sul do Maranhão, Mato Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro.

A expansão das lavouras de canade-açúcar não comprometerá, necessariamente, a produção brasileira de alimentos, segundo Brancolina Ferreira, pesquisadora da área de Desenvolvimento Rural do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O país tem 152,5 milhões de hectares agricultáveis, pouco mais da metade plantada, e a cana ainda ocupa cerca de 6 milhões de hectares. "É possível conciliar a produção de alimentos com a de agrocombustíveis", reconhece Brancolina.

O governo federal, aparentemente, está orquestrando as duas empreitadas: investe pesado no desenvolvimento de novas tecnologias, na produção e no marketing do agronegócio - principalmente o dos bicombustíveis - e no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Em julho, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Plano Safra Mais Alimento, coordenado pelo MDA, que destinará R$ 13 milhões para o Pronaf no período 2008/2009. "Estamos convencidos de que a China vai comer mais, a Índia vai comer muito mais, a América Latina vai comer muito mais e que a África vai comer muito mais. Então, não podemos continuar com a mesma produtividade. Temos que plantar mais. Nós temos terra, temos sol, temos árvores e temos mais conhecimento da tecnologia da agricultura tropical", disse o presidente.

PLANO SAFRA A agricultura familiar responde por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros e sua produção corresponde a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no país. O Plano Safra Mais Alimento tem como meta aumentar em 18 milhões de toneladas a produção de alimentos até 2010. Dispõe de uma linha de crédito no valor de R$ 6 bilhões para investimentos na infra-estrutura produtiva, como compra de máquinas, equipamentos, correção de solos, irrigação, armazenagem, entre outros. Até 2010, segundo prometeu o governo federal, esse valor chegará a R$ 25 bilhões, beneficiando um milhão de produtores familiares. O limite de crédito por produtor é de R$ 100 mil, com prazo de até dez anos para pagamento, carência máxima de três anos e juros de 2% ao ano.

"Não é mais aceitável ver na televisão um companheiro jogando uma sementinha no chão com a mão e puxando a terra com o pé. Essa idéia da cultura de subsistência tem que acabar. Nós temos que dar às pessoas capacidade de produzir", disse o presidente. Para tanto, o governo assinou um termo de cooperação com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Implementos (Abimaq) que assegura redução de até 17,5% nos preços dos tratores, máquinas e implementos agrícolas.

O Plano Safra Mais Alimentos prevê, ainda, a ampliação do serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater). Os recursos destinados ao serviço saltarão de R$ 168 milhões para R$ 397 milhões e a rede de técnicos em campo será ampliada de 20 mil para 30 mil. Fernando Kubota, filho de imigrantes japoneses, com uma propriedade de agricultura familiar no Núcleo Rural de Chapadinha, em Brazlândia, no Distrito Federal, foi o primeiro agricultor a assinar um contrato da linha de crédito do Mais Alimento. Comprou um trator de 75 cavalos, no valor de R$ 68,2 mil, e um arado, por R$ 8,2 mil.

Graças ao acordo do governo com os fabricantes, o agricultor vai gastar R$ 10 mil a menos do que se pagasse o preço de mercado. O financiamento foi feito pelo Banco do Brasil e será pago em oito anos, com um ano de carência e juros de 2%. "Já perdi muita colheita porque dependia de um trator emprestado", diz Kubota. A família de Kubota chegou ao Brasil na década de 1960 e instalou-se em Cotia, no interior do Estado de São Paulo, em uma pequena propriedade que, no início dos anos 1970, foi devastada pela geada.

DOBRAR A PRODUÇÃO Em 1974, a família aventurou-se pelo Centro-Oeste e, 15 anos depois, conseguiu comprar uma chácara em Brazlândia. Mais ou menos nessa época, Fernando comprou uma propriedade vizinha à do pai, no Núcleo Rural Chapadinha. Com os novos equipamentos adquiridos com créditos do Mais Alimento, a sua família tem planos de dobrar a produção de hortaliças, morangos e goiaba que, atualmente, gera uma renda de aproximadamente R$ 100 mil por ano.

A família de Fernando Kubota, no entanto, representa uma parcela da mão-de-obra agrícola no país que, com o apoio do Pronaf, tem acesso à tecnologia e ao mercado. "Mas boa parte dos produtores rurais ainda vive numa situação de acesso precário ou sem acesso à terra e ao mercado", ressalva Fernando Gaiger Silveira, pesquisador do Ipea. Metade dessas famílias está no semi-árido nordestino e na região Norte, com atendimento pela Previdência Rural e pelo Bolsa Família. "A principal demanda desse grupo de pessoas, no entanto, é o acesso à terra", diz ele.

Nas contas de Brancolina, mais de 150 mil famílias ainda permanecem em acampamentos precários e não há solução para os problemas da concentração fundiária, da falta de apoio oficial e até da violência e da impunidade. "Grande parte desses impasses poderia vir a ser superados pela retomada das desapropriações e pela aceleração de mecanismos de obtenção de terras para novos assentamentos, cumprimento de compromissos de assentamento preferencial de acampados, entre outros", sugere.

DESAPROPRIAÇÕES Entre 2003 e 2007, a maior parte das terras para a criação de novos projetos foi obtida por meio de ações de reconhecimento, discriminação e arrecadação. "Assim, tem havido constante decréscimo das áreas desapropriadas", diz ela. Entre 2003 e 2006, apenas 5% das terras utilizadas em novos projetos foram desapropriadas e, em 2007, essa parcela correspondeu a pouco menos de 10%.

Em 31 de dezembro de 2007, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tinha sob sua responsabilidade 7,9 mil projetos de assentamentos com uma área total de 77,8 milhões de hectares, onde estavam instaladas 701 mil famílias. Cerca de 40% dessas famílias foram assentadas em projetos criados a partir de 2003; as demais tinham sido assentadas em projetos criados em anos anteriores. "A maior parte das famílias ainda não está preparada para ser emancipada, ou seja, poucas estão aptas a seguirem em frente, tornarem-se independentes da tutela do Incra e começarem a ressarcir o Estado dos custos da terra recebida", afirma Brancolina.

No ano passado, foram assentadas 66,9 mil famílias, abaixo da meta de 100 mil assentamentos estabelecida pelo MDA e mais distante ainda do número de 150 mil famílias inscritas no Programa Nacional de Reforma Agrária. "Esse resultado frustrou ainda mais as expectativas dos trabalhadores rurais sem terra em relação à reforma agrária", diz ela.

Para resolver todas as pendências de infra-estrutura dos projetos de assentamento criados entre 1985 e 2006, ela estima que seriam necessários R$ 8 bilhões. Do total de famílias assentadas, 85% não contam com licenciamento ambiental - "uma co-responsabilidade da União e dos estados" -, o que, na prática, abria ao agricultor a possibilidade de acessar créditos bancários. "Há carência também de assistência técnica, de redes de abastecimento de água potável, de energia elétrica e de estradas trafegáveis", acrescenta.

PROMESSAS PRÉ-ELEITORAIS Para Brancolina, a política agrária do governo federal se afastou das promessas préeleitorais, ficando distante das metas de assentamentos estabelecidas. "No apoio à agricultura familiar, sobressai o crescimento dos recursos disponibilizados, a cada ano, pelo Pronaf-Crédito, mas que ainda não conseguiu equacionar algumas questões básicas, tais como atender plenamente aos assentados pela reforma agrária e estabelecer uma estratégia eficiente para alavancar o desenvolvimento dos agricultores mais pobres", analisa.

Os números coletados mostram, segundo Brancolina, que o programa de reforma agrária caminha a passos muito lentos. A razão, na avaliação de Gaiger, está no foco estratégico da atual política agrícola do governo. Nos anos 1980, a formulação da política agrícola baseava-se na antinomia pequena propriedade versus latifúndio. Hoje, a oposição está entre agroindústria versus agricultura familiar. E a mudança não é apenas conceitual. "Houve um esvaziamento do caráter político e fundiário da reforma agrária", analisa Gaiger, enfatizando que o foco da política atual deslocou-se para a questão da produtividade, do crédito, da tecnologia e da assistência técnica. "A questão fundiária foi perdendo espaço", adverte.

Algumas medidas adotadas pelo governo, parecem apontar na direção contrária. O projeto de lei de conversão da Medida Provisória (MP) 422, já aprovada pelo Senado e aguardando a sanção presidencial, permite ao Incra titular diretamente, sem licitação, propriedades da Amazônia Legal com até 15 módulos rurais, ou 1,5 mil hectares, e corre o risco de estimular a grilagem de terras, adverte Brancolina. "Para o MDA, a aplicação dos dispositivos da MP 422 permitirá ampliar o número de propriedades regularizadas na Amazônia e coibir a grilagem de terras públicas, estimando que, potencialmente, poderão ser beneficiados cerca de 90% dos posseiros da Amazônia. Os ambientalistas, no entanto, argumentam que, de fato, a medida deve estimular a grilagem de terras na região e a repartição entre 'laranjas' de áreas que excedam 15 módulos fiscais, possibilitando a regularização de vastas áreas", ela pondera.

O resultado poderá ser o aumento da tensão e do conflito. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), nas últimas quatro décadas, foram assassinados 20 trabalhadores rurais, lideranças sindicais e sem terra, religiosos e ativistas somente no Estado do Pará. Nesse período, apenas seis mandantes foram julgados e condenados pela Justiça paraense. Nenhum, no entanto, permanece preso.

Para Gaiger, os agricultores do semi- árido ou da região Norte - que não estão na mira no Pronaf - demandam terra, assistência técnica e educação de jovens e adultos. Vivem premidos pelo agronegócio e, no caso dos do Norte, ainda têm que compartilhar a responsabilidade pelo desmatamento. "O que eles precisam é de cidadania", resume. A presença do Estado - na forma do programa Bolsa Família -, por exemplo, é bem-vinda, mas não é suficiente para dar fôlego à economia de subsistência, diz. "É preciso reorganizar o espaço agrário. E isso é muito mais do que fazer reforma agrária ou implementar o Pronaf."

 
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