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Cidades - Uma tragédia anunciada

2009 . Ano 6 . Edição 47 - 19/02/2009

Por Gilson Luiz Euzébio, de Brasília

A tragédia que resultou na morte de 128 pessoas em Santa Catarina, em decorrência das fortes chuvas no final de novembro, demonstra a necessidade de ações urgentes do poder público para proporcionar à população, principalmente às camadas de baixa renda, moradia com qualidade e segurança. O problema, como previsto, ampliou-se nos dois meses seguintes, atingindo Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais. Deixou atrás de si um rastro de destruição, que promete de espalhar por outras regiões do País até o fim do período chuvoso. As causas são conhecidas: sem renda suficiente para adquirir a casa própria nem para alugar um imóvel regularizado, grande parte da população é empurrada para as periferias das grandes cidades e localidades inadequadas para a moradia, onde convivem com o perigo de deslizamentos de encostas e inundações.

Os deslizamentos provocam maior número de vítimas fatais, enquanto as inundações causam maiores prejuízos econômicos. Por isso, o Ministério das Cidades decidiu dar prioridade ao apoio a ações de prevenção nos municípios com maior risco de deslizamento, explica o diretor de Planejamento Urbano do Ministério, Celso Santos de Carvalho. São 100 municípios com populações morando em localidades de alto risco distribuídos em oito estados, entre eles os quatro já atingidos. Os outros são Pernambuco, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Alagoas.

O Programa de Prevenção de Riscos de Deslizamentos em Encostas, instituído em 2003, está estruturado em três partes: capacitação técnica de equipes municipais para identificar riscos e traçar políticas preventivas em parceria com a defesa civil - mapeamento dos riscos e proposta de solução, e elaboração do plano de obras. O Ministério já investiu R$ 1,272 milhão no treinamento de mais de três mil técnicos e R$ 6,9 milhões no mapeamento de risco em 66 municípios, informa o diretor. Boa parte deles ainda não concluiu o trabalho e apenas 15 chegaram à fase de elaboração do projeto de obras. Nesses projetos, o Ministério investiu R$ 2,975 milhões.

FALTA DE RECURSOS A partir daí, para fazer a obra e eliminar o risco, o prefeito tem que buscar dinheiro em outras fontes ou investir recursos dos cofres do município, porque o Ministério das Cidades não dispõe de recursos para obras de prevenção. Mas o governo federal é responsável pelo Programa de Urbanização de Favelas, uma das finalidades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com dotação de R$ 12 bilhões. O projeto de urbanização, que se propõe a oferecer espaços urbanos com infraestrutura adequada, e a produção de habitação de boa qualidade, é uma solução mais abrangente do que a prevenção, reconhece Carvalho. Mas se Santa Catarina, por exemplo, tivesse adotado um plano de prevenção teria como diminuir muito as consequências do desastre, que atingiu 1,5 milhão de pessoas, deixou 78 mil desalojados ou desabrigados e levou 63 municípios a decretar estado de emergência.

Em Pernambuco, 13 municípios da Região Metropolitana de Recife, junto com os governos do estado e federal, implantaram o programa de prevenção e obtiveram bons resultados. "Tínhamos, todo ano, de 20 a 25 mortes naquela área. De 2005 para cá ocorreram cinco mortes", ressalta arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para assuntos de moradia e ex-secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. Na época, lembra, o governo ofereceu o mesmo tipo de apoio a Santa Catarina, que, junto com Minas e Rio de Janeiro, tinha histórico de maior número de mortes. O caso de Recife é exemplar, porque os parlamentares do Estado, independente de partido, decidiram apresentar emendas conjuntas ao Orçamento da União, destinando recursos às áreas de risco.

Em Belo Horizonte a prefeitura retirou as pessoas das áreas de risco há cinco anos, por imposição do Ministério Público, conta Ermínia Maricato, ex-secretária executiva do Ministério das Cidades. Em 1990, houve também uma grande remoção de famílias em São Paulo, depois da morte de 14 pessoas. "Se tivesse sido um processo continuado, não teríamos mais problema", comenta. A questão básica é a ocupação do solo de forma desordenada, sem qualquer controle ou regulação, fenômeno que se acentuou a partir da década de 1970, com o maior ritmo de urbanização do País. "Com a crise econômica nos anos 1980 e 1990, parte da população que migrou do campo para a cidade foi empurrada para as favelas e áreas inadequadas para a moradia, explica Celso Carvalho.

AÇÕES PREVENTIVAS Raquel Rolnik defende a adoção de medidas de prevenção para preservar a vida da população que já está em área de risco. No caso de Santa Catarina, houve uma concentração de chuva excepcional. "Não podemos controlar o volume de chuvas, mas os seus efeitos sobre a vida das pessoas, sim. As mortes poderiam ser evitadas", afirma. "Temos técnicas de formulação de políticas públicas para prevenir mortes e recuperar essas áreas".

O ideal, reconhece Carvalho, seria evitar que as famílias se instalassem em áreas de risco ou inadequadas para moradia. Nas localidades com declividade forte, é natural a ocorrência de desabamentos de encostas em época de chuva. Quando as pessoas cortam a vegetação e fazem ruas para instalar a área onde pretendem morar, a probabilidade de acidentes aumenta. O risco é maior ainda quando se trata de ocupação irregular ou favela, porque as construções são mais frágeis e não há coleta de lixo nem esgoto, fatores que agravam a situação. "Não é à toa que a maioria das vítimas de escorregamentos são os mais pobres", diz ele. que se trata também de um problema social.

Há 30 anos, a ocorrência de morte por deslizamento de terra era "um fenômeno muito raro", conta Ermínia Maricato. "Hoje, em todo período de chuva tem morte por desmoronamento", comenta. É a conseqüência da ocupação desordenada do solo: "A ocupação não regulada do solo é predominante nas cidades brasileiras". No Rio de Janeiro, segundo ela, 50% dos imóveis são irregulares, situação que se agrava nas regiões Norte e Nordeste. A falta de controle está institucionalizada no país e uma ação mais severa da prefeitura pode agravar o problema social: "Se a prefeitura olhar a legalidade, expulsa os pobres, o pobre não cabe no mercado formal".

A solução, na opinião de Raquel Rolnik, passa pelo planejamento do uso e ocupação do solo, com políticas efetivas de habitação social, que assegurem à população o direito à moradia, conforme está previsto na Constituição e no Estatuto da Cidade, de 2001. "O Estatuto deu instrumentos para a prefeitura intervir no mercado do solo para garantir habitação à população de menor renda", afirma. A nova lei prevê, por exemplo, a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de forma progressiva sobre áreas vazias ou subutilizadas que estejam em locais com infraestrutura. Esses imóveis estão sujeitos, ainda, à edificação e ao parcelamento compulsórios, de acordo com a destinação prevista para a região pelo Plano Diretor. Cabe ao Plano Diretor de cada município estabelecer os critérios para o cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana e também definir os locais adequados à construção de moradias seguras. Mais de 1,5 mil municípios, segundo Rolnik, fizeram o Plano Diretor até 2006, prazo estipulado pela lei.

ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA O avanço ainda não foi sentido na prática. Com a taxação progressiva, as prefeituras poderiam tornar onerosa a retenção especulativa de imóveis urbanos. Mas o imposto no Brasil assim como nos demais países da América Latina, é muito baixo, entre 1,4% e 1,5%, enquanto nos países desenvolvidos a tributação está em torno de 4%, de acordo com diretor do programa para a América Latina e Caribe do Lincoln Institute of Land Policy Martin Smol. A publicação Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constata que existem mais de cinco milhões de moradias vagas nas áreas urbanas brasileiras, e ao mesmo tempo há um déficit habitacional de 6,4 milhões.

"Os países latino-americanos têm um problema sério de baixa tributação dos imóveis urbanos", afirmou Smolka durante palestra "Características do funcionamento do mercado de terras na América Latina - relevância para políticas urbanas", realizada no Ipea. Na avaliação do especialista, embora pareça paradoxal, o aumento da tributação beneficia os pobres, porque derrubaria os preços dos imóveis - mais altos na América Latina do que nos países desenvolvidos - e desestimularia a retenção de áreas, propiciando habitação de qualidade para milhões de famílias.

"Nós temos uma máquina de produzir exclusão e não temos nenhuma política forte do governo federal e estadual para obrigar os municípios a intervir no mercado de terra", afirma Raquel Rolnik. Para ela, os repasses de recursos aos municípios deveriam estar condicionados à implantação de políticas sociais de habitação, única forma de dar acesso à moradia à maioria da população.

Os programas habitacionais, explica, mesmo os destinados à baixa renda, privilegiam aqueles que têm renda mais elevada. Embora reconheça que o crédito subsidiado ampliou o mercado, a urbanista destaca que 80% do déficit habitacional estão na faixa de até três salários mínimos. São famílias que não têm como pagar o financiamento, mesmo com juros subsidiados. E não adianta forçar. A atual crise econômica, lembra, teve origem exatamente no crédito imobiliário concedido a quem não tinha capacidade de pagamento. Uma opção pode ser o estímulo ao mercado de aluguel social, com a destinação dos imóveis desocupados nas regiões centrais das cidades à moradia

"O aluguel social seria uma opção interessante", afirma a coordenadora de Estudos Setoriais do Ipea, Maria da Piedade Morais, que está trabalhando numa pesquisa sobre habitação precária no Brasil. E acrescenta: "Só entra nos programas quem tem capacidade de pagamento. Você precisa ter uma poupança prévia ou ter capacidade de endividamento". Os programas com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), de acordo com a publicação do Ipea, tiveram desempenho satisfatório em 2005 e 2006, e a maior parte dos investimentos foi destinada à população mais pobre. "É preciso lembrar, porém, que o volume de recursos alocados à habitação social é bastante pequeno diante do enorme déficit habitacional", destaca Piedade. A execução do orçamento do Programa de Habitação de Interesse Social foi de 2,04% e de 1,49% naqueles anos.

MAIOR INTEGRAÇÃO Não é possível, no entanto, solucionar o problema de moradia e de riscos de desastres apenas com política habitacional: é preciso maior integração da política habitacional com os programas sociais, para oferecer também oportunidade de trabalho e renda à população pobre em locais onde possa morar com segurança, recomenda Piedade. O presidente do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea), Marcos Túlio de Melo, lembra que é obrigação das prefeituras fiscalizar a ocupação do solo, para que não haja habitação em área de risco ou mesmo inadequada à moradia, mas somente algumas prefeituras têm mapeamento de risco de seu território. "Nós estamos com um problema grave de moradia e de adequação às condições de salubridade, conforto e segurança", afirma.

As prefeituras têm que fazer o mapeamento das áreas sujeitas à inundações e a riscos geológicos e manter a fiscalização. "Não permitir a ocupação é função do poder público", diz. As famílias que estão nessas áreas têm que ser retiradas, mesmo que não queiram. Para Diana Motta, pesquisadora do Ipea, onde for possível a prefeitura deve investir em infraestrutura e urbanização para levar à comunidade serviços básicos como saúde e educação. A urbanização implica inclusive a redução da violência. E a retirada dos moradores de área de risco deve se dar com envolvimento da própria comunidade.

DEFESA CIVIL Todo ano milhões de famílias brasileiras são atingidas por catástrofes. "Nós temos inundações, deslizamentos de encostas, seca, furacão. No Hemisfério Sul não tem país mais afetado por desastres do que o Brasil", afirma o coronel Sergio José Bezerra, coordenador-geral do Departamento de Minimização de Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil, órgão do Ministério da Integração Nacional. No início de 2008, 1,2 milhão de pessoas foram afetadas pelas enchentes em todo o País, de acordo com os registros da Defesa Civil. No final do ano, só em Santa Catarina foram mais 1,5 milhão. É um fato que se repete há muitos anos e tende a aumentar. Mesmo assim, o Brasil não dispõe de um sistema de defesa civil com a estrutura necessária para dar resposta a esses fenômenos.

É responsabilidade dos municípios administrar o uso do solo e investir na prevenção e na preparação para a eventualidade de um desastre. Mas o quadro desolador que emerge no cenário do desastre denuncia a omissão da maioria dos prefeitos. "Vê-se omissão do poder público na ocupação desordenada do solo, na ausência de sistema de alerta adequado, no tempo de resposta muito grande, em inúmeros problemas. O desastre mostra em que pé está o País, o Estado, o município. Quando acontece, toda desorganização, toda falta de planejamento, de dificuldade de educação, toda desinformação são colocadas à vista. São inúmeras pessoas batendo cabeça, inúmeras instituições com dificuldade de gerenciar o desastre", afirma Bezerra.

Isso pode ser constatado nas mais diversas cidades: "Em Santa Catarina, faltou prevenção. Eu andei por lá e verifiquei que tem uma ocupação desordenada de alguns morros. Blumenau é um exemplo claro disso. As pessoas desafiam a lei da gravidade, assim como muitas pessoas no Rio de Janeiro", relata o coordenador. O desafio pode custar muito caro: quando acontece o desastre, as famílias perdem tudo, muitas vezes até a vida. E enfrentam o drama de viver de favor em casa de parentes ou num abrigo público, o que costuma levar à desagregação do núcleo familiar. A situação "só não é pior do que a guerra", salienta.

De fato, os efeitos do desastre se multiplicam por todos os setores e afetam a vida de todas as pessoas da região, mesmo daquelas que moram em áreas seguras. Mas, ao longo da história, o Brasil tem destinado poucos recursos à identificação de ameaças e para "apoiar estratégias sustentáveis de gestão de risco", de acordo com relatório da Secretaria Nacional de Defesa Civil. As Nações Unidas, segundo Bezerra, estimam que as ações do Estado, depois de ocorrido o desastre, custam sete vezes a mais do que seria necessário à prevenção. Só recentemente, o Brasil começou a dar alguns avanços: o Decreto 5736, de fevereiro de 2005, tratou da organização do Sistema Nacional de Defesa Civil, formado por um conselho nacional (integrado por todos os ministérios), uma secretaria para fazer a articulação e coordenação, coordenadorias regionais, estaduais e municipais, além de núcleos municipais com a participação da comunidade.

FALTA DE ESTRUTURA Falta dar efetividade ao sistema, com maior aporte de recursos ao mapeamento de riscos e a atividades de prevenção e, sobretudo, a conscientização de prefeitos e políticos. Segundo Sergio Bezerra, houve alguns avanços: em 2003, apenas 2,2 mil municípios tinham coordenadorias de defesa civil. Hoje, são 4.255. Mas essas coordenadorias não estão estruturadas nem preparadas para fazer o seu trabalho, enquanto o problema se agrava: "A incidência de desastres e seus impactos, em termos de perdas e danos humanos e materiais socialmente significativos, tem aumentado de forma vertiginosa a partir das últimas décadas do século passado", afirma documento da secretaria. Os países em desenvolvimento são os mais afetados por causa do aumento da população em áreas de risco e sem infraestrutura.

Entre 2003 e 2006, a Defesa Civil reconheceu 5.773 casos de situação de emergência ou de estado de calamidade pública nos municípios brasileiros, 1.517 por causa de chuvas. Outros 4.256 por causa de seca. De acordo com a secretaria, 596 municípios foram atendidos, em 2005, com a distribuição de água por carro-pipa. Em 2006, foram 439. Nos dois anos, mais de 2,3 mil municípios receberam alimentos para distribuir a vítimas de desastres.

No último mês de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 448, que libera R$ 1,6 bilhão para ações de socorro às vítimas das enchentes, metade desse dinheiro vai para Santa Catarina. A volumosa quantia, no entanto, não é nada se comparada ao prejuízo econômico, à destruição causada pela enchente e ao sacrifício de vidas e da saúde das pessoas. "Vamos levar muitos anos para reconstruir tudo", diz a deputada Ângela Amin (PP-SC), presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara. As enchentes, que atingiram também estados da região Sudeste no final do ano, mostram claramente, segundo ela, a necessidade de "amadurecimento de todos os setores".

"Precisamos refazer os conceitos de planejamento urbano para termos crescimento com sustentabilidade e respeito ao meio ambiente", afirma a deputada, que foi prefeita de Florianópolis por oito anos. Essa reformulação de conceitos, explica ela, não exige apenas uma nova postura das autoridades, mas também conscientização da população. A população exige do poder público, por exemplo, o asfaltamento de ruas sem pensar que o asfalto impede a absorção da água pelo solo e ajuda a propiciar alagamentos. O asfalto, defende ela, deveria ser restrito às pistas principais.

 
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