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América Latina - Ninguém estava dormindo

2009 . Ano 6 . Edição 48 - 10/03/2009

Por Pedro Henrique Barreto, de Brasília

A turbulência financeira internacional, que estourou no final ano passado, já mostra impactos na economia e no nível de vida da população em todos os continentes. No entanto, ao contrário de cenários adversos anteriores, a América Latina não foi pega de surpresa. Após um quinquênio de saltos concretos na distribuição de renda e em seus indicadores sociais, a região está mais bem preparada para lidar com os efeitos da crise. É o que garante Juan Carlos Feres, chefe da Unidade de Estatísticas Sociais da Divisão de Estatística e Projeções Econômicas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que faz parte da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele esteve no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para apresentar, em janeiro, seminário com base no relatório Panorama Social da América Latina, edição 2008. "Em outras crises, era como se a chuva tivesse nos atingido enquanto dormíamos", assegurou. "Nesta, também nos molharemos, mas se tomarmos as medidas corretas, não pegaremos resfriado".

Os países da América Latina conseguiram importantes avanços no desenvolvimento social nos últimos anos. Queda no desemprego, mercado de trabalho com mais qualidade, maiores investimentos em educação, saúde e infraestrutura vêm permitindo a diminuição da desigualdade entre os grupos mais ricos e os mais pobres na região. O Panorama Social traz dados que comprovam que o enfrentamento da pobreza está em ascensão em praticamente todas as nações. Em 2002, eram cerca de 221 milhões de pobres e indigentes (44% da população total) na América Latina mais o Haiti. Ao final de 2007, o número caiu para 184 milhões (34,1% da população total). O país que chegou à maior variação nesse período foi a Argentina: queda de seis pontos percentuais anuais.

EMPREGO A dinâmica que tem possibilitado a redução da desigualdade, segundo Feres, é reflexo do crescimento econômico sustentável, que está proporcionando significativa evolução do mercado de trabalho. "Houve aumento no número de assalariados nas áreas urbanas e na remuneração real em todos os setores, de baixa, média e alta produtividade. O emprego decente tem papel fundamental no compromisso de melhorar a distribuição de renda, e os países estão investindo nisso", afirma. O desemprego beirava os 11% da população em 2003. Hoje, está em 7,5%.

Entre os 17 países da América Latina, nove fecharam o ano de 2007 dentro da meta que se propõe a erradicar a fome e a miséria, o primeiro dos oito Objetivos do Milênio estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). São eles: Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, México, Nicarágua, Peru e Venezuela. A expectativa da ONU é que, até 2015, os 189 países que firmaram o pacto reduzam pela metade o percentual da população que sobrevive com renda per capita inferior a um dólar por dia.

O gasto público voltado para o social, sobretudo nas áreas de seguridade e assistência, também tem feito sua parte para melhorar o bem estar dos mais necessitados em toda a região. De acordo com a publicação da Cepal, os países vem subindo esse investimento social nos últimos anos e superaram a marca de 16% do total do Produto Interno Bruto (PIB) médio em 2007.

Feres relembra que essas iniciativas de proteção social têm papel prioritário no combate à pobreza. No caso brasileiro, ele citou o programa Bolsa Família, que tem ajudado a garantir renda imediata às famílias mais carentes. "A diminuição da desigualdade entre ricos e pobres depende da atuação do Estado, com políticas sociais que garantam educação, saúde e direitos básicos, como forma de gerar empregos e garantir a base para um crescimento econômico sustentável", explica.

CONSEQUÊNCIAS No entanto, o quadro positivo foi exposto a um duro golpe em setembro do último ano. A crise financeira sem precedentes nos Estados Unidos criou um ambiente de pessimismo e retração na economia mundial, ameaçando a continuidade deste cenário favorável construído pela América Latina. Uma das principais preocupações é a alta no preço dos alimentos. O seminário no Ipea mostrou que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de produtos alimentícios de consumo básico, no final de 2008, ficou acima do IPC geral em quase todos os países da região, exceção feita apenas à Argentina. Alimentos como arroz, soja e trigo tiveram grande aumento, que está tendo impacto no poder aquisitivo da população em todo o continente, principalmente entre os mais pobres.

A alta faz com que a luz amarela seja acesa na América Latina. Segundo projeção da Cepal, 11 milhões de pessoas serão impedidas de sair da linha da pobreza devido à inflação nos alimentos. "Este é um dos principais problemas dessa crise. Em nenhuma outra conjuntura negativa desse tipo tivemos um reflexo tão grande nos preços alimentícios, o que certamente vai deteriorar parte do que alcançamos nos últimos anos", assinala Feres.

A crise terá impacto diferenciado em cada país, mas os efeitos seguirão o mesmo eixo para todos. O mercado de trabalho será afetado, principalmente as ocupações informais, atingindo de forma mais severa os grupos mais pobres. As demissões crescerão e a probabilidade é que os salários reais fiquem estagnados. Além disso, pequenas e microempresas devem enfrentar escassez de crédito, o que vai impor barreiras ao crescimento econômico da região. A projeção é que ele fique em 1,9% em 2009.

GÊNERO E RAÇA Outro grande obstáculo para a transferência de renda na América Latina que poderá ser agravado com a crise é a disparidade de oportunidades sob a ótica de gênero e raça. Atualmente, o desemprego e a informalidade são mais elevados entre as mulheres, sobretudo nas localidades mais pobres. Em 2001, o Brasil tinha 54% de suas mulheres e 81% de seus homens em idade ativa com participação na atividade econômica. Em 2007, essa distância diminuiu muito pouco. O percentual masculino caiu um ponto percentual e o feminino passou a ser de 58%. "A atenção com essa dura realidade tem que ser reforçada em todos os países para que não entremos em um estágio ainda mais preocupante no futuro", aponta Solange Sanches, coordenadora da área de Gênero e Raça da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que participou do encontro no Ipea.

O Panorama Social da América Latina alerta que a crise econômica terá ressonância em atividades do mercado de trabalho que têm alta participação das mulheres: comércio, serviços financeiros, indústria manufatureira (principalmente a têxtil), turismo e emprego doméstico. Com um possível aumento da informalidade e queda na disponibilidade de recursos fiscais, a proteção social se tornará mais difícil, o que se traduz em uma pressão adicional para os lares mais necessitados.

Segundo Natália Fontoura, pesquisadora da Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) do Ipea, a região caminha para acabar com as desigualdades, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Ela lançou a publicação Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, 3ª edição, no final do ano passado, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas Para as Mulheres, do governo federal, e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas Para a Mulher (UNIFEM).

O relatório do Ipea traz dados de 1993 a 2007 sobre o Brasil e comprova que os indicadores sociais melhoraram. Mas quando é feito o corte de gênero e raça, fica claro que as políticas universais ainda não têm conseguido promover oportunidades iguais. "Quando comparamos anos de estudo, por exemplo, vemos que a média vem subindo, mas a distância entre brancos e negros ainda é a mesma. O mesmo ocorre com a participação no mercado de trabalho e nível salarial. Quanto a homens e mulheres, também vemos que elas ainda estão muitos passos atrás deles", afirma a pesquisadora.

A parte final da exposição no Ipea guardou um debate entre os presentes sobre as medidas que devem ser adotadas pelo Brasil e países vizinhos para se blindar da melhor forma possível dos arranhões provocados pela crise financeira mundial. Uma das preocupações imediatas é a manutenção dos níveis do gasto público social.

Mesmo com os avanços no último quinquênio, a estrutura e a distribuição de investimentos dessa natureza ainda não reúnem elementos suficientes para favorecer os mais pobres em tempos que flertam com a recessão. O Panorama Social indica que os seguros de desemprego precisam ser ampliados e programas de transferência de renda necessitam ter fortalecidos o financiamento, a cobertura e a institucionalidade.

O alerta é que os governos na América Latina, na hora de injetar dinheiro em melhorias sociais, continuam seguindo um padrão já tido como altamente perigoso. São gastos procíclicos, que dependem da evolução do PIB para se manter. "É um comportamento que tem que ser mudado. O reforço em programas de emprego e de proteção social é fundamental para que os grupos mais vulneráveis sejam protegidos em crises econômicas como essa", sustenta Renato Baumann, diretor do escritório da Cepal no Brasil.

Feres explica que este novo entendimento vem ganhando espaço entre especialistas no tema: o próprio mercado de trabalho, como base para frear os efeitos da crise. "Os governos podem encarar a turbulência como uma chance de melhorar as condições de empregabilidade. Colaborar com empregadores oferecendo subsídios e capacitar a mão de obra, para que a população esteja preparada quando crise terminar", diz. O índice mais alto de desemprego na América Latina está hoje na República Dominicana: 15,6%, segundo dados de 2007 da Cepal.

Ele citou o Chile, que recentemente adotou uma série de medidas anticrise focadas no mercado de trabalho. O pacote dará 20% da remuneração como subsídio ao empregador e mais 10% por cada nova contratação de unidade de mão-de-obra. "A reação do mundo empresarial foi bastante positiva e a expectativa é que os indicadores sociais fiquem mais bem protegidos a partir de iniciativas como essa", disse. Outro ponto lembrado pelo palestrante é que os governos devem se esforçar para manter o crédito oferecido às pequenas e microempresas, de modo a contribuir para a abertura de mais vagas de trabalho.

LONGO PRAZO Já as medidas de médio e longo prazos estão voltadas para a cooperação entre os países latinos e entre governo e sociedade. A publicação sugere que sejam firmados novos contratos sociopolíticos para se chegar a acordos fiscais mais solidários. Além disso, estabelecer estratégias de apoio aos países da região que apresentem maior vulnerabilidade social frente à crise. O relatório sustenta, também, que o desenvolvimento dos organismos multilaterais será imprescindível para ajudar no desenvolvimento mútuo das nações.

Segundo Renato Baumann, ainda não é possível medir a dimensão dos efeitos da crise econômica. Mas essa integração ajudará o continente latino-americano a se reerguer. "O impacto será diferenciado em cada país, mas estamos otimistas após o desenvolvimento obtido nos últimos anos", previu. "Se conseguirmos promover essas iniciativas de cooperação, temos tudo para voltar a crescer sustentavelmente após essa crise"

Uma das ações defendidas pelo documento apresentado no Ipea para que a economia volte a crescer após essa turbulência é o aumento da estrutura de tributos. Os governos terão menor receita, mas não poderão deixar cair o nível de arrecadação para que os investimentos sociais não sejam prejudicados. Comparada aos outros continentes, a média de 18% do PIB da carga tributária na região é mais alta apenas que a da Ásia. A exceção é o Brasil, que tem uma carga tributária das mais elevadas: 35% do PIB.

Um dado promissor para o futuro da América Latina é a transição demográfica. Os países caminham para uma considerável diminuição da população infantil e adolescente, fato que abre uma janela de oportunidades para que sejam realizados investimentos com maior foco na educação secundária, e não mais primária. "Este novo papel da educação será a chave para construir uma base mais sólida de capital humano em nossas sociedades, reduzindo as brechas sociais em uma velocidade maior", afirma Feres. Em mais da metade dos países, incluindo o Brasil, esta realidade já vigora.

A mudança será um importante aliado para que a nova agenda social da América Latina consiga atender com mais eficiência a juventude. "Vamos concentrar o foco em programas que combatam o abandono escolar, a violência juvenil, e que garantam direitos como o primeiro emprego. O diálogo permanente com a juventude é de fundamental importância para garantir um futuro cada vez mais igual entre nossos cidadãos", explica Feres.

 
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