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América Latina - É hora de cuidar dos vizinhos

 

2009 . Ano 6 . Edição 49 - 06/04/2009

Por Débora Carvalho, de Brasília

Sintomas da crise: o Brasil inicia o ano com déficit na balança comercial, o que não acontecia desde 2001. Lideranças da América do Sul retomam o debate em torno do reaquecimento do mercado regional, inclusive dispensando o dólar como moeda nas transações comerciais, com o propósito de reduzir os custos

Desde o agravamento da crise financeira mundial, além dos Estados Unidos, grandes economias como Alemanha, França, Reino Unido e Japão entraram em recessão. Esse cenário abriu caminho para um círculo vicioso que contamina também países já acostumados com ritmo estável de crescim

ento. Em meio à estagnação econômica, as nações desenvolvidas reduzem a compra de commodities e, consequentemente, quem as produz vende menos. No cotidiano da economia real, o Brasil está entre os que perderam negócios por causa da turbulência econômica.

O ano começou com más notícias. Em janeiro, foi registrado o primeiro déficit na balança comercial brasileira desde março de 2001. Além da queda de 20% nas exportações no primeiro mês do ano, o País comprou mais e a balança comercial fechou o primeiro mês de 2009 com resultado negativo de mais de US$ 518 milhões. O resultado se reverteu em fevereiro, quando houve superavit de US$ 1,76 bilhão. Até a primeira smana de março, o Brasil acumulava saldo positivo de US$ 1,41 bilhão, de acordo com dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

VIZINHOS Tanta animosidade torna mais difícil o comércio com os grandes compradores mundiais e tem feito o Brasil voltar os olhos para possibilidades na América Latina. O tema começou com o próprio ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Foi quem lançou a ideia de aquecer o comércio regional para reduzir os impactos da crise. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, os países da América Latina e Caribe importam 26% dos produtos vendidos pelo Brasil, sendo 90% deles industrializados.

Mas a pergunta é: como fazer isso considerando variáveis que vão desde a instabilidade econômica e política de muitos vizinhos até casos recentes de protecionismo dentro do Mercosul? Para o governo é mais trabalhoso negociar, mas vale a pena. Segundo o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Welber Barral, adaptar as características dos países vizinhos aos interesses divergentes de alguns estados brasileiros torna mais complexo o processo.

Entretanto, essa variedade de forças não chega a ser prejudicial. Tanto que hoje o Brasil tem acordos firmados com quase todos os países da América Latina, que é a saída mais importante para a produção industrial brasileira. A competitividade do que é produzido aqui aumenta ainda mais quando se consideram os custos de frete e logística. Barral explica que, apesar da preocupação com a balança comercial, neste momento, é importante para o País aumentar o comércio nos dois sentidos. Isso porque o Brasil é superavitário no fluxo comercial com quase todos os países da América do Sul, exceto a Bolívia, por causa da importação de gás natural. E, de acordo com o secretário, essa postura de superioridade absoluta na região não é exatamente positiva, porque faz crescer barreiras protecionistas em relação aos produtos feitos aqui.

A relevância do comércio local tem estimulado o governo a investir no assunto. Desde maio do ano passado, foi montado um grupo formado por agências públicas e iniciativa privada, sob a coordenação do MDIC, para aproveitar o momento e alavancar a economia nacional. Dois dos principais objetivos desse trabalho são aumentar a participação das exportações brasileiras no comércio mundial e a quantidade de micro e pequenas empresas que vendem a produção para o exterior. A meta do governo é conquistar até 2010 a fatia de 1,25% das exportações mundiais, o equivalente a US$ 208,8 bilhões. Para tanto, seria necessário um crescimento médio anual de 9,1% nas vendas externas. Além disso, planeja-se avançar 10% no número de micro e pequenas empresas exportadoras. Em 2006, eram 11.792.

DESONERAÇÃO Para que tudo isso saia do papel, o governo pretende começar desonerando quem exporta. Um exemplo é a eliminação da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) das operações de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além da redução de juros e prazos para financiamentos, entre outros. Outra alternativa, ainda em discussão, é a adoção do comércio na América do Sul exclusivamente em moeda local. A medida, que elimina a conversão cambial para o dólar, também reduz custo, pois diminui a demanda pela moeda norteamericana. Argentina e Brasil trabalham com esse sistema desde outubro do ano passado, mas o uso com outros países depende de adaptações legais e tecnológicas dos bancos centrais.

Segundo Barral, a ordem no governo para amenizar os efeitos da crise é melhorar o comércio em geral, mas a interação regional tem um diferencial qualitativo: é uma saída privilegiada para os produtos com valor agregado do Brasil, já que para grandes mercados o País exporta mais commodities agrícolas e metálicas. "O regional é importante, mas não queremos perder mercados grandes, como a União Europeia e os Estados Unidos, e também precisamos diversificar ainda mais para Ásia e África". Ainda na estratégia de lutar em várias frentes, o secretário considera um mito a afirmação de que acordos bilaterais com vizinhos atrapalham outras negociações, por exemplo, com o bloco europeu. "O problema não é o Brasil e o Mercosul, mas sim os outros blocos, como a Europa, que não querem assinar com medo da competitividade da indústria brasileira. Muita coisa não avança por isso", completa.

Especialistas concordam com o governo que aumentar exportações, independente do destino, é um bom remédio para qualquer economia. No entanto, alguns efeitos colaterais indesejáveis podem ser observados dependendo de como se faz. O professor e pesquisador Carlos Pio, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, explica que um caminho para diversificar os destinos da produção é o País definir que setores da economia podem ser abertos e, a partir disso, negociar contrapartidas com os parceiros. "Essa é uma maneira discriminatória, porque os privilégios são negociados politicamente e, na maioria das vezes, os acordos não se sustentam no longo prazo", afirma.

Sob essa ótica, no caso da América Latina, ficaria ainda mais complicado. Carlos Pio argumenta que a razão disso é o baixo interesse em se integrar a países que tem pouca perspectiva de crescimento como é o caso da maioria dos nossos vizinhos. "Bolívia, Argentina e Venezuela, por exemplo, têm economias mais protecionistas, menos pujantes e podem dificultar acordo com mercados mais atrativos", acrescenta o pesquisador. Se a estratégia é fazer acordos bilaterais ou regionais, para ele, o mais lucrativo seria se unir a economias com maior potencial importador.

LONGO PRAZO Na opinião de Carlos Pio, o caminho mais sustentável para o crescimento das exportações é fortalecer, em longo prazo, a produção nacional, tornando- a cada vez mais competitiva. Segundo ele, a receita seria: quanto mais eficiente, mais seriam mantidas as vendas externas, porque a escolha dos produtos brasileiros não se pautaria por acordos, mas sim pela vantagem que representaria ao importador. Um exemplo disso é a integração da China com outros países orientais. De acordo com o pesquisador, os chineses são considerados liberais no comércio, como se percebe nas taxas de importação, que não ultrapassam 3%, enquanto no Brasil chegam a 12%. Há menos regulação do governo em relação ao que as empresas compram e o comércio passou a ser pautado pelo princípio básico da eficiência.

A busca de uma receita duradoura de comércio é o que motiva ações, como a integração econômica e produtiva, com foco na especialização das cadeias produtivas. Para o presidente da Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex), Alessandro Teixeira, é importante investir em transferência de tecnologia. "O Brasil é o País central da região, é visto como liderança e precisa aproveitar isso para incentivar o aumento do comércio regional", acrescenta Teixeira.

A Apex é líder de um grupo de agências de promoção de exportações da América do Sul que trabalha em cooperação para aumentar o número de missões, feiras e projetos de integrar compradores e mídias da região. Segundo a agência, a América Latina já é o segundo maior parceiro comercial do Brasil e semelhanças na estrutura produtiva, na cultura e na acessibilidade do idioma aumentam ainda mais as possibilidades. Outra vantagem é o crescimento da renda de vizinhos, como o Chile. Além disso, lembra Teixeira, o consumidor latino, em geral, tem um perfil similar, o que facilita a adaptação dos produtos em relação a clientes como a União Europeia.

CALÇADOS O setor calçadista é um bom exemplo. Um grupo de grandes indústrias está fazendo investimentos diretos para fabricar os produtos na Argentina, o que levou mais competitividade ao mercado do país vizinho. Mesmo com a crise, empresas como Vulcabrás/Azaléia e Alpargatas pretendem manter a aposta no crescimento do mercado argentino. Diferente do que acontece no Brasil, a previsão é de aumento da capacidade produtiva e do número de funcionários. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Milton Cardoso, diz que a estratégia ajudou as indústrias a compensar a valorização do real frente ao dólar no Brasil, antes da crise. Isso porque o câmbio ao exportar a produção argentina era mais favorável.

Mesmo com tantas vantagens e com o esforço do governo Lula para ativar cada vez mais o comércio regional, a América Latina não pode ser vista como uma ilha, imune à desaceleração econômica que tomou conta de todo o mundo, causada pela crise financeira. Em muitos casos o exportador brasileiro não tem como aumentar mais sua presença na região. É o caso das exportações de calçados, que têm como principal destino a América do Sul. Em 2008, foram 62,8 milhões de pares vendidos aos países vizinhos, o que representa 37,92% do total exportado pelo Brasil. Em termos de faturamento, a participação sul-americana é de 26,5%, ou seja, uma receita de quase US$ 500 milhões.

A Argentina é a principal compradora, com 18,5 milhões de pares importados no ano passado. "Com a crise, a região também passa por problemas econômicos e há também fatores como a proteção dos mercados vizinhos", lembra Cardoso. Ele ressalta o exemplo da Argentina, que impõe um limite ao volume de pares importados do Brasil para proteger o parque industrial interno. "Mesmo sendo o maior cliente, não temos como aumentar a presença nesse mercado devido às normas internas", reconhece.

Na avaliação da Abicalçados, investir no comércio regional não é suficiente. O setor, segundo a entidade, está pressionado pela concorrência dos produtos asiáticos, principalmente chineses, que reduzem custos, por meio de relações de trabalho precárias, subsídios à produção de manufaturas e taxas de câmbio administradas. Segundo o presidente da entidade, com a crise, a situação tem se agravado e a indústria brasileira corre sério risco também no mercado interno. "Isto afetará grandemente as exportações, pois são os negócios do mercado interno que geram escala e competitividade para as vendas externas", alerta.

Para frear a perda de mercados, a sugestão da Abicalçados ao governo é reforçar a atenção à redução da carga tributária sobre o emprego industrial. A proposta é que os gastos pela indústria de transformação com salários e encargos sejam deduzidos do valor agregado para efeitos de tributação de PIS e Cofins. Para Cardoso, essa medida devolveria à manufatura o aumento de carga tributária causado pela alteração desses impostos, os quais, apenas para a indústria de calçados, representaram acréscimo de quatro pontos percentuais sobre a receita.

CETICISMO A crise tem estimulado também uma onda de ceticismo em relação ao desenvolvimento econômico da América Latina. Um dos maiores bancos canadenses, o Scotiabank divulgou uma avaliação pessimista diante da crise, estimando que a redução no comércio internacional vai esvaziar a contribuição internacional às vendas externas da região e que a fuga de investimentos estrangeiros será um baque para as economias abaixo da linha do equador. Como as commodities são a maior força da balança comercial dessas nações, os ganhos de países latinos vão depender dos preços internacionais desses produtos.

O consultor em análise de risco latino- americano e pesquisador do Centro de Política Exterior de Londres, Thiago de Aragão, também alerta para o potencial limitado da região, que, com a crise, pode ser ainda menor do que o esperado. "Falta demanda. Há incongruências muito grandes entre países com capacidades econômicas diversas", diz.

CAUTELA Os especialistas concordam que a turbulência econômica combinada com a desorganização interna de muitos países vizinhos se transforma em solo fértil para práticas protecionistas no comércio local. Isso já vem acontecendo entre Brasil e Argentina. A partir dos primeiros dias deste ano, o governo argentino decidiu investigar uma denúncia de que o Brasil estaria vendendo alguns eletrodomésticos a preços abaixo do custo de produção, prática chamada de dumping. Além disso, foram adotadas licenças não-automáticas para importação de cerca de 150 produtos brasileiros. Ou seja, para entrarem na Argentina essas importações precisam de licença do governo local. A postura argentina foi classificada por diversas autoridades brasileiras, inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como protecionista, e se falou até em recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os vizinhos.

Segundo levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), com base em dados do governo federal, mais de 40% do recuo nas exportações brasileiras em janeiro foi resultado da desaceleração do comércio na América Latina. Só as vendas para a Argentina caíram pela metade em relação ao mesmo período do ano passado, por causa da diminuição da importação de automóveis. Em janeiro de 2008, mais de 27% das vendas externas brasileiras tinham como destino países da América Latina e Caribe, mas em 2009 essa participação caiu para 21%.

E a tendência protecionista ultrapassa a fronteira regional. Ao lançar o pacote de US$ 787 bilhões para socorrer a economia norte-americana, o presidente Barack Obama inclui uma medida que obriga as empresas que se beneficiarem com a ajuda a comprar apenas de fornecedores norte-americanos, a chamada cláusula Buy American. O chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, Carlos Márcio Cozendey, explica que em nível mundial há uma tensão protecionista, motivada pela preocupação dos governantes em defender os empregos. Ele concorda que o momento de crise dificulta ainda mais o comércio regional. "Em longo prazo depende de desenvolver um movimento forte de demanda interna", completa. Para ele, o fechamento da Rodada Doha, a agenda de negociações que visa liberalizar o comércio mundial, é ainda mais importante agora. "Reforçaria o sistema multilateral, que é a forma como a produção mundial se organizou na última década. Além de ter status político diferente, podendo dar mais confiança diante das incertezas da crise", argumenta Cozendey.

Sobre o assunto, o secretário de Comércio Exterior do MDIC, Welber Barral, é taxativo quanto à postura brasileira de combate ao protecionismo. "É uma doença que se alastra e pode gerar efeitos danosos, principalmente, quando há retaliação. É ruim para todos".

 
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