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Protecionismo - O jogo perigoso do xadrez mundial

2009 . Ano 6 . Edição 49 - 06/04/2009

Por Gilson Luiz Euzébio, de Brasília

Pressionados pelas consequências de uma das piores crises econômicas de todos os tempos, governos se sentem tentados a impor barreiras alfandegárias e, com isso, levar o mundo à depressão. O que se discute agora é um novo paradigma para colocar em ordem a economia, com ênfase na questão social

A crise internacional promoveu uma espécie de volta ao passado em todo o mundo: os governos recorreram, no primeiro momento, a instrumentos clássicos, que pareciam condenados ao esquecimento, e fizeram profundas intervenções em suas economias na tentativa de diminuir o impacto da turbulência. A principal delas foi liberar recursos dos tesouros nacionais para bancos e grandes empresas, considerados os setores mais sensíveis, e que, em um primeiro momento, não produziu os efeitos esperados. Agora crescem as pressões políticas e da sociedade por medidas protecionistas, a começar pelos Estados Unidos. A política do "salve-se quem puder" coloca em xeque as relações comerciais entre as nações, em um cenário onde todos perdem. Os principais líderes mundiais sabem do risco que uma decisão destas pode provocar. Mas ainda não encontraram outro caminho para evitar a armadilha.

"Não é momento para ampliar, é o momento para persistir na derrubada de barreiras protecionistas", adverte o ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O Brasil tem defendido a conclusão da Rodada Doha de negociações, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), como resposta à crise. O acordo, em discussão há anos, além de abrir os mercados de produtos e serviços, propõe a limitação dos subsídios à produção.

Num momento de recessão, é difícil pedir aos países para abrir mercado, pondera Marcelo Piancastelli, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. "O mais correto, do ponto de vista econômico, nem sempre é viável do ponto de vista político", diz. No início de março, os líderes da União Europeia, em reunião extraordinária em Bruxelas, comprometeram-se a evitar o protecionismo e a intensificar as trocas comerciais dentro do bloco.

Os Estados Unidos também têm reafirmado o compromisso político de não usar a arma do protecionismo, mas não hesitaram em incluir no pacote de estímulo da economia dispositivo de reserva de mercado aos produtores locais de insumos, inclusive o aço, no qual o Brasil é mais competitivo.

PRESSÕES "O que a gente está assistindo, no momento, se pode chamar de uma tensão protecionista", explica o chefe do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores, ministro Carlos Márcio Bicalho Cozendey. Os governos têm que tomar medidas para combater a crise, com dinheiro público, e enfrentam pressões dos diversos agentes nacionais para privilegiar o produtor nacional que, afinal, é quem dá empregos aos seus trabalhadores, recolhe impostos e faz girar a economia interna.

"Tem havido preocupação em gastar esse dinheiro com as próprias empresas. Isso já gera um reflexo protecionista imediato, nem sempre na forma de barreiras clássicas, de tarifas, quotas, proibições. Na medida em que há recessão, existe sempre essa tentação", afirma Cozendey. É um perigo, principalmente, porque as normas do comércio internacional baseiam-se no respeito mútuo. "Os compromissos multilaterais de certa forma limitam o que [o país] pode fazer para dar vazão a esses instintos protecionistas. Então há certos limites, certos compromissos que têm de ser respeitados. Obviamente não existe nenhum superestado que obrigue qualquer Estado a cumprir. Isso vai funcionar enquanto todo mundo entender que é conveniente cumprir [compromissos multilaterais], enquanto não houver nenhuma grande violação do sistema", ressalta.

Para Fernando Ribeiro, economistachefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), à fragilidade dos compromissos internacionais soma-se o desgaste de instituições, como OMC, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (Bird). "Não temos hoje uma governança internacional, uma estrutura que dê aos países condições de trabalhar em conjunto", afirma. Antes mesmo da crise, a OMC já vinha com dificuldade para concluir a Rodada Doha. "Enfraquecida, a única coisa que a organização pode fazer é alertar que o protecionismo fere as regras do comércio internacional", diz.

"Os países passaram a dar menos importância às normas internacionais", ressalta Ribeiro, que acredita que a escalada protecionista é inevitável. "Infelizmente, a tendência é que a situação se deteriore. À medida que a recessão vai se aprofundando, vamos ouvir falar muito em protecionismo ao longo de 2009", prevê. "A retórica de todo mundo é essa [contra o protecionismo]," afirma, mas na prática predomina o senso comum de que cada país tem que defender sua economia, de forma isolada. "É errado, porque todos estão no mesmo barco."

PERDAS "A OMC, neste momento, poderia no máximo dar alguma opinião", concorda José Augusto de Castro, vicepresidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "É o salve-se quem puder, infelizmente". Os países em desenvolvimento estão perdendo com a queda nos preços dos produtos agrícolas e também com o encolhimento do mercado e falta de crédito. "Vão ter que apelar para o protecionismo", acredita. A Argentina, por exemplo, não tinha saída a não ser impor restrições aos produtos brasileiros e tentar reverter o déficit comercial. "Isso vai acontecer na África, na Ásia", prevê. Castro lembra que, na época do Plano Real, o Brasil fez o mesmo com a Argentina. "O protecionismo vai voltar com mais força do que os subsídios do passado. Infelizmente, a tendência é essa". O fato é que todos estão perdendo mercado: "O mundo todo quer exportar e ninguém quer importar."

Isso está acontecendo por causa da fragilidade das instituições multilaterais e da falta de uma nação que pudesse coordenar o processo de recuperação da economia mundial. Os Estados Unidos, que seriam o líder natural, estão "no epicentro da crise", lembra Ribeiro. A China enfrenta problemas na convergência de sua economia para os padrões internacionais de comércio. De acordo com Castro, a crise pegou a China com vultosas reservas, o que lhe permite financiar suas exportações e ganhar mercado numa época de crédito restrito: "Quem oferece crédito vende, e a China tem financiamento."

ALTERNATIVA A única esperança é que o G-20 (grupo das maiores economias mundiais) assuma a coordenação. "Eu, particularmente, acho difícil", diz Ribeiro. Enquanto isso, todos estão alertas para identificar violações das regras de comércio praticadas pelos outros. O Brasil redobrou as atenções para combater as ameaças e tem reafirmado seu compromisso com o livre comércio. Mas não resistiu à tentação: em fins de janeiro, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior baixou portaria reinstituindo o mecanismo da licença prévia de importação, uma forma de controle sobre as compras de outros países. A medida foi revogada logo depois.

Esse tipo de medida, explícita, parece em desuso. Ao analisar os conjuntos de medidas anticrise nos diversos países, a OMC constatou que não foram adotadas muitas medidas protecionistas clássicas, como elevação de alíquotas e restrições à entrada de produtos, mas os pacotes de apoio a determinados setores podem conter subsídios que distorcem o comércio internacional. "Nós temos que ter atenção não só às barreiras clássicas, mas também aos programas de apoio", comenta Carlos Cozendey. Segundo Ribeiro, tem-se, hoje, o fenômeno do "novo protecionismo", bem mais complexo de investigar. São subsídios e apoio dos governos a determinados setores que distorcem as relações comerciais. "Isso pode ocorrer também no setor financeiro: se os governos condicionarem o apoio ao banco ao compromisso de emprestar localmente, poderia haver interrupção no fluxo internacional de investimentos, principalmente para os países em desenvolvimento", explica Cozendey.

A maior preocupação do Brasil, segundo ele, é com a possibilidade de o comportamento de um determinado país deflagrar uma onda protecionista, prejudicando o comércio mundial como um todo. "O ministro Amorim [Celso Amorim, das Relações Exteriores], quando critica o Buy American [proposta do presidente dos EUA, Barack Obama, para estimular a compra de produtos locais mediante o oferecimento de incentivos], não é só pelos prejuízos diretos que o Brasil possa ter, mas porque os Estados Unidos são um dos países líderes do comércio mundial. Se eles começarem a dar o exemplo, outros vão acompanhar", comenta.

RETALIAÇÃO As pessoas, quando pedem protecionismo, se esquecem do efeito retaliação: "É a medida do desespero", ressalta Ribeiro. Ele e Castro lembram que os países podem também alegar riscos do comprometimento do balanço de pagamentos, o que permite a imposição de barreiras protecionistas, dentro das regras da OMC.

Num momento de crise, o protecionismo é uma arma mantida pelos governos, enquanto aguardam uma melhor definição do cenário internacional. A tendência protecionista inicial "é natural" já que os países fizeram planos de apoio à economia, mas ninguém sabe o que vai acontecer, destaca o técnico de Planejamento e Pesquisa Roberto Messenberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Ipea: "Isso ainda está em jogo e vai ser decidido no plano político". Todos concordam que as lições do passado não recomendam o protecionismo como remédio contra a crise. Pelo contrário, o protecionismo prolonga e agrava a doença. "Na Grande Depressão [1929], essas políticas foram contraproducentes. Essa lição está presente e ninguém é a favor do protecionismo, mas ninguém quer descartar a arma", comenta.

O protecionismo na crise de 1929, segundo Marcelo Piancastelli, fez a recessão nos Estados Unidos durar dez anos. E agravou a situação de outras nações, que não puderam pagar aos Estados Unidos dívidas contraídas na Primeira Grande Guerra. A medida adotada na época provocou retaliações protecionistas de um grande número de países em todo o mundo. "O protecionismo privou os Estados Unidos de mercados antes conquistados e aprofundou a recessão. A França e a Itália impuseram tarifas para os automóveis americanos, Austrália e Índia impuseram novas tarifas para produtos americanos. O Canadá elevou suas tarifas três vezes. A Suíça boicotou importações americanas", relata Piancastelli.

"Isso é muito ruim, porque o comércio internacional é uma divisão internacional do trabalho", lembra o ministro Cozendey. A produção econômica depende das trocas internacionais, inclusive no suprimento de insumos e matérias primas para a indústria. "Se você interrompe isso, tem uma queda geral da própria capacidade de produzir, porque ninguém é totalmente autônomo", explica o chefe do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores. Além das regras da OMC, ele avalia que a própria internacionalização da economia, com a divisão internacional do trabalho, pode ser um freio ao protecionismo: "Hoje você tem os circuitos mundiais de produção, as empresas produzem uma peça, exportam para outro país e juntam (montam) e exportam para um terceiro. As empresas não podem simplesmente de uma hora para outra se desfazer de todos esses circuitos de produção."

OPOSIÇÃO Não foi à toa, afirma ele, que a própria associação das indústrias dos Estados Unidos, a National Association of Manufacturers, se pronunciou contra o Buy American. Boa parte das empresas locais e europeias incluem outros países em sua base de produção: "Planejam o produto, o desenho, fazem a logística e produzem na Ásia, Brasil, México, China" diz. A elevação de barreiras prejudicaria a produção das empresas do próprio país.

É preciso criar uma "nova arquitetura mundial", uma maior coordenação da economia internacional, para se contrapor à tendência a soluções individuais, afirma Messenberg. Na falta de coordenação, ele considera natural que cada país busque saídas isoladas e mantenha a ameaça de protecionismo como arma de negociação, já que o momento é de incertezas. Na opinião do ministro Mangabeira Unger, é preciso rediscutir questões mais profundas para criar uma nova ordem mundial. "A crise é o momento para andarmos mais com nossas próprias pernas, inclusive para a mobilização de poupança nacional privada e pública", aconselha. Ele explica: "O princípio é que o capital estrangeiro é tanto mais útil quanto menos se depende dele".

A crise internacional é, segundo o ministro, uma oportunidade para o Brasil ampliar e democratizar sua base produtiva. O sistema industrial brasileiro foi construído no século passado em reposta à crise de 1929 e à Segunda Guerra. "Agora temos uma segunda chance, não de instaurar indústria, que já temos, mas de avançar na nossa base produtiva, ter nosso lugar na economia mundial", afirma. Para Mangabeira, o debate internacional da crise tem sido dominado por questões superficiais, o apoio e regulação do sistema financeiro e medidas fiscais e monetárias expansionistas. "É o chamado keynesianismo vulgar", diz.

A questão fundamental, segundo ele, está nos desequilíbrios estruturais da economia mundial, que divide o mundo entre economias superavitárias em comércio e poupança, como a China, e as deficitárias em comércio e poupança, como os Estados Unidos. Nas últimas décadas, o crescimento da economia mundial tem sido um acerto implícito entre superávit e poupança chinesa e déficit e "despoupança" americanas: "Esse motor está destroçado. Nós não podemos consertá-lo. Precisamos substituí-lo".

BANCOS Outra questão fundamental é a reorganização da relação do sistema financeiro com a produção. A maior parte dos investimentos produtivos, segundo o ministro, são feitos com lucros das próprias empresas, e não com recursos do sistema financeiro. "Essa constatação suscita uma indagação perturbadora: para que então serve todo aquele dinheiro que está nas bolsas e nos bancos?" Mangabeira defende um novo desenho para o sistema financeiro, que passaria a efetivamente financiar os investimentos.

Uma nova organização da economia mundial, na visão do ministro, deve levar em conta ainda a redistribuição da riqueza e da renda para formar mercados de consumo em massa. "O mercado do consumo em massa exige a democratização do poder aquisitivo, o que requer redistribuição progressiva da renda e da riqueza", explica. Os Estados Unidos formaram um mercado de consumo em massa sem redistribuir renda, mas sustentado no endividamento das pessoas físicas tendo como garantia imóveis supervalorizados, modelo que resultou na crise econômica. "Precisamos insistir nos três grandes temas suprimidos do debate: a superação dos desequilíbrios na economia mundial, a reorganização entre sistema financeiro e produção, e o vínculo entre recuperação da economia e redistribuição da renda e riqueza", afirma.

"Não basta regular a economia de mercado, não basta contrabalançar as desigualdades geradas no mercado, recorrendo a políticas sociais. É preciso reconstruir o conteúdo institucional do mercado a serviço da inclusão e da ampliação de oportunidades", diz Mangabeira. "É isso que nos leva rumo ao novo modelo de desenvolvimento que queremos. O problema é que não está ensaiado nada que pareça com um novo modelo".

Os países da América do Sul podem aproveitar o momento para apontar um novo caminho para o desenvolvimento, com foco na economia real e na ampliação de oportunidades. O titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República esteve na Argentina discutindo ações conjuntas no enfrentamento da crise, nas áreas de agricultura, política industrial, ciência e tecnologia, educação e trabalho. "Nós não devemos nos contentar com o temário superficial e devemos tentar avançar na integração na economia mundial", comenta.

Toda essa discussão deve incluir também a questão da queda persistente da participação dos salários na renda nacional dos países. "Precisamos reverter essa queda como parte do esforço de escapar da presão em que estão as economias de renda média, como a nossa, espremidas entre economias de trabalho barato e economias de produtividade alta", sugere o ministro. "É preciso reconstruir o conteúdo institucional do mercado a serviço da inclusão e da ampliação de oportunidades. É isso que nos leva rumo ao novo modelo de desenvolvimento que queremos, e a crise é um momento privilegiado para essa reconstrução".

 
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