2006. Ano 3 . Edição 22 - 5/5/2006
A política de inovação é bem mais abrangente do que uma política de ciência e tecnologia - inclui educação, trabalho, impostos e custos competitivos
Por Lia Vasconcelos , de Brasília

Após participar da Conferência Global da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizada no mês passado, em Brasília, o diretor de ciência, tecnologia e indústria da organização, Nobuo Tanaka, disse, em entrevista a Desafios, que sem inovação não há crescimento. E que a criatividade mora nas pequenas e médias empresas. O encontro, aliás, tratou justamente do financiamento aos pequenos negócios. Mas, segundo Tanaka, para estimulá-los é preciso cuidar das pessoas, desregulamentar a economia e fazer mais, muito mais. A boa notícia é que os países estão se dando conta dessas necessidades.
Desafios - Por que o Brasil foi escolhido para sediar essa reunião da OCDE? Tanaka - Porque sabemos que as dificuldades das pequenas e médias empresas são muito maiores em países em desenvolvimento. E que é justamente nesses países que elas podem ter papel mais importante. O Brasil foi escolhido por ter uma política para pequenas e médias empresas comparável à de países mais ricos. Esse evento é uma reunião comparativa para identificar o papel que pequenas e médias podem desempenhar no crescimento econômico. O Brasil é, de certa forma, um líder diplomático do mundo em desenvolvimento, atrai a atenção dos que têm características e problemas semelhantes. Cerca de 60 países, com seus ministros, vice-ministros e políticos de alto escalão, estiveram presentes, além de representantes de financiadores e de pequenas e médias empresas. Juntos, construímos e revelamos ao mundo uma agenda para o crescimento.
Desafios - Quais foram os principais resultados da conferência? Tanaka - Nessa reunião ficou claro que o papel das pequenas e médias empresas na revitalização da economia é cada vez maior. Tempos atrás, os países tentavam desenvolver as grandes corporações. Considerava-se estratégico subsidiar grandes empresas. Era o antigo modelo de política industrial. Agora essas indústrias estão passando por um processo de enxugamento, reduzindo o número de empregos. Muitas vezes se mudam para países onde os custos de produção e trabalho são menos elevados. Para enfrentar a situação, as políticas industriais precisam ser mudadas dramaticamente. Vivemos no tempo da economia do conhecimento. Pequenos e médios empreendimentos têm papel de destaque nesse ambiente. São mais criativos e inovadores. Por serem pequenos, podem mudar rapidamente, adaptar-se a novas realidades e, assim, contribuir para o desempenho da economia.
Desafios - Como se percebeu a mudança nas políticas nacionais? Tanaka - A OCDE identificou a mudança estrutural e perguntou aos representantes dos países-membros que tipo de atitude seus governos vinham adotando em relação às pequenas e médias. No passado, quando a grande corporação tinha mais vantagens comparativas em relação às empresas menores, a política buscava protegê-las da concorrência. Mas agora desco-brimos que diversos países já identificam negócios menores que podem crescer, especialmente se tiverem acesso a novas tecnologias e adotarem modelos inovadores de administração. Então, os técnicos das esferas públicas passaram a buscar pequenas empresas em condições de exercer papel de destaque na economia, para definir como o governo poderia ajudá-las a crescer - com apoio à pesquisa e ao desenvolvimento, à formação de recursos humanos ou, por exemplo, com a concessão de incentivos fiscais.
Maratonista da exuberância econômica
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3 de março de 1950 em Yokohama, distante 30 km da capital japonesa, tem 56 anos de idade. É casado, pai de dois filhos e tem um currículo impressionante. Graduou-se na Universidade de Tóquio e cursou MBA na Case Western Reserve University de Cleveland, nos Estados Unidos. Estreou profissionalmente em 1973, no Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão. Servia de ponte entre o ministério, sua embaixada em Washington e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Foi vice-diretor e diretor de energia nuclear, do departamento de recursos naturais, e da tecnologia e indústria. Nomeado vice-diretor de ciência, tecnologia e indústria da OCDE em 1989, logo foi promovido a diretor. Passou pela embaixada japonesa em Washington e em Paris. Voltou ao ministério japonês e viabilizou o mercado de opções. Em três décadas, participou de incontáveis negociações internacionais. Conheceu culturas, pessoas, empresas e governos com características diversificadas.
Desde 2004 coordena o departamento de ciência, tecnologia e indústria da OCDE. Sua função é ajudar os 30 países da organização a compreender a necessidade de adaptação aos desafios impostos, pela globalização e pela evolução tecnológica, às pessoas, às empresas e aos governos - sem falar dos organismos multilaterais. Sua equipe coleta dados, faz análises e propõe debates. "Há 20 anos buscamos compreender como a internet pode contribuir para a melhoria da performance econômica dos países", diz. Nesse meio tempo, outra questão ocupou corações e mentes de seu pessoal: a biotecnologia. E já surgiu mais uma inquietação: a nanotecnologia. "Estamos tentando identificar as potencialidades dessa área para definir a agenda de debates", explica. Tanaka corre contra o relógio. Os pesquisadores têm sido mais ágeis do que os governos. Como bom maratonista, entretanto, ele é incansável. E otimista.
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Desafios - Como se dá, nos países, a percepção da importância do estímulo à inovação? Tanaka - Em geral, os governos tentam promover o crescimento econômico, mas seus recursos são limitados. A maioria deles não se encontra em situação fiscal realmente boa. Muitos têm déficits nos gastos governamentais, e estimular a macroeconomia com redução na taxa de juro não é tarefa fácil. Inúmeros responsáveis pelas políticas de desenvolvimento estão com as mãos atadas. Nessas condições, como promover o crescimento? O mais comum é o investimento em setores estruturais, iniciativas na área de mercado de trabalho, de desregulamentação. Agora parece ter ficado claro que o estímulo à inovação é muito importante. Ela ocorre essencialmentente no setor privado, ajuda a criar empregos e estimula o crescimento, sem requerer grande dispêndio público. A Europa, por exemplo, criou a chamada Agenda de Lisboa no ano 2000. Estabeleceu a necessidade de incrementar a atenção às políticas de inovação para que a competição com os Estados Unidos não se tornasse inviável. Os países começaram a reformar suas políticas incentivando as empresas a inovar e contribuir para o desenvolvimento regional. Perceberam que essa é uma forma mais eficiente de usar seus recursos. Que, em vez de gastar em rodovias ou prédios, é melhor estimular as empresas a inovar. Essa é a chave para uma economia bem-sucedida e competitiva. Nos Estados Unidos ocorreu o mesmo. O Japão se deu conta agora e está iniciando um pouco tardiamente esse movimento, mas está começando.

Desafios - Como o senhor compara as trajetórias da China e da Índia com a do Brasil? Tanaka - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esses cinco países são considerados, pela OCDE, as principais economias emergentes. O Brasil é diferente em termos de alocação de recursos, material humano, condições geográficas, ou seja, tem características distintas da China e da Índia, mas, em termos de potencial econômico, de liderança no mundo em desenvolvimento, pode exercer papel de destaque. Na América Latina, o México já participa da OCDE. O Brasil compõe muitos comitês dessa organização, como os que discutem investimentos, agricultura e comércio. Agora pleiteia o posto de observador do comitê de política científica e tecnológica. Essa é uma forma muito natural de ganhar experiência. A China já usou desse expediente, já foi observadora do comitê de política científica e tecnológica por saber que ali estavam as chaves do desenvolvimento econômico. Os chineses, assim como os brasileiros, querem aprender vendo o que os outros países estão fazendo. Recentemente, a China pediu à OCDE que fizesse sugestões para a reformulação de sua política de inovação, que estudasse seu caso, pesquisasse o assunto. E as recomendações da organização ajudaram o país. Eu espero que o Brasil venha a participar do comitê de política científica e tecnológica e alcance o mesmo sucesso que a China obteve.
O Brasil tem características distintas da China e da Índia, mas tem potencial para exercer papel de destaque. Espero que participe do comitê de política científica e tecnológica da OCDE e alcance o mesmo sucesso que a China
Desafios - O que a OCDE faz para estimular a inovação e as pequenas e médias empresas? Tanaka - Fazemos muitos estudos sobre inovação. Mantemos discussão permanente em torno da agenda de políticas nessa área. Por exemplo, dos gastos públicos com pesquisa e desenvolvimento e da formação de recursos humanos. Muitas vezes, universidades e organizações públicas criam conhecimento que não é transmitido ao setor privado. Incentivar a interação entre universidade e o mundo dos negócios é bastante importante. Os membros da OCDE estão construindo núcleos de transferência de tecnologia, criando centros de excelência nas universidades e promovendo o investimento privado nesses centros. O trabalho conjunto dos setores privado e público ajuda a descobrir novas tecnologias e a comercializá- las. As políticas que favorecem a ligação entre os dois mundos vêm se multiplicando. O Japão incentiva a criação de companhias dentro das universidades utilizando os escritórios de transferência de tecnologia. A França desenvolveu uma estratégia de inovação industrial em diferentes regiões do país em cooperação com a Alemanha. O governo francês ajuda o setor privado a investir em pesquisa e desenvolvimento. Criou pólos de nanotecnologia e biotecnologia. Os clusters atendem aos setores público e privado. Essas são políticas de inovação recentes que surtem efeito.
Desafios - Isso funciona também em regiões mais pobres? Tanaka - Sim. Recentemente, soubemos de um caso de sucesso em Extremadura, a área mais pobre da Espanha. Lá foi feito algo muito interessante: a criação de um pólo de software livre, com a implantação de programas não proprietários em todos os computadores das escolas, dos escritórios governamentais, dos hospitais, etc. Depois de cinco ou seis anos, Extremadura se tornou a capital mundial do software livre. Quando ocorre um problema, logo é organizado um seminário on-line com especialistas e colaboradores do mundo inteiropara resolvê- lo. Dessa forma, o conhecimento é criado, acumulado e multiplicado. Como conseqüência, surgiram muitas empresas e agora a região está vendendo seu modelo a outros países, como Brasil, Peru e Chile. É uma boa política para a inovação.
Desafios - O Brasil deveria seguir o modelo de criação de clusters? Tanaka - É interessante, mas não vai funcionar se os países fizerem todos a mesma coisa. A experiência de Extremadura foi muito peculiar.

Desafios - Por quê? Tanaka - Qualquer conhecimento que esteja acumulado numa região específica deve ser utilizado. Mas, entre os sócios da OCDE, temos observado que os menores países - Irlanda, Finlândia, Dinamarca, Suíça, Luxemburgo - apresentam resultados mais positivos do que os maiores. Isso porque, se um país pequeno tem um cluster muito bem-sucedido, ele é suficiente para melhorar o desempenho econômico como um todo. Economias maiores precisam de muitos clusters para obter o mesmo resultado. É o caso dos Estados Unidos, onde há muitos, inovadores e de alta tecnologia. A Irlanda deixou de ter uma economia essencialmente agrícola. Como? O primeiro passo foi transformar Dublin, a capital, em destino atraente para investimentos estrangeiros. Agora, o país atrai e mantém corporações em seu território com investimentos em pesquisa e desenvolvimento de alta tecnologia. Resultado: seus trabalhadores especializados, que tinham emigrado, estão voltando. E essa é uma experiência que pode ser aproveitada em países como Brasil, Japão ou França. Para a OCDE a criação de clusters inovadores é uma das políticas mais importantes - e, quanto mais numerosos eles forem, melhor.
Os governos federais precisam parar de intervir demais em questões regionais. Quem está nas regiões conhece melhor suas potencialidades, forças, recursos e limitações. É mais sensato deixar o governo regional decidir
Desafios - Qual é o papel do Estado no financiamento e na promoção da inovação? Tanaka - Os governos federais deveriam deixar as decisões com os governos locais. Quem está na região conhece suas potencialidades, forças, recursos e limitações. É mais sensato deixar o governo regional decidir, pensar, planejar e competir com outras regiões. Muitas vezes até as universidades federais são tolhidas. É preciso deixá-las livres para fazer pesquisas, estabelecer parcerias e desenvolver conhecimentos e competências para atender à demanda local. Os governos federais devem parar de intervir.
Desafios - A fórmula é a mesma para os países em desenvolvimento? Tanaka - Sim. Mas, para que ocorra um crescimento real da economia, esse processo deve ser auto-sustentável, com a expansão das atividades do setor privado. Investimentos estrangeiros ajudam muito, estimulam a economia e a produtividade, como é possível constatar nos casos da China e da Índia. Pequenas e médias empresas têm de ser inovadoras ou não crescem e não competem. Para criar um ambiente em que elas possam se desenvolver, a palavra-chave é inovação. Essa é uma questão determinante e hoje compõe a agenda de quase todos os países.

Desafios - Mas, além dos clusters, qual o papel do Estado na promoção da inovação? Tanaka - A OCDE parte do pressuposto de que é preciso deixar o mercado agir. O Estado pode contribuir ampliando a mobilidade e a flexibilidade dos trabalhadores. Concedendo incentivos fiscais a empresas inovadoras. Aumentando os recursos de financiamento à pesquisa, atraindo estudiosos, facilitando a entrada de pesquisadores no país. Pode ainda oferecer atrativos para a formação de trabalhadores em setores de alta tecnologia. Educação e saúde de qualidade, entre outras coisas, são fundamentais na atração de talentos. A política de inovação é bem mais abrangente do que uma política de ciência e tecnologia - inclui educação, trabalho, impostos e custos competitivos.
Desafios - A produção científica brasileira tem crescido muito nas últimas décadas, mas o número de pedidos de patentes não tem acompanhado o ritmo. Como mudar esse cenário? Tanaka - Se os gastos com ciência e tecnologia não estão contribuindo para o aumento de registro de patentes, talvez haja um problema de ligação entre os setores privado e público no Brasil. Mas o número de patentes não é necessariamente um bom indicador de inovação. Algumas vezes o registro reflete somente o interesse em proteger um conhecimento. Há dois aspectos relacionados às patentes. O primeiro é positivo, elas incentivam os inventores a fazer mais, já que garantem um período de monopólio do conhecimento, e com isso o retorno do investimento. O segundo, negativo, é que as patentes impedem que o conhecimento se torne público, rapidamente, retardando assim a difusão tecnológica.
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