Fernando Reinach - Inovação e risco |
2007 . Ano 4 . Edição 34 - 10/5/2007 Investimentos em projetos de inovação dão retorno no longo prazo e têm risco elevado. Sem segurança quanto à propriedade intelectual, não se investe
Fernando de Castro Reinach deveria dispensar apresentação. Biólogo que há mais de 25 anos atua na academia, na administração pública e na iniciativa privada, esse brasileiro de renome internacional tem sua marca em importantes inovações. Formou, por exemplo, a primeira rede de pesquisa cooperativa entre laboratórios - um dos fatores do sucesso do Projeto Genoma brasileiro,modelo adotado,hoje, em todo o mundo.Diretor executivo da Votorantim Novos Negócios, fundo de investimento de capital de risco em empresas tecnológicas, Reinach falou a Desafios sobre problemas e vantagens do Brasil em ciência e inovação. Desafios - Como está o ambiente de negócios para quem quer investir em inovação tecnológica no Brasil? E esses conceitos têm de ser disseminados entre a população.É verdade que o remédio está caro,mas é preciso considerar que os investimentos feitos antes do lançamento de um medicamento inovador devem ser remunerados. Desafios - Patentes são indicadores importantes da inovação em um país? Reinach - A vantagem das patentes está no fato de os registros serem de fácil contabilização. No entanto, o que importa é a quantidade do PIB nacional, da riqueza gerada com a inovação.Deveríamos somar quanto as patentes produzem, em dinheiro, pois muitas inovações patenteadas jamais chegam ao mercado. Ultimamente tem-se falado que o Brasil será exportador de tecnologia de etanol,mas a verdade não é essa: não temos patente nessa área. O produto brasileiro tem de ter essa carapaça, que agrega valor. Como não tem, a geração de riqueza nessa indústria é proveniente da venda de equipamentos. E há risco em utilizar o número de patentes como indicador.Por exemplo, se o indicador de alfabetização é a competência para escrever o alfabeto, e os professores são pagos para alcançar essa meta, logo o índice de alfabetização sobe, mas os supostos alfabetizados nem sempre são capazes de compreender uma frase simples. É, portanto, preciso dar mais atenção à qualidade. Ciência, administração e negócios Aos 51 anos de idade, o biólogo Fernando de Castro Reinach é um dos poucos cientistas brasileiros que acumulam experiências não só em laboratórios e em salas de aula, mas também em prospecção de negócios, criação de empresas e administração pública. Professor titular de Bioquímica na Universidade de São Paulo (USP), licenciado, é diretor executivo da Votorantim Novos Negócios, fundo de capital de risco destinado a fomentar empresas de base tecnológica.Antes, trabalhou em entidades como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e foi secretário de desenvolvimento científico do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Fundou a .comDominio, prestadora de serviços de datacenter, e a Genomic Engenharia Molecular, um dos primeiros laboratórios a realizar testes de paternidade no Brasil; além de empresas como a Alellyx e a CanaVialis, cujo objetivo é explorar o potencial da ciência genética no campo agroindustrial. É autor de três livros e mais de sessenta artigos publicados em periódicos científicos. O currículo pode indicar que se trata de uma pessoa inquieta e criativa ou de alguém com talento para aproveitar as oportunidades que se apresentam. Digamos que Reinach não deixa passar oportunidades, mas sua característica mais notável é a criatividade. É um dos pais do Projeto Genoma, cujos feitos garantiram respeito do universo internacional da pesquisa à ciência brasileira. Foi o idealizador da formação de redes de laboratórios para investigação cooperativa, modelo mais tarde adotado em todo o planeta. Não foi por acaso que seu nome figurou na edição de dezembro de 2003 da revista Scientific American entre as cinqüenta personalidades que mais contribuíram para o desenvolvimento tecnológico no mundo. Também não é por acaso que está nesta edição de Desafios. Trata-se de personagem ímpar, cujas idéias merecem ser observadas com atenção. Desafios - O que é necessário para que o conhecimento produza riqueza? Reinach - O principal é criar um cenário claro de respeito à propriedade intelectual, com cortes especiais no Judiciário. A incerteza inibe o investimento. Além disso, a Lei de Inovação não mexeu num ponto fundamental: as bases legais para que se possa fazer investimento de risco em pesquisas desenvolvidas nas universidades.Nossas empresas buscam pessoas nas universidades para que não haja dúvida sobre a paternidade de inovações, desenvolvidas dentro das companhias. Isso é ruim para o investidor, porque é mais caro,e para a universidade,que não recebe investimento. A Lei de Inovação permite que o funcionário público tire licença ou passe determinado número de horas em consultoria a empresas. Mas não resolve nenhum dos problemas do capital de risco, da insegurança institucional. O que mais que falta?
Desafios - O senhor é um caso raro, no Brasil, de um cientista que atua como executivo numa empresa privada. Hoje, só o fato de uma patente demorar de três a quatro anos para sair já é um problema. Desafios - Em quanto tempo uma patente é concedida nos Estados Unidos? "Para que a teoria gere riqueza, tem de haver intermediação de empresas.A universidade gera a idéia, e o capital de risco, que percebe o que tem potencial de mercado, cria uma sociedade"
Desafios - Qual é seu trabalho na Votorantim Novos Negócios? Desafios - Depois de passar um período fora do país, fazendo doutorado nos Estados Unidos e pós-doutorado na Inglaterra, qual sua impressão sobre a importância dessa experiência em sua vida profissional? Existem maneiras diferentes de fazer ciência?
"A ciência, em si, é igual no mundo inteiro.Mas a maneira como é avaliada, os critérios de excelência, a relação entre a ciência e a tecnologia; assim como a percepção da sociedade sobre informação, inovação, tudo isso é muito diferente, varia de país para país" Desafios - O senhor foi um dos criadores do Projeto Genoma, que produziu o seqüenciamento genético da Xylella fastidiosa. Esse projeto pode ser considerado um marco a partir do qual se estabeleceu uma nova forma de produzir ciência no país? Qual seu legado? A ciência brasileira é muito hierarquizada. Nesse caso, os grande papas, com 60 a 70 anos de idade, não se envolveram, pois no início muitos não acreditaram no projeto.Os envolvidos no trabalho tinham, em sua maioria, menos de 40 anos. Para eles, o desafio era formar uma nova geração de pesquisadores, fora da tutela dos mais velhos. Assim, o trabalho teve também um papel importante na auto-estima das pessoas, dos cientistas brasileiros, e da ciência do país em geral. Desenvolvemos, no Brasil, um projeto que foi capa da revista Nature, foi citado em reportagem da revista The Economist. Assim, toda uma geração teve a sensação de que era possível fazer coisas maiores. Creio que o Projeto Genoma foi um fator importante para quebrar aquele complexo de país subdesenvolvido, de que sempre fazemos coisas de segunda categoria.Outro de seus legados foi a formação de uma quantidade enorme de pessoas. Hoje existe no Brasil uma nova geração muito ativa de biologistas moleculares, e parte disso se deve ao projeto. Desafios - Qual foi a importância do trabalho em rede? Desafios - É possível ser otimista em relação ao ambiente de inovação no país? |