Walter Barelli - Em momentos de crise, é preciso garantir emprego e renda |
2009 . Ano 6 . Edição 49 - 06/04/2009 Por Fernando Taquari Ribeiro, de São Paulo
Especialista em emprego, o economista Walter Barelli, integrante do Conselho de Orientação do Ipea, acredita que as demissões na Embraer são os primeiros sinais de que a crise financeira mundial começa a prejudicar o trabalhador brasileiro. Para enfrentar as turbulências e reduzir o volume de desempregados, o professor aposentado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) defende um plano de obras, nos moldes do new deal - programa de recuperação econômica dos Estados Unidos executado no governo de Franklin Roosevelt após a Grande Depressão de 1929. Do contrário, avalia, o Brasil não terá como escapar da crise e logo terá 10 milhões de desempregados. "Neste momento, empregar é a solução", diz. Desafios - As demissões na Embraer são sinais de que a crise financeira mundial começa atingir de forma mais acentuada o emprego e a renda do trabalhador brasileiro?
Barelli - Acho que a crise ainda não chegou ao Brasil com muita intensidade. Temos um início de crise com alguns sinais que passaram a existir, mas também com alguns antídotos. As demissões realizadas pela mineradora Vale do Rio do Doce em dezembro do ano passado foram os primeiros efeitos da crise no emprego. É lógico que ocorreram outras demissões nesse período medidas pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. No entanto, são naturais as dispensas nessa época do ano. Dezembro sempre registra baixas no índice de emprego, já que chega ao fim a safra da cana-de-açúcar, da laranja, entre outros produtos agrícolas. Muitas vezes acontecem mais demissões do que admissões. A crise financeira começou a repercutir a partir da falência do banco de investimento Lehman Brothers no dia 15 de setembro de 2008. E aqui, em nosso País, há uma série de coisas que está acontecendo que tem tudo a ver com a crise, mas a repercussão ainda é inicial. Veja o caso do emprego. Um grande número de empresas, sobretudo do setor automobilístico, só demitiu trabalhadores temporários. As montadoras optaram entre dar férias coletivas ou negociar novas formas de acordos, com licença remunerada para curso de qualificação. Agora, os 4 mil funcionários demitidos pela Embraer representam mais um elemento da crise financeira sobre a questão do emprego. A Embraer não contrata ninguém com menos do que o segundo grau. Portanto, estes 4 mil são trabalhadores da elite. Não é mais aquela elite da indústria automobilística, que eram os ferramenteiros. Os trabalhadores demitidos são treinados, alguns com mais de 10 ou 20 anos de casa. Eu não sou especialista em indústria aeronáutica, mas entendo que é uma coisa muito especializada. As dispensas da Vale e da Embraer foram as maiores anunciadas até agora. Desafios - O senhor acredita que a onda de demissões permaneça por muito tempo? Barelli - Nós só vamos saber essas coisas depois. É prematuro dizer ainda sobre futuro. A indústria de autopeças dispensou bastante. Quem não aparece na imprensa também aproveitou e dispensou seus funcionários. Mas há um detalhe importante para destacar. As dispensas da Embraer não vão aparecer no índice de desemprego do Brasil porque o levantamento não é realizado no Vale do Paraíba. É feito apenas nas regiões metropolitanas. Muito do desemprego da Vale do Rio Doce também não vai aparecer porque ela funciona basicamente onde tem mina. Quer dizer, não temos boas estatísticas de emprego. Nesta crise não vamos saber exatamente o número de desempregados ou desocupados espalhados pelo País. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) promete, para 2010 ou 2011, começar a fazer uma pesquisa trimestral em todo o Brasil. A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), que é uma pesquisa anual, permite que você conheça os desempregados do Brasil. Só que a coleta do PNAD é em setembro e outubro. Então, o que aconteceu em 2008 não vai ser medido com exatidão. Aliás, 2008, talvez, vá apresentar redução do total de desempregados no Brasil. As pessoas vão questionar: por que estava dando certo e agora está tudo errado? Por que, agora, voltou a ter desempregados no Brasil? Mesmo quando for feita a pesquisa, em 2009, por volta de setembro ou outubro de novo, vai ser uma tomada de posição só. Por isso defendo um efetivo índice de desemprego nacional. O Dieese faz levantamentos em muitas regiões que o IBGE. Então, ao falar dessa crise financeira, hoje, não é possível ainda dizer se ela chegou com força. Mas se acontecer e tivermos eficiência, talvez não seja a crise que se anuncia. Portanto, as necessidades são eficiência e um bom índice de desemprego efetivamente nacional. Desafios - Que tipo de eficiência? Barelli - Vou continuar na Embraer. A companhia, por exemplo, estava discutindo com o Ministério da Defesa a construção de um avião tipo Hércules de transporte de tropas. A ideia era adquirir 20 unidades no Brasil, o que daria escala para a Embraer entrar nessa linha e fornecer para outros países, porque este é um tipo de avião especial. Por isso digo que o governo deixa a crise acontecer. Ele tinha que negociar rapidamente para evitar as demissões. Quem sabe poderia salvar o emprego de 5% desses 20% de funcionários que foram cortados. O grande problema na questão do emprego no Brasil é que o País não tem e quase nunca teve uma política de emprego. Para os economistas, emprego é uma função do investimento. Então, se há investimento existe emprego. Alguns planos governamentais foram muito importantes porque levaram emprego ao cidadão. É só lembrar do que foi feito por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e os militares. Apesar da repressão nos anos 1970, durante a ditadura, havia um plano de construção civil importante, com grandes obras. Chegava a uma situação de quase pleno emprego. Lembro que houve uma disputa entre as construtoras pelos trabalhadores da construção civil. O alojamento onde eles moravam passou a ter televisão. Houve demanda no Rio de Janeiro e em São Paulo, embora algumas construções tenham ocorrido em outros estados. Mas neste período ergueram, principalmente, a Ponte Rio-Niterói. O Banco Nacional da Habitação era financiador de moradia e o Brasil passou a investir muito. Naquela época, contudo, não havia um índice para medir os desempregados brasileiros. O Brasil só passou a ter um índice, em 1985 e 1986, quando o IBGE e o Dieese passaram a levantar essas informações. Desafios - O que o governo pode fazer para evitar uma deterioração da crise no emprego? Barelli - Na verdade, deve-se falar o que os governos podem fazer. Se a crise for longa é preciso pensar neste governo e no próximo. Primeiro, tem que olhar a economia também do ponto de vista do emprego. Quando tem desemprego todo mundo faz campanha falando sobre este assunto. Surgem vários salvadores da pátria. Na última campanha para prefeito, ao contrário das três anteriores, não se mencionou o desemprego. Tanto Lula, duas vezes, quanto os prefeitos na outra eleição, em 2004, exploraram a questão na campanha eleitoral. Nesta última, não apareceu nada porque aparentemente era um céu de brigadeiro. O Caged é mentiroso porque não diz quantos são os desempregados. No Brasil, nessa pesquisa da PNAD, o último dado publicado indica que havia 8,1 milhões desempregados. Isso é muita gente e ninguém fez discurso para dizer que temos 8 milhões de desempregados. Efetivamente, a questão do emprego não entra como assunto central na formulação econômica brasileira. O problema só será resolvido quando este assunto for pauta da agenda nacional de governantes, políticos e de brasileiros. O assunto passa agora a ganhar emoção. Logo vamos ver desocupados em todas as famílias. Se a crise for grande vamos chegar logo aos 10 milhões de desempregados. Desafios - Qual sua avaliação sobre os acordos entre empresas e sindicatos que preveem suspensão de contrato de trabalho, redução de jornada e de salário? Barelli - É preciso denunciar: muitas empresas demitiram e não foi noticiado porque estão numa área onde o sindicato não é atuante. As coisas que foram feitas com mediação do sindicato estão na regra do jogo. No Sul, no Sudeste e nas grandes capitais, os trabalhadores já enfrentaram crises de desemprego na década de 1970, no começo dos anos 1980 e na década de 1990, quando o Brasil crescia pouco. Então, estamos entrando em 30 anos de experiência do movimento sindical em crises. Essas mudanças que estão sendo esgrimidas preparam novas formas de relacionamento entre as empresas e os sindicatos. Os espanhóis estão na quinta mudança laboral. No Brasil, não computamos nenhuma mudança. Apesar disso, acho que, se alguém se aventurar por mudar sem saber, vai fazer coisa errada. Por isso é melhor fazer acordos, que, se forem corretos, depois se tornam uma nova cultura a ser usada pelos trabalhadores. Afinal, a forma de trabalhar hoje é muito diferente da maneira que era em 1940, quando saiu a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Antes os sindicatos praticamente não participavam das discussões. No Paraná, a Renault fez um acordo com o sindicato, no qual previa suspensão do contrato de trabalho com a garantia de que os funcionários ganhariam o seguro- desemprego e a empresa completaria o salário líquido que eles tinham antes da suspensão. Desafios - Qual a explicação para as demissões no setor automobilístico que, ao longo do ano passado, bateu recordes de produção e vendas? Barelli - A nova forma de difusão de notícias fez com que o que seria muito grave nos EUA chegasse como possibilidade de crise mundial rapidamente em todos os lugares. Passou a ser a profecia autorrealizada. Muitos adotaram este comportamento porque a matriz estava mal. A indústria automobilística, que já tinha a experiência, não demitiu de pronto. Sabia que seu sindicato não deixaria as demissões ocorrerem do dia para a noite. O que elas fizeram então? Usaram o mecanismo de sempre. Deram férias coletivas. A crise não é ainda da indústria automobilística. É dos fornecedores da indústria automobilística. O que aconteceu foi que o caixa daqui foi transferido para segurar o caixa da matriz. Depois de oferecer 90 meses para os consumidores pagarem por seus veículos, as montadoras também fecharam suas carteiras de empréstimos com a restrição de crédito, que também afetou o setor da construção civil. Os bancos pararam de emprestar. O Banco Central (BC) liberou o depósito compulsório, mas, mesmo assim, o crédito não deslanchou. Desafios - Como o senhor enxerga a flexibilização nas relações de trabalho? Barelli - Se você for ver o que é flexibilização no resto do mundo é a possibilidade de dispensar o trabalhador. No Brasil, que é atrasado em tudo, foi decretada a flexibilização em 1966, com o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Nenhum trabalhador tem hoje estabilidade, a não ser que ele seja dirigente sindical, acidentado ou gestante. Na Europa, se discute hoje a possibilidade do trabalhador não ter direito à estabilidade. Além disso, outra forma de flexibilização muito utilizada é a contratação sem carteira assinada. Ou seja, a contratação do funcionário por meio de pessoa jurídica. Como ainda não é possível mensurar o tamanho da crise, os trabalhadores estão aceitando as propostas de acordo das empresas que preveem a redução dos salários, da jornada e a suspensão do contrato de trabalho.
A crise não é ainda da indústria automobilística.É dos fornecedores da indústria automobilística.O caixa daqui foi transferido para segurar o caixa da matriz. Ainda não é possivel mensurar o tamanho da crise Desafios - Os sindicatos demoraram para tomar uma posição? Desafios - Então, quais os caminhos que o Brasil deve percorrer para atingir o desenvolvimento? |