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Jurema Machado - No Brasil as relações entre cultura e desenvolvimento são desafiadoras

2010 . Ano 7 . Edição 62 - 23/07/2010 - Edição Especial

Por Cora Dias - de Brasília

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A Constituição Federal de 1988 refere-se ao direito à cultura, um direito de todo cidadão brasileiro, da seguinte forma: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais".

O Brasil possui 17 patrimônios registrados na Lista da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), dos quais dez são culturais e sete, naturais. A 34ª reunião do Comitê do Patrimônio Mundial, que será realizada entre os dias 25 de julho e três de agosto, terá o Brasil como sede pela segunda vez, evidenciando a importância do país, caracterizado por sua riqueza em expressões culturais.

Para a coordenadora de Cultura da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) no Brasil, Jurema Machado, o direito à cultura vem como consequência de um leque de políticas sociais, como o acesso à renda, à educação, à moradia digna, à informação.

Em entrevista exclusiva, por email, para a Desafios do Desenvolvimento, Jurema destaca o desenvolvimento de políticas culturais no Brasil, fala sobre quais os passos para que um patrimônio nacional entre para a Lista de Patrimônio Mundial da Unesco, e analisa a relação cultural de países da América Latina.

Desafios - Qual a importância da reunião do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco ser realizada no Brasil?

Jurema - O Brasil é um país muito importante para a implementação do mandato Unesco, especialmente na área da cultura. Podemos dizer que o país é foco privilegiado da aplicação de várias das Convenções, em especial as do Patrimônio Mundial (1972), do Patrimônio Cultural Imaterial (2003) e, a mais recente delas, a da Diversidade Cultural (2005), porque aqui as relações entre cultura e desenvolvimento são particularmente desafiadoras, ou seja, ao lado da riqueza das expressões culturais está, especialmente nos últimos anos, um processo acelerado de desenvolvimento e de transformações e ainda há muitos desafios que resultam da desigualdade social.

O Brasil sediou um encontro como esse apenas uma vez, em 1988. Essa é uma reunião importantíssima, principal instância decisória da Convenção de 1972. Quando o Brasil se ausenta do debate sobre o Patrimônio Mundial, seja não apresentando novas candidaturas, seja não participando ativamente das discussões, essa ausência é reclamada. Ou seja, já era tempo. O governo brasileiro foi eleito para presidir o Comitê do Patrimônio Mundial e se dispôs a receber a reunião, o que acontece em boa hora.

Desafios - O que faz um bem ser detentor de excepcional interesse, que exija a sua preservação enquanto patrimônio cultural e natural da humanidade? Existe um padrão para esses bens?

Jurema - A seleção de bens Patrimônio Mundial se baseia na presunção de existência de um valor universal excepcional, que seria o patrimônio comum da Humanidade, capaz de justificar os esforços conjuntos dos países para a sua proteção. Esse é, sem dúvida, um conceito complexo, que merece atualizações em direção a um melhor reconhecimento da diversidade das culturas e da natureza, especialmente no caso dos países em desenvolvimento. O texto da Convenção explicita de maneira mais concreta onde deve ser buscado esse valor universal, mas essa sempre será, por mais cientificamente rigorosos que possam ser os dossiês de candidaturas, uma escolha culturalmente construída e, portanto, passível de grandes debates. Assim como são os tombamentos, por isso requerem estudos, debates, conselhos representativos e decisão posterior do poder executivo.

A 34ª Reunião do Comitê do Patrimônio Mundial vai discutir temas que vem sendo preparados por grupos de trabalho específicos, em especial o chamado "o futuro da Convenção do Patrimônio Mundial", a relação entre a Convenção e o desenvolvimento sustentável e, ainda, revisões das suas Diretrizes Operacionais. A temática dos critérios de eleição de bens, dos sítios urbanos, especialmente para o caso dos países em desenvolvimento, estará certamente abordada por essa agenda.

Perfil

Arquiteta, coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil desde 2001, supervisiona a implementação dos programas e Convenções da instituição relacionados à temática da Cultura no país.

Entre 1999 e 2001, atuou como arquiteta em programa nacional de reabilitação de centros históricos. De 1995 a 1998, presidiu o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, dedicado à preservação do acervo de bens culturais daquele estado.

Coordenou equipe interinstitucional que, entre 1993 e 1994, concebeu e implementou legislação urbanística e sistemática de controle das intervenções no sítio tombado de Ouro Preto. Entre 1980 e 1991, trabalhou como arquiteta urbanista na reabilitação da área central e no planejamento metropolitano de Belo Horizonte.

Desafios - Você acha que a história e a diversidade cultural brasileira estão satisfatoriamente representadas no rol de bens tombados e registrados pelo Iphan? Se não, o que ainda falta?

Jurema - É verdade que a política de patrimônio no Brasil privilegiou, por décadas, o acervo monumental e de origem europeia, inclusive aquele que o país optou por apresentar majoritariamente à Lista da Unesco. Esse perfil só começa a ser alterado, tanto fora quanto dentro do país, a partir de mudanças da Historiografia, valorizando os processos frente à história factual, valorizando as perspectivas dos diferentes atores, a história do cotidiano, das ideias, dos comportamentos. Essas mudanças vêm implicando no reconhecimento do vernacular, do não-monumental, das representações das culturas tradicionais, da relação entre patrimônio natural e cultural etc. Os tombamentos do Iphan nos últimos anos representam uma mudança radical no perfil dos bens tombados em direção a uma melhor representação da diversidade do país. Por exemplo, na última reunião do Conselho Consultivo, em 24 de junho passado, foram tombados sítios sagrados para as comunidades indígenas Sagihengu e Kamukuwaká do Alto-Xingu, no Mato Grosso, e 14 bens culturais, vestígios da colonização de imigrantes japoneses no litoral paulista. Ou seja, algo impensável há algum tempo atrás
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A 34ª Reunião do Comitê do Patrimônio Mundial vai discutir temas que vem sendo preparados por grupos de trabalho específicos, em especial o chamado "o futuro da Convenção do Patrimônio Mundial", a relação entre a Convenção e o desenvolvimento sustentável e, ainda, revisões das suas Diretrizes Operacionais

Desafios - O art. 215 da Constituição Brasileira declara que o estado brasileiro tem o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes de cultura nacional. O que os países deveriam fazer para incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais? Quais são as principais conquistas e os desafios nessa área no Brasil?

Jurema - Quando se fala em acesso e possibilidades de expressão, está envolvido um conjunto de condições sociais que extrapolam o âmbito exclusivo das políticas culturais. Ou seja, essa é uma tarefa difícil e seus resultados virão como consequência de um leque de políticas sociais, envolvendo o acesso à renda, à educação, à moradia digna, à informação. Isso não significa que a cultura esteja apenas a reboque das demais políticas e que nada possa ser feito. O mais eficaz, e é o que tenho visto nas iniciativas do Ministério da Cultura, é orquestrar esse conjunto de ações, trabalhar junto, trabalhar com programas culturais consistentes e que tenham continuidade, porque essa é, indiscutivelmente, uma construção lenta, para a qual se exige determinação e persistência.

Desafios - Recentemente foi divulgada a candidatura da cidade do Rio de Janeiro como Paisagem Cultural da Humanidade. Quais os conceitos e impactos de tal reconhecimento para a cidade? Qual a diferença entre Paisagem Cultural em sítios históricos e Centros Históricos chancelados como Patrimônio Mundial?

Jurema - Para o Rio de Janeiro foi preparado um belíssimo dossiê, a começar pela orquestração dos atores envolvidos, ou seja, uma cooperação do Iphan, do ICMBio, do governo estadual, da Prefeitura, da Fundação Roberto Marinho, tendo ainda o acompanhamento do nosso escritório em Brasília.
A proposição foi denominada de Paisagens cariocas entre o mar e a montanha e baseia-se nos critérios de identificação das paisagens culturais, envolvendo os critérios da paisagem intencionalmente desenhada, da paisagem organicamente evolutiva e daquela vinculada à história e indissociável do imaginário do país ao longo de séculos. No Rio, essa simbiose entre paisagem e cidade é mais definidora e marcante do que os valores do sítio histórico em si, dos monumentos e da arquitetura. O impacto esperado, ao se colocar uma lupa e o olhar da comunidade internacional sobre os valores da cidade, é de que se consolide uma prática de gestão compartilhada pelos três entes federativos, apoiada e constantemente monitorada pela comunidade. A cidade vive um momento especial devido aos investimentos previstos para a Copa, para os Jogos Olímpicos, para a região central e para a área portuária, além de uma fase colaborativa e coerente de atuação dos governos. Um título mundial, pelo seu valor simbólico, deveria servir para selar um pacto em torno de valores maiores, que transcendam as idiossincrasias que tanto maltrataram a cidade mais amada pelos brasileiros.

Desafios - O Brasil é vanguarda no reconhecimento e proteção do patrimônio imaterial no mundo. Como a Unesco tem utilizado a experiência brasileira para suas ações de chancela nos demais países do mundo?

Jurema - O Brasil vem contribuindo com a Unesco desde a formulação do texto da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Em seguida, fez parte da primeira composição do Comitê Intergovernamental, onde uma série de medidas de implementação, regulamentação e funcionamento da Convenção e do seu Fundo foram adotadas. O país contribuiu com a criação e fortalecimento do CRESPIAL, um Centro de Categoria II da UNESCO localizado no Peru e voltado para estudos e pesquisas nesse campo, no âmbito de América Latina. E de maneira ininterrupta, o Brasil, por meio do Iphan, tem sido permanentemente demandado pela UNESCO para diversas ações de cooperação em nível internacional, especialmente capacitações e oportunidades de transmissão da sua experiência. Além do perfeito afinamento conceitual, o que chama atenção na política brasileira é que ela procura percorrer o caminho completo, ou seja, desde a identificação do bem, até o reconhecimento e a salvaguarda, tudo isso numa perspectiva de respeito e participação ativa dos detentores das manifestações e de reconhecimento da dinâmica desses bens e de seu papel na vida presente.

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Além do perfeito afinamento conceitual, o que chama atenção na política brasileira é que ela procura percorrer o caminho completo, ou seja, desde a identificação do bem, até o reconhecimento e a salvaguarda

 Desafios - Quais são os países onde a Unesco tem tido maior contribuição no reconhecimento e proteção do patrimônio cultural? O debate sobre o Direito à Cultura tem maior abertura em países em desenvolvimento ou nos desenvolvidos? Qual a diferença de atuação da Unesco nestes países?

Jurema - A Unesco procura atuar como uma espécie de catalisador, induzindo para que as coisas aconteçam onde elas não existem e, onde existem, fazendo com que circulem e sejam compartilhadas. Por isso a ideia de "maior" ou de "melhor" contribuição fica prejudicada, porque são sobretudo contribuições diferentes para realidades diferentes.
Por exemplo, em alguns países o tema da proteção de bens em caso de conflito armado, de restituições de bens culturais ou de combate ao trafico ilícito são vitais. Em outros, a arqueologia é o carro chefe; outros estão preocupados com a proteção de bens frente a desastres naturais; em outros, como o Brasil, a relação entre patrimônio e o processo de desenvolvimento é o que mais requer atenção.
O tema do direito à cultura, embora diga respeito a todos e seja mais desrespeitado nos países mais pobres, teve a liderança, pelo menos no nível da formulação do problema e da concepção de políticas públicas nos países mais desenvolvidos. Chama a atenção o caso do Canadá, onde, embora não se reconheça um lugar específico para os direitos culturais - inclusos no contexto dos direitos humanos fundamentais -, se tem políticas maduras de diversidade linguística, de diversidade de conteúdos nos meios de comunicação etc, ou seja, todo um bom cardápio de medidas.
Outro exemplo é a Espanha, certamente motivada pela sua própria diversidade interna e que tem uma política de cooperação internacional da área da cultura muito diferenciada, respeitosa do equilíbrio entre os lados envolvidos, focada na promoção da diversidade e dos direitos culturais.

Desafios - No Brasil temos bens na lista de risco da Unesco? Algum bem chegou a fazer parte desta lista?

Jurema - Nesse momento não há nenhum bem brasileiro na chamada Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. O Parque Nacional das Cataratas do Iguaçu esteve temporariamente nessa lista devido à abertura ao tráfego da Estrada do Colono, que atravessa o Parque, ameaçando os animais e a vegetação. A Unesco contribuiu para mediar o problema, que foi solucionado e o bem retirado da Lista em Perigo. Ou seja, esse é o papel dessa Lista, concentrar esforços para sanar uma ameaça iminente.

Desafios - Na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural cada Estado-parte reconhece a obrigatoriedade de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às gerações futuras o patrimônio cultural e natural situado em seu território. Como você vê a atuação do Brasil nessa área? O que já foi feito e o que ainda esta por fazer nesta área no país? E nos demais países da América Latina?

Jurema - O Brasil possui 17 bens inscritos, dez sítios culturais e sete naturais, o que reflete o esforço do país em fazer-se representar de forma coerente com a sua diversidade cultural e natural. O historiador Jean Pierre Halévy, que conheceu e trabalhou muito no Brasil, dizia que a lista brasileira é um dos raros casos onde se tem uma gama completa de patrimônio, da pré-história à Brasília. É verdade, mas faltam ainda elementos que estão contemplados na nova Lista Indicativa em preparação. Além das candidaturas, é importante pensar na conservação daquilo que está inscrito e na cooperação internacional. Nesses dois quesitos, vejo também de forma muito positiva a atuação do Brasil. A conservação do patrimônio, não apenas o reconhecido pela Unesco, nunca recebeu tantos investimentos e há um grande esforço para trazer novos atores, especialmente os municípios, para esse bom combate.
A região da América Latina e Caribe tem 85 bens inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, o que representa apenas 14% do total de bens inscritos. México, com 29 bens inscritos, Brasil com 17 e Peru com 11 se destacam como os países da região mais representados na Lista do Patrimônio Mundial.
Seis bens da Região estão atualmente na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, correspondendo a 20% do total dos bens em perigo de todo o mundo, o que não chega a ser um bom indicador. O Comitê deve analisar na Reunião do final do mês mais quatro candidaturas da região: a Praça de São Francisco em São Cristóvão (Brasil), o Binômio do Mercúrio e da Prata: Almadén e Idrija com San Luis do Potosí (Espanha/ Eslovênia/México), o Caminho Real de Tierra Adentro (México) e as Cavernas pré-históricas de Yagul e Mitla no Vale Central de Oaxaca (México).

Desafios - Ao longo desse mês, está sendo realizado também o Fórum Juvenil do Patrimônio Mundial. Quais são as principais atividades desse evento paralelo? E quais os principais objetivos?

Jurema - A Unesco tem especial interesse pela difusão dos valores do patrimônio para o público jovem e a organização desses Fóruns de Juventude vem se tornando uma prática nas reuniões anuais do Comitê. Para a edição 2010, o Iphan, em conjunto com o Centro do Patrimônio Mundial e a Hostelling International ?os Albergues da Juventude ? lançou um edital de seleção de 45 jovens, entre 18 e 24 anos, do Brasil e América Latina e países africanos de língua portuguesa que, durante uma semana farão o percurso de São Miguel das Missões (RS), Foz do Iguaçu (PR), Goiás (GO) até chegar a Brasília (DF), participando de oficinas, palestras, debates e visitas relacionadas aos temas do Patrimônio Mundial

Desafios - Você foi convidada para fazer parte do Conselho Consultivo do Iphan como representante da Unesco, como tem sido a sua participação? Como vê o papel do Conselho Consultivo dentro da política do patrimônio cultural?

Jurema - Com muita honra faço parte do Conselho Consultivo do Iphan desde 2009, mas essa participação se dá a titulo de representação da sociedade civil, uma vez que não há previsão de uma vaga institucional da Unesco, até porque isso não seria adequado por tratar-se de um organismo internacional.
Além de conviver com um grupo de profissionais que são referência nas suas áreas de atuação, tive a sorte de encontrar uma fase muito produtiva no Conselho, quando temas novos vêm sendo apresentados, não apenas no que se refere a novas tipologias ou categorias de patrimônio, mas a aspectos de fundo. Essa dinâmica tem motivado, inclusive, a criação de câmaras setoriais, como as de Arquitetura e Urbanismo, de Patrimônio Imaterial e de Bens Móveis. Ou seja, participo de uma fase que vai fazer história na trajetória do Iphan e, sob o ponto de vista pessoal, isso representa um enorme aprendizado.

Desafios - Como você tem percebido a atuação do Iphan na política de preservação do patrimônio cultural brasileiro?

Jurema - Tentando resumir, acredito que essas são as ideias-chave da atual política do Iphan: a ampliação do foco sobre o objeto a ser preservado; envolvendo não só o patrimônio imaterial, como novas tipologias de bens; a ampliação dos atores envolvidos na preservação, com especial ênfase no município e na criação de um Sistema Nacional de Patrimônio; a atenção especial para com os sítios urbanos, inclusive os imóveis de propriedade privada e a moradia nessas áreas.

Obviamente que, quando o tema é patrimônio, os conceitos e estratégias requerem tempo de sedimentação e nada acontece da noite para o dia. Pode-se dizer que essa construção teve início, no mínimo, lá pelos anos 1970, com o Plano de Cidades Históricas e a criação dos órgãos estaduais de patrimônio; ganhou fôlego e conteúdo com a Constituição de 1988; teve no Programa Monumenta um marco em termos de foco, de financiamento e de método de trabalho e chega agora ao Sistema e ao PAC das Cidades Históricas. No entanto, a recomposição dos quadros do Iphan e a confiança em uma direção comprometida fazem toda a diferença. Se, junto com todos esses ingredientes, vierem, como de fato vieram, mais investimentos públicos, está completa a receita para que essa seja uma fase memorável do Instituto.

Desafios - Seu último parecer no Conselho Consultivo foi sobre o tombamento do Teatro Oficina da cidade de São Paulo, que foi um processo bastante polêmico. Como você acha que esse tombamento se insere no rol de bens protegidos em nível nacional?

Jurema - A história do Teatro Oficina, sua linguagem, seus métodos e a sua importância numa época em que o teatro brasileiro esteve especialmente atormentado pela ditadura fazem com que, de início, o valor histórico seja o mais evidente. No entanto, acredito que o que defendi no Conselho surpreendeu um pouco porque, depois de estudar muito, parti para outra abordagem.
Do ponto de vista histórico, argumentei que o que, de fato, distingue o Oficina não é o enfrentamento da ditadura, importante sim, mas compartilhado com outros tão importantes quanto. O que é especial é a sua continuidade, a sua permanência com renovação e a sua incessante busca por novos compromissos do teatro com a vida social, com o lugar onde está localizado, com o Bairro do Bixiga, convertido na metáfora de Canudos encenada pelo Grupo. Quando você descobre isso e, em seguida, olha para a solução arquitetônica de Lina Bo Bardi e Edson Elito, você não sabe mais onde começa o teatro, onde começa a arquitetura. É uma fusão, aparentemente intuitiva, mas filiada a um grande e profundo debate internacional sobre a linguagem teatral. Defendi que essa arquitetura, entalada em um lote exíguo, feita de um aparente provisório de andaimes e fragmentos de terra batida, encravada em um bairro cuja riqueza e diversidade têm sido tão maltratadas por São Paulo, fosse gravada no Livro de Tombo das Belas Artes. O Conselho acatou por unanimidade, o que, a princípio, parecia controverso. A questão do entorno do Teatro, razão de um debate de décadas com os proprietários do imóvel vizinho, é uma discussão que afeta o tombamento, mas sobretudo afeta a política urbana e a política cultural e deve ser tratada de forma coperativa por todos os envolvidos: Ministério da Cultura, Iphan, Condephaat, Prefeitura de São Paulo e potenciais investidores privados.

Desafios - Em Minas, você foi uma das figuras centrais na implantação do ICMS cultural - alguns anos depois dessa experiência, qual é o balanço? Esse tipo de instrumento poderia ser replicado em nível nacional? O investimento no patrimônio aumentou a partir disso?

Jurema - Acho que os resultados são importantes e duradouros, já são quase 15 anos da entrada em vigor da Lei. Foi criada uma rede de implementação de políticas de patrimônio em Minas que não se encontra em nenhum outro estado do país, basta ver a concentração dos Conselhos Municipais de Patrimônio no mapa da MUNIC IBGE 2006. No início, alguns criticavam a motivação excessivamente pragmática das prefeituras que, na base de um "toma lá, da cá", aderiam à construção de conselhos, inventários e tombamentos. Mas, como na maioria das cidades, essa era uma demanda presente nas comunidades e, até então, não recepcionada pelo poder público, esse estímulo inicial foi decisivo. Hoje conceitos aparentemente sofisticados como o próprio conceito de patrimônio, de tombamento, de inventário e de política municipal de proteção estão difundidos, de forma consistente, em mais de 600 municípios de Minas. O IEPHA é seguramente o órgão estadual que mais conhece o acervo do seu estado e as informações lhe chegam anualmente por iniciativa dos municípios que querem ser valorados para receber os recursos da Lei. Novas tarefas vão sendo acrescidas ano a ano para as prefeituras, resultando num amadurecimento gradual e monitorado. Equipes locais responsáveis por cumprir as metas do ICMS foram criadas ou reforçadas com a contratação de arquitetos, restauradores e historiadores. Acho notável o efeito multiplicador, num curtíssimo espaço de tempo, de um mecanismo estimulador de uma potencialidade latente e não explorada pela maioria dos municípios.

Quando se fala em transplantar para outros estados, a dificuldade está na decisão do executivo estadual de apresentar um projeto de lei que introduza critérios sociais (no caso de Minas esses critérios foram muito além do critério Patrimônio) dentre aqueles tradicionalmente usados para a distribuição da cota-parte do ICMS. Isso implica em tirar dos municípios mais ricos e transferir aos mais pobres, daí o apelido de Robin Hood, o que será sempre difícil nos legislativos estaduais. Ou seja, a dificuldade não está em se valorizar o Patrimônio, mas na viabilidade política de se promover a redistribuição do ICMS.
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Colaboraram George Alex da Guia, Maria da Piedade Morais e Maria Regina Weissheimers

 
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