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Em se plantando tudo dá - O pontal do Paranapanema transformou-se em exemplo de preservação

2005. Ano 2 . Edição 7 - 1/2/2005

O Pontal do Paranapanema, em São Paulo, não é mais apenas uma região de conflitos fundiários. É cenário de uma experiência de recuperaçãodo meio ambiente.

Por Ottoni Fernandes Jr., de Teodoro Sampaio

campo

 Agricultor planta mudas num corredor de Mata Atlântica.

O Pontal do Paranapanema, no extremo oeste de São Paulo, a segunda região mais pobre do rico estado paulista, demarcada pelos rios Paraná e Paranapanema, é palco de muita briga pela terra, onde a questão fundiária queima desde 1991, quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a Fazenda Pontal, na cidade de Rosana. É também uma área ameaçada do ponto de vista ambiental, pois abriga grandes propriedades, em sua maioria voltadas para a pecuária extensiva - e como o solo é arenoso, a erosão come solta.

Sobraram poucos vestígios da Mata Atlântica no chamado Planalto Paulista e 84% da floresta que restou está justamente no Pontal do Paranapanema. Esse é um pedaço do Brasil onde tudo ganha contornos dramáticos. E foi justamente nesse cenário que nasceu um raro consenso. Sob a batuta do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), uma organização não-governamental, iniciou-se um trabalho voltado à recuperação de parte da mata original e de sua biodiversidade.

A proposta é ambiciosa. Uma lei estadual de 1991 obriga os proprietários a manter a mata nativa em pelo menos 20% de suas terras. Quem já desmatou tem um prazo de 20 anos para reconstituir a reserva. Fazer cumprir a lei já seria uma façanha, mas o Ipê foi além. Construiu um pacto em torno de um mapa da recuperação da mata nativa do Pontal, que uniu grandes proprietários de terra, assentados beneficiados pela Reforma Agrária, o Ministério Público, o MST, autoridades ambientais estaduais e federais e prefeituras. Isso foi em 2002.

O objetivo do pacto: aproveitar a determinação legal e o processo de reconstituição para interligar os diversos fragmentos da Mata Atlântica com corredores agroflorestais que permitam a circulação de animais. O acerto envolveu pequenos proprietários que conquistaram lotes de terra e grandes proprietários - inimigos vicerais até então.

A façanha é reconhecida internacionalmente. O Ipê recebeu dois dos mais prestigiosos prêmios ambientais internacionais: o Whitley Golden Award - considerado o Oscar da conservação ambiental - em 2002, e o Rolex Awards, em 2004, na pessoa de seu diretor técnico, Laury Cullen Jr., um engenheiro agrônomo de 38 anos, descendente de uma família de confederados norte-americanos que desembarcou no interior paulista na segunda metade do século XIX, depois da Guerra Civil naquele país.

Mutirão Na tarde quente do dia 14 de janeiro, Cullen, coordenador do Ipê em Teodoro Sampaio, no Pontal, mostrava com orgulho um grupo de trabalhadores que carpia uma área de reserva legal do assentamento Santa Zélia. Ali foram plantadas mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, numa área de 240 hectares que formará um dos corredores agroflorestais de interligação na reserva local a ser restaurada. Angela de Oliveira e seu cunhado Osmar Tomé da Silva chegaram de carroça do assentamento Santa Zélia e levaram quatro dias para carpir uma área de 1,5 hectare onde já foram plantadas mudas de árvores nativas.

Em troca, ganharam o direito de semear roças entre os brotos de árvores durante dois anos - e ficar com toda a renda obtida com esse plantio. Ganham um dinheirinho e mantêm saudáveis os bebês da Mata Atlântica. "Depois disso, as mudas de árvores já têm estatura e se desenvolvem sozinhas", explica Cullen. A destilaria Alcidia contribuiu para a empreitada ao fornecer tratores ociosos na entressafra para preparar o terreno e fazer as curvas de nível que servirão para conter as torrentes d'água e evitar a erosão. O grupo faz parte das 400 famílias envolvidas no projeto de formação dos corredores.

A idéia de ter trabalhadores assentados e usineiros trabalhando juntos, numa empreitada ecológica, parece um sonho, especialmente numa área conflagrada. Mas quem está na região há bastante tempo, como o pessoal do Ipê, é capaz de imaginar tais oportunidades e torná-las realidade. "Construímos laços de confiança porque não estamos aqui de passagem", diz Cullen, que chegou ao Pontal em 1989, quando cursava o último ano de engenharia florestal na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, São Paulo.

Ele ouviu falar de um grupo de ecologistas que tinham aportado na região em 1984 para estudar um pequeno mamífero, o mico-leão-preto, ameaçado de extinção. O grupo era dirigido por Cláudio Pádua, que tinha abandonado a vida de executivo para estudar biologia e pesquisar o mico. Pádua e família passaram a viver por ali e o Ipê foi fundado em 1992. Hoje a ONG está presente em outras quatro regiões brasileiras (leia o quadro abaixo), é considerada a terceira mais importante organização ambiental brasileira e nunca arredou o pé do Pontal.

A presença contínua e o estudo sistemático garantiram um acúmulo de experiências ambientais e sociais. Ficou evidente que os 35 mil hectares de área preservada do Parque Estadual do Morro do Diabo não eram suficientes para sustentar a sua fauna, que inclui mamíferos de grande porte como a onça-preta e a anta.

Os animais circulam entre o Parque e os fragmentos de mata remanescentes - cerca de 17 mil hectares - em busca de alimento. O Ipê estima que existam cerca de 20 onças-pintadas, 30 onças-pardas, 120 jaguatiricas e 250 antas nas matas da região. Alguns espécimes foram capturados para a colocação de radiocolares que permitem seu monitoramento. Assim, funcionam como "detetives ecológicos" e permitem aos técnicos mapear as rotas dos animais no mosaico fragmentado do parque e de seu entorno.

Corredores O estudo dos deslocamentos dos mamíferos contribuiu para a definição dos corredores agroflorestais que deveriam ser reconstituídos. Até chegar ao consenso, em 2002, sobre o mapa da reconstituição foi preciso muita conversa. O ponto de partida não foi o conhecimento teórico, mas a observação da natureza.

"Quando a gente vai para o campo, a realidade impõe correções de rumo, devido à topografia ou à presença de uma estrada", diz Gilson Bicudo, engenheiro agrônomo e supervisor, em Teodoro Sampaio, do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais, ligado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente. No final da empreitada, quando a solução dos corredores foi apresentada, há dois anos, estava cientificamente assentada e a "proposta de conectividade dos fragmentos estava de acordo com o Código Florestal, que prioriza o fluxo da flora e fauna", diz Bicudo.

Cumprida a primeira etapa, criar o consenso, o que foi um começo auspicioso, apresentou-se outro problema: faltavam as mudas de árvores nativas da Mata Atlântica. A solução encontrada pelo Ipê foi promover o envolvimento da comunidade e a busca de agentes para financiar projetos. O dinheiro inicial foi doado pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, mas os recursos não vieram de mão beijada.

O pessoal do Ipê teve que disputar com centenas de outros pleiteantes. A Inter-American Foundation também financiou o projeto dos corredores agroflorestais. A montagem dos viveiros ficou a cargo dos assentados pela reforma agrária, que o Ipê sempre envolveu no trabalho de educação ambiental. Atualmente existem 11 viveiros comunitários que produzem cerca de 250 mil mudas por ano.

Um desses viveiros está no assentamento de Ribeirão Bonito, a oeste do Parque Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio. Pertence à Comunidade Ecológica Ribeirão Bonito. Um de seus coordenadores é Edmilson Bispo Pereira, de 25 anos, natural de Alvinlândia, em São Paulo, que estudou até a 8ª série. Seus pais estão assentados na região desde 1998. Cultivam no viveiro 42 espécies nativas e Pereira é capaz de identificar todas elas. A cada quatro meses o viveiro produz 55 mil mudas usadas para criar os corredores florestais na reserva legal. Quem é assentado pela reforma agrária não paga nada, pois o financiamento obtido pelo Ipê cobre o custo.

Já fazendeiros e pecuaristas têm de pagar 70 centavos de real por muda. "Esse comércio acaba criando um contato entre os fazendeiros, que chegam no viveiro com suas camionetas importadas, e os assentados", diz Cullen. A proposta é plantar as árvores típicas da Mata Atlântica, inclusive as que produzem madeiras nobres, como a peroba, o ipê, o marfim e o cedro, que foram praticamente erradicadas depois que os trilhos da estrada de ferro Sorocabana chegaram às barrancas do rio Paraná, em 1922.

A demanda por mudas supera de longe a oferta, por isso o Ipê buscou uma solução alternativa. A Companhia Energética de São Paulo (Cesp) tinha dois viveiros de mudas de espécies nativas e não conseguia dar vazão à produção. De outro lado, a Cesp tinha uma passivo ambiental devido à construção de usinas hidrelétricas que inundaram parte das terras da região.

Coube ao Ipê negociar com o Ministério Público para que a doação de mudas à reserva legal fosse considerada como parte do pagamento da dívida ambiental da Cesp. Assim, a oferta de mudas aumentou em 250 mil por ano. E com tudo isso Cullen calcula que serão necessários 30 anos para reconstituir os 35 mil hectares de Mata Atlântica e atender à lei que exige a manutenção ou reconstituição de 20% das propriedades como reserva legal.

Um outro parceiro peso pesado foi atraído pelo Ipê. A Petrobras Ambiental financia o projeto As águas vão rolar. Ele prevê o plantio de 3 milhões de mudas para reflorestar 700 hectares de reserva legal e matas ciliares em pequenas propriedades e assentamentos, além de interligar duas glebas de matas que formam o Parque Ecológico do Mico-Leão-Preto e o Parque Estadual do Morro do Diabo. De quebra, serão formados 20 viveiros comunitários de mudas nativas. As propriedades familiares nos assentamentos receberão educação ambiental e agroecológica. 

Café com floresta A reconstituição da cobertura vegetal, que abriga a biodiversidade, além de dar sombra e quebrar a monotonia da paisagem de colinas cobertas de pasto, também é contemplada em outro projeto do Ipê na região do Pontal. Ele é voltado para as pequenas propriedades familiares formadas por assentados pela reforma agrária e tem o nome de Café com floresta. Na maioria das pequenas propriedades da região, existe um pomar nos arredores da casa.

O Ipê quer ampliar essas áreas com o plantio de café sombreado por árvores e com o cultivo de culturas de subsistência nas entrelinhas. Esse ainda é um projeto pioneiro, que envolve 38 famílias, mas serve para criar um novo padrão, pois o Ipê fornece as mudas de café e de árvores, mas exige que não sejam usados defensivos ou adubos industrializados no plantio. As áreas têm, em média, um hectare, e abrigam 4 mil pés de café. A presença constante dos técnicos do Ipê, que estão resgatando o extensionismo agrícola (leia o quadro ao lado), reintroduz os produtores nos mistérios da agricultura orgânica que, provavelmente, era praticada por seus avós.

"Não temos nenhum contrato escrito. O acerto é na base da confiança", diz Jefferson Ferreira Lima, um dos coordenadores do Café com floresta, que trabalha no Ipê desde 1999. Nesse projeto é permitido plantar árvores exóticas, que não são típicas da Mata Atlântica, pois "variedades que crescem rápido são importantes para mostrar os resultados de forma mais imediata e provar que o café se dá bem na sombra". Apenas adubo orgânico é utilizado e os técnicos procuram mostrar que o convívio com girassol, milho, feijão ou pepino serve para combater as pragas.

A relação do Ipê com os assentados é uma via de duas mãos. Lima diz que os técnicos aprendem com os agricultores quais são as árvores mais convenientes para sombrear o café. Ocorreu uma vez de um dos trabalhadores perceber que o mutambo concorria com o café. Ele cortou as árvores quando atingiram um certo porte - o que pode soar como uma heresia - e usou a madeira para fazer moirões de cerca.

José Santiago, do assentamento Tucano, em Euclides da Cunha, no Pontal, é um entusiasta do projeto, embora no começo duvidasse da proposta. "Nunca tinha visto café plantado na sombra, mas aprender não ocupa lugar e acabei gostando muito, pois não tenho despesas com adubo ou veneno, tiro meu café e ainda milho, feijão, abóbora e caju", diz. O fato, no entanto, é que não é fácil mudar hábitos entranhados.

Amélia Sales também tem um lote noTucano, onde está há 12 anos. Antes, ficou sete anos num acampamento do MST aguardando seu quinhão. No começo ela resistia à idéia de deixar restos do mato carpido no chão, para funcionar como cobertura orgânica. "Eu achava um absurdo deixar o terreno sujo, bem na frente da minha casa. O que a vizinhança ia pensar? Mas depois aprendi que as folhas e o mato ajudariam a adubar a terra", recorda. Ela também teve de enfrentar o ceticismo dos vizinhos, que nunca tinham visto café ser plantado na sombra.

"No começo todo mundo dizia que eu estava plantando café tatu, pois não saia do chão. Depois percebi que o pé de café era baixo, mas muito produtivo." Tirou uma saca de café limpo na safra passada e ficou quatro meses sem comprar o grão. "Quando precisava, torrava um bocado e fazia um café que era só alegria", diz, convencida de que o gosto do produto orgânico, tirado na sua terra, é bem melhor. Seus pés de café estão sombreados por mangueiras, que, além da garantir frutas para o sustento e para venda, atraem pássaros. "Tem muito tucano que pousa nas árvores para beliscar as mangas, sem contar os louros que são um pouco mais ariscos."

Trampolins ecológicos Plantar o café sombreado, numa região de clima quente, evita o stress da planta e cumpre outro papel ambiental. Os pequenos bosques servem como pousada para aves e insetos, funcionando como ilhas de biodiversidade, ou "trampolins ecológicos". Outro projeto agroflorestal do Ipê tem como meta proteger a mata do Parque Estadual do Morro do Diabo e das duas estações-ecológicas da região.

É o projeto Abraço verde, que prevê o plantio de árvores nativas, exóticas ou mesmo eucaliptos numa faixa de 100 metros de largura, nas fazendas e assentamentos que fazem divisa com áreas ambientalmente protegidas. A proposta é criar um cinturão verde, que serve como quebra-vento, retém os restos de agrotóxicos e evita o chamado efeito borda, que desgasta o ecossistema da Mata Atlântica.

Em cada um dos seus projetos agro-florestais, o Ipê tem um objetivo maior. Não se trata apenas de plantar café, mas de educar os proprietários no uso dos princípios da agricultura orgânica e na preservação da biodiversidade. As primeiras iniciativas de educação ambiental tiveram como foco os assentados pela reforma agrária, no começo dos anos 90. Até então, as atividades da ONG estavam centradas na preservação das espécies animais, como o mico-leão-preto, mas a realidade social falou mais alto.

As primeiras áreas desapropriadas e destinadas aos sem-terra ficavam em regiões marginais do ponto de vista econômico, no entorno de fragmentos de Mata Atlântica remanescentes, que não tinham muito valor para os assentados. Em outras regiões, reservas florestais foram destruídas por pequenos proprietários para expandir a área de cultura.

Para piorar, a maioria dos assentados pela reforma agrária tinha pouca familiaridade com a agricultura ou a pecuária. Muitos tinham passado vários anos em acampamentos e vinham de uma experiência como trabalhadores temporários. Foi então que o Ipê passou a dar importância cada vez maior à transferência de conhecimentos agroecológicos às comunidades, procurando ajudá-las a aumentar a renda, ao mesmo tempo em que os envolvia na proteção da mata nativa. Atualmente, existem no Pontal do Paranapanema 77 assentamentos de reforma agrária, com 5.016 lotes (55% do total no estado) e uma área total de 120 mil hectares (60% do total no estado). Nos cálculos do Ipê, a população total nos assentamentos já chega a 20 mil pessoas.

O tamanho médio dos lotes é de 15 hectares e a renda média familiar líquida é da ordem de 350 reais ao mês, nos cálculos dos técnicos do Ipê, embora o pessoal do MST estime que o rendimento é maior . Parece pouco, mas nos assentamentos mais antigos a produção para uso próprio garante um padrão de vida que os assentados não tinham quando trabalhavam como bóias-frias. No lote de Teresinha e Jorge Oliveira, no assentamento Tucano, a pecuária leiteira é a principal fonte de renda. Em janeiro, eles ainda cuidavam de uma la-voura de algodão.

E também participam do programa Café com floresta, que lhes proporciona um bem cuidado pomar no fundo da casa. Chama a atenção um pé de serigüela ao lado da casa, uma variedade exótica na região - já que tem origem nas Antilhas. Mas a fruta é muito popular no Nordeste brasileiro e remete à origem da família, que veio da região cacaueira da Bahia, passou pelo norte do Paraná e acabou se fixando no Pontal do Paranapanema.

A casa da família Oliveira é de madeira. O interior, muito bem cuidado e equipado, previa apenas um fogão a gás na cozinha, mas um puxado foi construído nos fundos e abriga um fogão a lenha, que usa o combustível abundante no sítio. O sonho da proprietária é trabalhar menos, pois a jornada é dura, de sol a sol. Ela arregaça a manga da blusa e mostra o braço queimado, na parte que fica exposta.

"Não quero ficar como meu sogro que ainda não tem 70 anos e está doente, por causa do tempo em que trabalhou curvado sobre a enxada, respirando agrotóxicos", afirma Teresinha. Seu marido, aos 34 anos, lamenta ter parado de estudar na 4ª série e não ter aproveitado para freqüentar a escola nos oito anos em que ficou num acampamento do MST aguardando o seu lote de terra. Os dois trabalham duro para garantir um futuro melhor para os filhos. Querem que eles cheguem à universidade.

A boa notícia, para essa família em especial, é que o que poderia ser um projeto absolutamente utópico pode virar realidade. A presença da agricultura familiar mudou o perfil demográfico e econômico da região, antes dominada pela pecuária extensiva que não gerava empregos, e impôs que as administrações municipais desenvolvessem políticas públicas diferenciadas.

A agricultura familiar resultante dos assentamentos nos anos 90 sustenta um comércio forte e evitou um colapso econômico, principalmente depois da conclusão, em 1989, da usina hidrelétrica de Taquaruçu, situada a apenas 20 quilômetros de Teodoro Sampaio. Engenheiros, técnicos e operários foram embora. A população do município caiu de 46.131 habitantes em 1990 para 20.643 em 2004.

Atualmente a prefeitura de Teodoro Sampaio aluga um ônibus que leva os jovens da cidade para faculdades de Presidente Prudente, cidade vizinha. Prova de que há um número significativo de estudantes. Um bom exemplo da mobilidade social na região do Pontal é Haroldo Borges Gomes, de 26 anos, que compõe a equipe responsável pelo projeto Café com floresta. Ele toma diariamente o ônibus fretado pela prefeitura de Teodoro Sampaio para freqüentar o curso noturno de biologia em Presidente Prudente, que espera concluir em 2006. Técnico agrícola, Gomes tem origem numa família de assentados, que ficou quatro anos no acampamento São Bento, do MST, em Mirante do Paranapanema, até conquistar um lote, em 1996.

Um dos princípios da ONG é respeitar as tradições e a individualidade das comunidades, e transferir-lhes conhecimento. Isso exige um corpo-a-corpo cotidiano de seus funcionários, que passam boa parte do tempo em trabalho de campo. De outro lado, pressupõe um contínuo processo de aprimoramento, em cursos de graduação ou em níveis superiores. Entre os 60 funcionários do Ipê, quatro fazem mestrado, 12 têm o mestrado, sete fazem doutorado e quatro já são doutores.

 

Um deles é Cullen, que faz o seu trabalho de campo e de articulação na região do Pontal, mas sempre achou tempo para a formação acadêmica. Usou o conhecimento adquirido no trabalho de campo para subsidiar teses acadêmicas. Fez o mestrado na escola de Engenharia Florestal na Flórida, com o trabalho "Caça e biodiversidade nos fragmentos da Mata Atlântica em São Paulo", concluído em 1997. Nele, procurava medir e evitar o impacto da caça pelas populações rurais sobre o meio ambiente. Não parou por aí e fez um doutorado na Universidade de Kent, na Inglaterra, sobre os hábitos da onça-pintada no Pontal e seu papel como "detetive ecológico". Agora está fazendo um pós-doutorado em Kent, onde passa dois meses por ano, hospedado na casa de seu orientador, Richard Bodmer. Dedica seu tempo a pôr em ordem as leituras, escrever e fazer pesquisas na biblioteca da universidade.

Mas Cullen, além do seu papel como diretor-científico do Ipê e coordenador das atividades no Pontal, tem de vestir outro chapéu, ao cuidar da captação de recursos para financiar as atividades do instituto. "Todo o nosso pessoal tem como missão garimpar financiamentos. Graças a isso conseguimos alto padrão de eficiência", diz. "Usamos metade do nosso tempo buscando financiamentos e produzindo os relatórios de desempenho de cada projeto." Uma de suas preocupações é o descasamento de prazos entre os projetos ambientais do instituto, que podem exigir até 30 anos para se tornar realidade, como no caso dos corredores de interligação dos fragmentos de floresta, e os financiamentos, cujo prazo máximo costuma ser de dois anos. "Temos recursos para operar até 2007, mas estamos procurando financiamento de longo prazo, o que exige mais rigor na elaboração dos projetos."

Até agora, o Ipê tem dado mostras de que, a exemplo da natureza, tem uma ótima capacidade de adaptação. Chegou ao Pontal do Paranapanema no final dos anos 80 para estudar e proteger espécies ameaçadas. Seu diretor e fundador, Cláudio Pádua, lembra que, em meados dos anos 90, o governo do estado de São Paulo estava fazendo acordos com fazendeiros que ocupavam terras públicas e oferecia a titulação, desde que cedessem metade da área para a reforma agrária.

"Procurei uma representante do Instituto de Terras do Estado de São Paulo, que era responsável pela negociação com os fazendeiros e pelos assentamentos, e questionei que eles não estavam se preocupando com a questão ambiental." Ele conta que recebeu uma resposta ríspida e percebeu que não havia espaço com as autoridades. Resolveu procurar o MST e foi bater à porta da cooperativa dos assentados, a Cocamp (leia quadro na página ao lado) e conseguiu que ela colocasse a recuperação das matas nativas em seu programa de atividades, incluindo a criação dos viveiros comunitários.

Assim, o Ipê assistiu o despontar do conflito fundiário no Pontal do Paranapanema, no começo dos anos 90 e, sem mudar o seu projeto original, fez uma correção de curso. Começou a educar os assentados pela reforma agrária para que se tornassem protetores dos restos da Mata Atlântica. Somou o conhecimento adquirido com o estudo dos animais e da fauna em geral, ao prestígio que adquiriu junto às diversas comunidades da região, para colocar de pé o projeto dos corredores agroflorestais que interligarão os fragmentos da Mata. Uma trajetória de reflexão e laços profundos com a realidade local.

Saiba mais:
http://www.ipe.org.br/
http://www.whitley-award.org/old/News/ WhitleyAwards2002.html
http://www.rolexawards.com/laureates/laureates-2004/cullen_jr.html
http://www.itesp.sp.gov.br/
http://www.planetaorganico.com.br/cafepedini.htm
http://www.mst.org.br/mstsp/hist.htm

 
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