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A sustentabilidade das pessoas simples - Ética no comércio impulsiona geração de emprego e renda em diversas partes do país

2007 . Ano 4 . Edição 36 - 10/10/2007

Por Sérgio Garschagen, de Brasília

"Não sei falar essas palavras bonitas que vocês falam aí não, mas aprendi o que é sustentabilidade. A gente poluía o rio, agora não polui mais. Protegemos o rio. Antes, a gente sobrevivia. Hoje, temos trabalho, nossos maridos nos ajudam, e está tudo dividido: tem um grupo que compra, outro que vende e ainda tem um grupo para produzir. Nós estamos tão organizados que o nosso trabalho não vai acabar não. Sabe por quê? Porque nós entendemos de sustentabilidade. Nós vamos ficar trabalhando por nossa conta. Isso para mim é sustentabilidade."

O curto depoimento da artesã Maria Célia Alves de Assis emocionou a platéia de 35 representantes de associações e cooperativas, durante seminário sobre comércio solidário realizado este ano, em Fortaleza. O encontro foi promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em parceria com a World Vision (Visão Mundial), organização não-governamental (ONG) cristã, humanitária e de desenvolvimento criada nos Estados Unidos em 1950 e presente no Brasil desde 1975.

Piauiense, 56 anos de idade, Maria Célia trabalha desde os seis, quando arranjou o primeiro emprego: babá.Aprendeu sozinha a ler e escrever "algumas poucas coisas". Aos 14, foi morar em Fortaleza e trabalhou em casas de família apenas pela comida. Engravidou aos 25 e resolveu criar o filho em uma cidadezinha menor. Maracanaú, município industrial a 18 quilômetros de Fortaleza, foi o local escolhido, por causa das empresas, onde poderia trabalhar. Mas não conseguiu emprego. Sobrevivia catando sobras nas feiras e na Ceasa. Foi uma das primeiras pessoas a montar o seu barraco na favela Alto Alegre, quando começou a invasão do terreno, situado às margens do rio Maranguapinho. "Lá, o pessoal pelo menos conseguia se sustentar extraindo areia e barro para as olarias."

A atividade - predatória - foi proibida pelo Ibama. Ela lembra com tristeza do período em que ficou impedida de catar barro. Dias depois caiu em um poço de seis metros de profundidade e quebrou várias vértebras. Foram meses de imobilização, sem poder catar restos de verduras e legumes na Ceasa. "Cheguei a desmaiar de fome e tive de ser socorrida por vizinhos."

COOPALEGRE Quando convidada para depor no seminário sobre a mudança em sua vida, proporcionada pelo comércio solidário, Maria Célia falou na condição de presidente da Cooperativa de Mulheres Artesãs e Costureiras de Alto Alegre (Coopalegre). A cooperativa funciona em barracão, na antiga invasão, e as 80 associadas trabalham com palha de carnaúba e produzem cestos de diversos formatos e tamanhos, além de jogos de mesa do tipo americano.

Afastado de vez o imperativo diário de pensar unicamente na sobrevivência, as artesãs agora têm dois projetos: manter a creche da comunidade e reflorestar as margens do rio com carnaúba, para garantir a reposição da matéria-prima de que necessitam.

O trabalho desenvolvido pelas artesãs cearenses na Coopalegre é resultado do apoio que receberam de entidades nacionais e internacionais especializadas em comércio justo e solidário - que é internacionalmente conhecido como fair trade, e no Brasil como equo-solidário ou ainda ético solidário.

Este tipo de associação, segundo o pesquisador Luiz Eduardo Parreiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é o mais viável e apropriado para as populações excluídas e pobres conseguirem acesso à renda e superarem a falta de capital e de conhecimento. "É este desafio que está sendo trabalhado o tempo todo nos projetos."

Com a ajuda da empresa Ética - Comércio Solidário, organização sem fins lucrativos criada pela Visão Mundial para escoar a produção desses segmentos aos mercados nacional e internacional, as cinco mil peças artesanais produzidos anualmente pela Coopalegre estão sendo comercializadas por uma rede de lojas especializadas em decoração, em todo o país.

A história de Maria Célia sintetiza a mudança que este tipo de negócio, no sentido lato do termo latino - negação do ócio - proporciona às comunidades carentes que encontram uma fonte de renda. Como as senhoras de Alto Alegre, as pessoas beneficiadas deixam de apenas sobreviver para produzir em conjunto e se apoiarem mutuamente. Aprenderam o significado do termo cooperação que garante o sustento de todos, em um clima de harmonia.

"É uma alegria saber que há pessoas que gostam e compram o que fazemos", diz Maria Célia.

QUESTIONAMENTOS Este tipo de comercialização, solidária, nasceu na Europa logo após a Segunda Guerra Mundial, mas ganhou impulso apenas nos anos 1960, quando diversas entidades religiosas, empresas importadoras e organizações de apoio social iniciaram a importação de artesanato e produtos agrícolas de países do Terceiro Mundo. Uma parcela desses consumidores questionava a origem e só adquiria produtos oriundos de países pobres ao ter certeza de que não exploravam mão-de-obra infantil ou escravizada. Mais tarde, passaram a exigir também que os produtos não causassem danos ao meio ambiente.

Em termos sociais, seria uma contraposição, embora minúscula,de setores das sociedades ricas ao processo de globalização, que garante aos consumidores, em todo o mundo, acesso a produtos descartáveis e cada vez mais baratos, fabricados pelas grandes empresas multinacionais nos países subdesenvolvidos e de mão-de-obra barata. É um tipo de exigência que se faz cada vez mais presente. Consumidores japoneses de carne de rã, por exemplo, exigem que as importações sejam provenientes de criadores cadastrados e fiscalizados e não de caça predatória.

Em palestra no Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc-SP), o economista Paul Israel Singer, titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes),do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ressaltou que a conscientização cada vez maior dos consumidores obriga as empresas capitalistas tradicionais a se adequarem às pressões do mercado no sentido de que elas assumam, cada vez mais, responsabilidades sociais.

Exigências com relação à origem dos produtos gradativamente se espalharam pelo mundo em ondas concêntricas que acabaram por beneficiar o processo de geração de renda no Brasil, onde atualmente cerca de 2 milhões de pessoas estão envolvidas diretamente em cooperativas especializadas no comércio justo e solidário.

Como ressalta a consultora Virgínia Lacerda, representante no Brasil do Consorzio del Prodotto Giusto, Etico e Solidale (Conges), entidade tradicional no segmento solidário, "nos últimos cinco anos esse tipo de empreendimento cresce à taxa anual entre 45% e 50% em todo o mundo e,mais que os resultados financeiros em si, ou a busca pelo maior lucro líquido, seu foco principal é garantir trabalho e renda".  Para ela, infelizmente, o Brasil demorou demais a embarcar no processo.

As trocas comerciais solidárias ganharam dimensão internacional e, segundo dados da Fair Trade Europe - organização que garante a origem dos diversos produtos comercializados em todo o mundo - movimentam atualmente US$ 230 bilhões anuais, sendo US$ 180 bilhões certificados pela Fair Trade Labeling Organization, responsável pela certificação dos produtos.

BRASIL O comércio solidário no Brasil,na avaliação do diretor de Estudos e Divulgação da Senaes, Roberto Marinho Alves da Silva, se desenvolveu naturalmente a partir da década de 1990.

Segundo a Cartilha da Campanha Nacional de Mobilização Social,editada em 2006 pela Senaes, "esse crescimento foi uma estratégia de enfrentamento aos processos de exclusão social e precarização do trabalho que acompanham o desenvolvimento do capitalismo - marcado pela contradição de produzir riquezas gerando miséria - nos últimos dois séculos".

O objetivo da Senaes, criada em 2003, é oferecer subsídios à formulação de políticas públicas e realizar o mapeamento da economia solidária no Brasil. Com esse objetivo foi desenvolvido o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (Sies), composto por informações dos empreendimentos econômicos solidários e entidades de apoio, assessoria e fomento.

Além disso, no início de 2006 a Secretaria iniciou uma série de conversações com pessoas ligadas ao segmento de economia solidária sobre a criação de um sistema brasileiro de comércio solidário. O objetivo é integrar todas as experiências existentes no país de modo a permitir a adoção de políticas públicas favoráveis ao crescimento da atividade.

Essas negociações levaram o MTE a defender a agregação do termo "justo" - comércio justo e solidário - a esse modelo de negócio, de modo a deixar mais bem estabelecida a necessidade da correta valorização do trabalho realizado pelas pessoas envolvidas na produção.

MERCADO INTERNO Ainda na avaliação do diretor da Senaes, impulsionar a economia solidária é uma forma de cooperação dos países desenvolvidos em relação ao mundo em desenvolvimento, que sempre participou do processo como simples fornecedor, embora obtendo nas exportações um valor unitário superior ao das vendas internas.

O governo federal, entretanto, pretende focar o desenvolvimento do setor no mercado interno brasileiro, gerando emprego e renda por meio de um sistema que seja competitivo e forneça certificados participativos de produtos não ambientalmente agressivos e oriundos de relações igualitárias, sem exploração.

Um dos nichos que podem ser mais explorados, por exemplo, é o da merenda escolar, com incentivo às atividades produtivas regionais, substituindo produtos industrializados nas escolas.

Os mais recentes levantamentos da Senaes comprovaram a existência de 21.857 empreendimentos envolvidos no comércio justo e solidário em todos os estados brasileiros, sendo que 50% estão ligados à agricultura familiar, o que facilita o envolvimento com o processo de alimentação escolar.

Em conjunto, as atividades solidárias geram 2 milhões de empregos diretos e movimentam, em média, recursos da ordem de R$ 627 milhões mensais, somando R$ 7,5 bilhões por ano, informa Marinho.

Mas, apesar do atraso brasileiro em embarcar no processo econômico solidário, novas cooperativas estão sendo formadas e não são constituídas apenas por agricultores, costureiras e artesãos. Há também cooperativas especializadas em reciclagem de resíduos sólidos - vidro, alumínio, garrafas plásticas e outros materiais -, setor com maior nível de adesão recente, ao lado da metalurgia. O tratamento estatístico da base de dados colhidos pela Senaes está sendo realizado pelo Ipea.

De certa forma, o real valor dos custos da produção já está sendo reconhecido em alguns segmentos. Matéria-prima vendida a preço duas vezes maior que o pago pelas empresas convencionais não causa espanto entre o pessoal envolvido ideologicamente com o comércio solidário.

ALGODÃO Exemplo típico é o da cadeia agroecológica gaúcha Justa Trama, especializada em produtos confeccionados com algodão natural, sem uso de agrotóxicos ou de produtos transgênicos. A Justa Trama agrega agricultores, coletores de sementes, fiadores, tecedores, artesãos e costureiras.

A encarregada da Justa Trama, Nelsa Inês Fabian Nestolo, informa que o algodão ecológico, oriundo de seis municípios do Ceará e também da região norte do Paraná, é plantado por mais de 200 famílias. É necessária essa combinação de fornecedores, explica, porque a época de colheita no Nordeste difere em relação ao Sul. "Quando os produtores cearenses concluem as suas colheitas, os paranaenses garantem o abastecimento e viceversa".

Este ano a Justa Trama - fundada há 11 anos como uma associação de pequenos empresários que desejavam apenas aumentar o volume de compras para obter melhores descontos - vai importar duas toneladas de algodão cearense e oito toneladas de algodão paranaense.

A carga será transportada para a Cooperativa Nova Esperança, em Nova Odessa (SP), encarregada da produção de fios que, por sua vez, serão transformados em malhas e tecidos na cooperativa Stylo, em Santo André. Finalmente duas outras cooperativas - a Fio Nobre, em Itajaí (SC), e a Unidas Venceremos (Univens), de Porto Alegre, confeccionam as roupas com a marca Justa Trama.

AGROTÓXICOS "Pagamos R$ 2,00 por quilo aos produtores desse algodão natural, para garantir a sua pureza,quando o preço pago pelo comércio tradicional é R$ 1,00. Sabemos das dificuldades de se colher um produto que é facilmente infestado por pragas e que, por essa razão, é borrifado constantemente com venenos", diz Nelsa.

As compras vêm crescendo nos últimos três anos: 1,5 tonelada em 2005, 2,5 toneladas em 2006 e 10 toneladas este ano. O próximo passo é a produção de jeans sem agrotóxicos, que envolverá, da mesma forma, diversas cooperativas em vários estados brasileiros, todas preocupadas com a mesma cadeia produtiva. Todo o algodão adquirido pela Justa Trama é certificado por instituições confiáveis, incluindo técnicos do Ministério da Agricultura. "Nossos clientes são pessoas que freqüentam feiras ecológicas e têm consciência ecológica. Não se importam de pagar um pouco mais por uma camiseta livre de venenos que poluem o ambiente".

Nelsa afirma ainda que uma camiseta comum de algodão pesa 250 gramas e recebeu cerca de 200 gramas de venenos variados, e diz temer que isso se torne um argumento a ser utilizado pelos que defendem o plantio de sementes de algodão geneticamente modificado.

A Justa Trama é um dos poucos setores da economia solidária que obtiveram linha de crédito de R$ 105 mil junto ao Banco do Brasil, para financiar as diversas operações da sua cadeia produtiva. A empresa quer agora levantar recursos para adquirir equipamentos novos e atender às novas encomendas da França, Itália e Espanha, para onde já exportam pequenas quantidades.

CRÉDITO O crédito é outro problema citado pelo setor como um dos fatores que amarram o comércio justo e solidário no Brasil. Apenas 16% dos empreendimentos nacionais do setor tiveram acesso a alguma linha de financiamento, além de problemas associados à dificuldade de assistência técnica e para comercialização.

O diretor da Senaes, Roberto Marinho, diz que há negociações junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o objetivo de tornar mais flexíveis as exigências burocráticas para a obtenção de financiamentos, levando-se em consideração que a maior parte dos empreendimentos não tem como atender às exigências de garantias reais para levantar empréstimos, como as empresas tradicionais. "A maioria dos empreendimentos que necessitam de recursos de investimentos é formada por cooperativas que arrendam plantas industriais de empresas que estão sub judice".

Para Marinho, o êxito dos empreendimentos voltados ao comércio solidário depende de quatro características básicas: cooperação entre o pessoal envolvido em toda a cadeia, da produção à comercialização; autogestão, que se traduz pela propriedade coletiva dos meios de produção; a dimensão econômica do empreendimento, que exige o esforço geral de todos no foco do projeto na geração de renda e melhoria da qualidade de vida de todos os participantes; e, "finalmente, solidariedade, um leque que refresca a todos internamente e ainda gera uma aragem capaz de manter aceso o desejo de todos em relação aos processos de conquistas - da terra ao crédito e em relação à manutenção da atividade".

As particularidades do comércio solidário, que o distinguem da gestão dos negócios capitalistas comuns, são apontadas no livro "Negócios Solidários em Cadeias Produtivas", sobre a experiência da Fundação Banco do Brasil na execução de projetos de estruturação de empreendimentos solidários. Seu autor, o pesquisador do Ipea Luiz Eduardo Parreiras, destaca a exigência de transparência e o caráter participativo dos seus processos decisórios.

"Pode-se afirmar sobre essas características que elas constituem duas exigências radicais. A falta de transparência necessária nos empreendimentos não apenas resulta em dificuldades intransponíveis à participação consciente e efetiva dos associados, como costuma ser o começo do processo de discórdia que mina a confiança entre as pessoas e leva à implosão dos empreendimentos", diz.

Para o pesquisador do Ipea, "felizmente já existem sistemas de informações gerenciais que se constituem em recurso efetivo para a disponibilização automática de dados e relatórios e são suficientes para garantir a maior parte da transparência requerida para um funcionamento sem sobressaltos".

Roberto Marinho, do MTE, por sua vez, considera a autogestão como o ponto mais sensível na manutenção das atividades produtivas no comércio solidário, seja nos estágios iniciais ou nos mais avançados do processo. "É preciso que haja unanimidade e respeito às decisões coletivas e sobre a aplicação dos resultados da atividade".

 
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