Produção agroecológica sustentável - Mais de mil pequenas áreas familiares em forma de círculo movimentam economias locais |
2008 . Ano 5 . Edição 40 - 11/02/2008 Por Jorge Luiz de Souza, de São Paulo "O Pais não é apenas produção para o seu próprio sustento. É para produzir para vender", diz Pena. Cada unidade é montada em torno de um sistema de anéis, cada um deles destinado a uma determinada cultura, que complementa a que vem a seguir. O centro do sistema é utilizado para a criação de pequenos animais como galinhas caipiras e patos. O esterco produzido pelas aves é utilizado para adubar a horta, que ocupa o anel em torno do galinheiro, que por sua vez é circundado por um quintal ecológico. O módulo básico é de 5 mil metros quadrados para uma família de cinco pessoas. Um galinheiro padrão, com apenas dez galinhas e um galo, é capaz de gerar o sustento de uma família em condições bem melhores da média nas regiões que o projeto alcança. O convênio FBB/MI/Sebrae tem como padrão localizar os Pais em três municípios em cada estado,com 30 unidades por município. Isto foi aplicado em 12 estados - Espírito Santo, Bahia, Goiás,Minas Gerais, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas, Ceará, Mato Grosso do Sul e Pernambuco - , somando 36 municípios e 1.081 Pais (houve uma unidade a mais em um município do Rio Grande do Norte). Além disso, a FBB já bancou outros 305 Pais em municípios não atendidos pelo convênio em Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Rio Grande do Norte e Bahia. O projeto já passou por avaliações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e de uma consultoria contratada pelo Sebrae. Em outubro do ano passado a FBB contratou uma nova avaliação com a Fundação Getulio Vargas (FGV). A Conab é parceira do Pais em vários estados na etapa da comercialização. O projeto inteiro absorveu investimentos de R$ 7,4 milhões, sendo R$ 3,9 milhões aportados pela FBB, R$ 1 milhão do MI e R$ 2,5 milhões do Sebrae.Com isto, o custo médio de cada unidade está em R$ 5,35 mil, sendo que o kit fornecido a cada família beneficiada custa em média R$ 3,5 mil, e o restante são despesas de gestão, acompanhamento e assistência técnica. CARACTERÍSTICAS Além do formato circular, as principais características do Pais são a irrigação por gotejamento, ausência completa de agrotóxicos e presença de culturas diversificadas, baixo custo e manejo orgânico da produção. "O Pais nasceu de problemas práticos de uma propriedade que buscamos solucionar", diz o agrônomo Aly Ndiaye. "A maior parte dos problemas eram as distâncias dentro da propriedade - gado lá, a horta aqui, tudo espalhado. Procuramos resolver isso e fazer um desenho que facilite a reciclagem, porque a base da agroecologia é a reciclagem. Juntar a horta e a área animal,que dá o esterco,permite maximizar a reciclagem entre a horta e as galinhas, que produzem esterco a ser usado na horta, e o que sobra da horta é alimento para as galinhas. E quando o produtor não traz os nutrientes de fora da propriedade, ele diminui os custos de produção", diz ele. No quintal agroecológico, o produtor planta milho para as galinhas, frutas, leguminosas ou o que quiser. "Fiz questão de chamar de quintal para o produtor dizer 'é o meu quintal'", diz Ndiaye."Produzir alimento saudável é o primeiro passo, e produzir alimento diversificado para comercializar os excedentes.A aglutinação em pólos de produção facilita a comercialização, a assistência técnica e a troca entre os produtores. Tudo isso é uma estratégia de mercado. A maioria comercializa em feiras que as prefeituras montam na região. São feiras que também têm produtos convencionais, mas o pessoal do Pais oferece pelo mesmo preço um produto orgânico. Então, todo mundo compra primeiro os produtos do Pais e só depois compra os convencionais. A Conab também está comprando para a merenda escolar em muitos municípios", acrescenta. "É preciso disseminar o consumo de hortaliças, combater a fome, gerar trabalho e renda. E a opção pelo gotejamento dá menos pragas, economiza água, além de outras vantagens", diz o presidente da FBB. Segundo ele, há "quatro fatores críticos de sucesso: a seleção das famílias (o fato de não ser só para o próprio sustento, mas para produzir excedentes, é levado em consideração ao selecionar as famílias); capacitação (todos os selecionados recebem antes de tudo um curso de capacitação); instalação (a horta não é feita pelo dono da terra, mas com ele - ele recebe um kit com canos, caixa d?água,mangueiras para gotejamento, etc., e o técnico fica vários dias instalando); e acompanhamento (não pode dar a semente e nunca mais voltar lá)". Ele explica que "o sistema de visitas periódicas é para não deixar o agricultor usar venenos se aparecem bichos. Ou, por exemplo, se um agricultor planta alface e tem sucesso, resolve plantar tudo de alface e isso atrai pragas e ele traz veneno. A visão da agroecologia tem que ter acompanhamento". O procedimento de escolha é, segundo ele, o seguinte: "Definimos, com as instituições que apóiam, os estados onde serão feitos, escolhemos três municípios, e aí se faz a relação de famílias. A FBB e o Sebrae disponibilizam os recursos para uma instituição sem fins lucrativos, uma Oscip ou uma ONG, para que ela faça uma licitação, e nós pagamos os fornecedores. Não há doação para o cidadão". E a localização é variada, diz. "Tem em aldeia indígena, em assentamento de reforma agrária, em chácaras em periferias de grandes cidades..." EMPREENDEDORISMO "O Sebrae trabalha com o empreendedorismo - ele viu nesse projeto do Pais uma oportunidade de estar em pequenas propriedades rurais onde ele possa motivar produtores através do associativismo e do cooperativismo, para que possam estar no mercado", diz a coordenadora de projetos do Sebrae Nacional, Newman Maria Costa. "É um trabalho com grupos e não com famílias isoladas. Optamos pela forma bem integrada, com unidades a poucos quilômetros umas das outras. O apoio das prefeituras fica facilitado com a localização próxima", diz. "Como o Sebrae não pode aportar recursos para investimento imobilizado, ele presta consultoria e gestão do processo - com pessoas, mas também com aporte de recursos para isso, porque essas pessoas são contratadas, enquanto a FBB e o MI entraram com os recursos para imobilizado", diz Newman Maria. "Por ter capilaridade maior, o Sebrae assumiu a gestão do projeto", diz ela. Outra ação destacada por Newman Maria é a "capacitação em associativismo e acesso a mercado. Os produtores rurais que aderem ao Pais precisam desenvolver a cultura associativa para ter acesso a mercados locais e regionais". Uma pesquisa feita com uma família de cinco pessoas em Monteiro (PB) registrou durante um mês, no segundo semestre do ano passado, tudo o que foi produzido e vendido na feira agroecológica. Euriberto Carlos Bezerra de Souza e Maria Verônica (Verinha) de Oliveira e seus três filhos obtiveram uma receita bruta de R$ 1.631,30, com um custo de produção de R$ 523,20, o que lhes rendeu uma receita líquida de R$ 1.108,10 e lucratividade de 68%, risco baixo e retorno do investimento de 3,15 meses (considerando a parte referente à aquisição do kit básico de implantação do Pais no valor de R$ 3,5 mil). "Fizemos essa amostra para mostrar a viabilidade do projeto. A família vivia apenas com a renda do marido, que era um salário mínimo", acrescenta Newman Maria. "Temos que ensiná-los a prestar atenção no custo de produção, na reposição de equipamentos, etc." Como resultados, ela aponta a "melhoria da alimentação familiar e da integração familiar, porque os filhos ajudam. Geralmente, se colhe no final do dia para vender na manhã seguinte.Além disso, as pessoas passam a comer o que não comiam. E tem um fator material: começaram a adquirir produtos a que não tinham acesso", diz ela. |