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Sustentabilidade na Amazônia - Agricultores tiram seu sustento em projeto sustentável de florestas de alimentos na Amazônia

2008 . Ano 5 . Edição 45 - 05/07/2008

Milhares de quilômetros separam o distrito de Nova Califórnia, na divisa dos estados do Acre e de Rondônia, dos principais centros consumidores do país - aliás, de todos os principais pólos irradiadores de qualquer tendência ou novidade. Mas a distância pouco importou para que os agricultores que resolveram tirar de lá o sustento de suas famílias transformassem sua aventura numa bem-sucedida experiência que seria reconhecida internacionalmente. A verdadeira "missão" desenvolvida pelo Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (conhecido como Projeto Reca) rendeu aos seus idealizadores o Prêmio ODM Brasil 2007, iniciativa do governo brasileiro em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Foi um reconhecimento à sua contribuição para o cumprimento dos Objetivos do Milênio (ODM), principalmente aqueles relativos a sustentabilidade ambiental, combate à pobreza e garantia da segurança alimentar. Para entender como foi possível garantir paz e prosperidade a centenas de moradores numa região tão inóspita como o Noroeste do país, no coração da floresta amazônica, é preciso explicar como se deu o processo de colonização do local. Em fins de 1970, diversas famílias atenderam aos chamados de uma oferta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a agência fundiária do governo federal, e partiram para a colonização na Amazônia. O Incra doou lotes de 100 hectares de mata fechada aos interessados em colonizar os grotões do Brasil na esperança de resolver um problema fundiário, uma vez que Acre e Rondônia divergiam sobre a localização da linha de divisa territorial na região.

A notícia correu todo o país e incontáveis "aventureiros" partiram para a jornada incerta - boa parte deles saiu de terras distantes, como Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, atrás da terra prometida. Quando chegaram lá, descobriram que a coisa não era assim tão boa quanto anunciava a propaganda. Para se ter uma idéia, as trilhas deixadas pelos técnicos do Incra já não existiam mais e as dificuldades para abrir as primeiras clareiras no meio da densa floresta foram imensas. O propósito original dos pioneiros era desmatar sem compaixão e plantar café, cacau, arroz, feijão e milho, mas logo o solo se mostrou impróprio para o cultivo desses produtos. Para piorar, a malária castigou violentamente os colonizadores, a infra-estrutura era extremamente limitada, dada a distância dos centros urbanos, e o apoio governamental era muito restrito. Daria muito mais trabalho do que se imaginava e as perspectivas não eram nada animadoras.

ESPERANÇA Eunice Sordi tinha um ano de idade quando deixou Romelândia, cidade no interior de Santa Catarina distante mais de 4 mil quilômetros do destino que o pai escolheu para toda a família. Com a filha no colo, Nilo Sordi tinha um sonho fixo na cabeça: explorar de maneira bem-sucedida o lote de terra oferecido pelo governo federal. Eunice recorda que o trabalho mostrou-se improdutivo, pois havia todo tipo de dificuldade. "Muitos dos migrantes, de todos os cantos do país, simplesmente resolveram deixar tudo para trás e voltar para suas terras de origem", conta Eunice.

Em meados de 1984, um grupo de obstinados partiu para uma localidade próxima, um antigo seringal hoje conhecido como Nova Califórnia, às margens da BR-364, distante 370 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia, para tentar a sorte mais uma vez. Eles promoveram um intercâmbio com os nativos da região e se organizaram em pequenas associações, entendendo que dessa maneira obteriam de maneira mais fácil recursos de financiadoras para dar cabo ao trabalho e escoar a pequena produção que começava surgir. No entanto, depois de novamente enfrentarem dificuldades com o que estavam produzindo, tiveram a idéia de cultivarem produtos da floresta.

"Era preciso encontrar uma nova maneira de viver e produzir na Amazônia, que levasse em conta a vocação florestal da terra e as diferentes necessidades de migrantes e extrativistas, ou seja, um sistema de produção que protegesse as pessoas e o solo e simultaneamente atendesse às demandas de mercado, permitisse a geração de renda e garantisse a segurança alimentar da comunidade e a sustentabilidade ambiental do ecossistema", observa o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Emmanuel Cavalcante Porto, que visitou a região.

Foi assim que deixaram o arroz e o feijão e partiram para a produção de iguarias típicas da Amazônia, como o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), a pupunha (Guilielma speciosa) e a castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), também conhecida como castanhado- pará. As coisas começaram a caminhar e em 1989 a agência financiadora holandesa Cebemo decidiu apoiar a iniciativa dos pioneiros da floresta. Nascia o Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado - "Um Novo Modo de Viver e Produzir na Amazônia", oficialmente criado no dia 18 de fevereiro de 1989. De início, recordaria toda a família de Eunice, hoje técnica agropecuária envolvida diariamente com o projeto, eram apenas uma balança, uma seladora, um freezer e duas tesouras para despolpar as frutas. Mas já era um começo.

INOVAÇÃO O tempo passou e hoje o Projeto Reca conta com 12 grupos comunitários e reúne 354 famílias associadas. Cada grupo encontra-se mensalmente e conta com um coordenador, um líder e uma líder mulher. O Reca é dirigido pelos produtores e a assistência técnica é prestada pelos filhos de produtores que foram apoiados em sua formação nas "Escolas Família Agrícola" (modelo de educação profissionalizante adotado em diversas regiões no interior do Brasil). O braço operativo do Reca recebe o nome de execução e encontra-se organizado em duas gerências: uma ligada à gestão administrativa, financeira e comercial e a outra de transporte, beneficiamento, armazenagem da produção e manutenção da estrutura física do projeto. No dia-a-dia, a coleta dos frutos é de responsabilidade de cada produtor até sua entrega na indústria. Dali em diante, o Reca trabalha com o beneficiamento do palmito de pupunha polpas de frutas e óleos. Trabalho que dá certo: só em 2007 o projeto movimentou mais de R$ 3 milhões nos mercados interno e externo.

O objetivo da prática "Um Novo Modo de Viver e Produzir na Amazônia", slogan-mantra do projeto, é organizar as famílias integrantes em pequenos grupos de estudo e solidariedade e recuperar áreas alteradas com espécies florestais amazônicas com potencial econômico, beneficiando- as e comercializando-as - conseguindo assim fixar as famílias na propriedade rural com qualidade de vida, diminuindo o êxodo rural e o desmatamento. Os integrantes, um tanto migrantes de todos os cantos do país, outro tanto antigos seringueiros da região, reúnem-se na Associação de Agrossilvicultores do Projeto Reca, que buscam a melhoria da qualidade de vida das famílias de produtores agroflorestais através da organização solidária, do fomento ao desenvolvimento social, cultural, ambiental e econômico.

Reunir interesses comuns e passar a trabalhar em conjunto não é lá grande novidade, mas então o que faz do Reca algo singular? "O principal caráter inovador do Projeto Reca é o fato de ter introduzido uma nova maneira associativa, sustentável e orgânica de produzir na Amazônia, calcado na adaptação dos sistemas produtivos ao meio ambiente em que estão inseridos, promovendo a recomposição florestal com espécies nativas e a melhoria do sistema produtivo agroflorestal com o objetivo não apenas de preservar a floresta, mas também de promover atividades de geração de renda combinadas com mudanças significativas no perfil produtivo e organizacional da comunidade", esclarece a pesquisadora do Ipea Maria da Piedade Morais. Mas, segundo ela, esta não é a única característica inovadora do Projeto Reca.

MODELO DE GESTÃO Outro ponto inovador que merece destaque, lembra Maria da Piedade, é o modelo de gestão adotado pelo projeto. "Ele se dá por meio de uma forte coesão da comunidade e intensa organização participativa e cooperativismo, onde todas as decisões são tomadas pelos grupos de agricultores, em assembléias ou reuniões de coordenação e repassadas para a 'equipe de execução', sendo extremamente forte a participação das mulheres e dos jovens na vida familiar, na comunidade e na própria organização e diversificação da produção", observa a pesquisadora.

Sérgio Roberto Lopes, um dos fundadores do projeto, traduz de maneira simples e direta o que isso quer dizer. "É uma forma de organização diferente, com muito mais participação de todos", define o teólogo e filósofo natural de Congonhinhas, no Paraná, que aportou no Acre em 1985. Segundo ele, a palavra de ordem é a sustentabilidade. Em vez de pensar exclusivamente em grandes volumes de produtos voltados ao comércio exterior, primeiro é preciso garantir o sustento das pessoas diretamente envolvidas com a produção. Coisa simples, como ter um porco ou uma galinha em casa, para ter ovos para servir à família no café da manhã em vez de buscá-los no mercado. Hoje os agricultores cultivam mais de 40 espécies, o que lhes dá vazão a empregarem o trocadilho "floresta de alimentos" ao se referirem à produção. Na verdade, eles fazem uso da técnica de Sistemas Agroflorestais (SAFs), onde se combinam culturas agrícolas com florestais.

A mudança de mentalidade de colonos e seringueiros com o abandono de antigos modos de produção tradicionais e a sua adesão a um novo modus operandi são visíveis, reflete Maria da Piedade. "Os impactos sociais, econômicos e ambientais positivos do projeto podem ser avaliados pela vasta e variada produção e beneficiamento de alimentos e produtos da floresta, oriundos das atividades de replantio e melhoria de sistemas produtivos agroflorestais com espécies nativas", explica. Vale lembrar, completa a técnica, que são inúmeras as pesquisas que apontam os menores índices de desmatamento e de êxodo rural entre os associados do Reca, além de auferirem rendimentos duas vezes superiores aos de outros projetos de assentamento do Incra ou aos resultados de reservas extrativistas na Amazônia.

RECONHECIMENTO As fronteiras se expandiram e os produtos da floresta já são até mandados para fora do país. É o caso do palmito pupunha, exportado para a França. Aqui no Brasil, os principais mercados consumidores são Rio de Janeiro, São Paulo e os estados do Nordeste. No ano passado, Sérgio Lopes teve a idéia de inscrever a iniciativa no Prêmio ODM Brasil 2007 e a Associação dos Pequenos Agrossilvicultores do Projeto Reca acabou agraciada com o primeiro lugar na categoria "Negócios em Conservação" pela apresentação da prática de um novo modo de viver e produzir na Amazônia. A escolha, entre mais de mil práticas inscritas, aconteceu no mês de abril deste ano. É a segunda edição do prêmio, uma iniciativa pioneira no mundo, criado pela Secretaria Geral da Presidência da República, em parceria com o Pnud e o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, com coordenação técnica do Ipea e da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

No mesmo ano, o Projeto Reca levou a quarta posição no concurso "Experiências em Inovação Social na América Latina e Caribe", da Fundação W.K. Kellogg. Em torno de mil organizações de todos os países latinoamericanos e do Caribe participaram do concurso. Em 2002, o Reca ficou em segundo lugar na categoria "Negócios Sustentáveis" do Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente. No ano seguinte foi a vez de lançarem um livro de memórias. O lançamento de "Nosso Jeito de Caminhar" foi realizado no auditório do Incra em Rio Branco, no Acre. O volume narra as histórias das famílias que se instalaram em Rondônia, seu trabalho de ocupação e processo de desenvolvimento econômico e social.

Hoje o projeto conta com uma extensa rede de parceiros, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A medida do sucesso do projeto veio em 2000, quando a empresa de cosméticos Natura passou a comprar deles: a companhia solicitou o fornecimento de matéria-prima da região (manteiga de cupuaçu e óleo de castanha-do-pará), para a linha de produtos "Natura Ekos". E é a própria empresa que define a bem-sucedida parceria. "A comunidade extrai de maneira sustentável os frutos da terra e se beneficia do seu valor comercial. As empresas compram os ativos e matérias-primas para seus produtos e apóiam projetos em benefício da terra, da comunidade e da sustentabilidade. Os consumidores dão preferência a adquirir produtos de empresas com atitude ecológica e sustentável, o que faz com que o ciclo se feche. É o mundo ideal, não?" Se não é, está muito perto disso.

 
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