2008 . Ano 5 . Edição 43 - 17/05/2008
Por Cláudia Izique, de São Paulo
Bem posicionado nos rankings mundiais de empreendedorismo, graças à intensa criação de novas micro e pequenas empresas (MPEs) e à constante melhoria do nível de sobrevivência deste tipo de negócio, o Brasil se ressente da dificuldade de transferir tecnologia para os empresários de menor porte. "O país não tem cultura de tecnologia nos pequenos negócios", afirma Paulo Alvim, gerente de Inovação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). "As empresas estão muito preocupadas em pagar as suas contas e deixam o processo produtivo em segundo plano."
O avanço da classificação internacional do Brasil é creditado ao empreendedorismo de oportunidade - que se distingue daquele motivado pela falta de opção no mercado de trabalho -, mas boa parte dessas iniciativas corre o risco de estreitar sua perspectiva de crescimento pela baixa capacidade de investimento na inovação de produto e de processos. As estatísticas disponíveis são eloqüentes.
A Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que o número de indústrias inovadoras no país se manteve estagnado em torno de 33% entre 2001 e 2005, sobretudo por conta do baixo desempenho inovador das MPEs. Na terceira edição da Pintec, relativa ao período 2003-2005, o índice de inovação das micro empresas foi de 28,9% e o das pequenas, de 40,6%, enquanto os percentuais de inovação das companhias com mais de 100 empregados variou de 55% a 79%.
Em 81,3% dos casos avaliados pelo IBGE, o caráter da inovação incorporado pelas indústrias em geral se traduziu principalmente pela aquisição de máquinas e equipamentos. As atividades complementares à compra de bens de capital, como treinamento e projeto industrial, ficaram com a segunda e terceira posições, com 59,2% e 39,4%, respectivamente. Na pesquisa, a aquisição externa de pesquisa e desenvolvimento (P&D), de 5%, foi o item que obteve o número mais baixo de respostas.
QUADRO MUNDIAL Em todo o mundo, a inovação é diretamente proporcional ao tamanho da empresa, já que exige investimento, capacidade de financiamento e constituição de áreas internas de P&D, informa Bruno César Araújo, pesquisador da Diretoria de Estudos Setoriais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Esse padrão ajuda a explicar o baixo índice de desenvolvimento tecnológico das MPEs. Mas o Brasil foge do padrão quando, na comparação com os países desenvolvidos - e mesmo em relação a alguns países em desenvolvimento -, se consideram os indicadores de inovação, como, por exemplo, o grau de aproximação entre universidades e institutos de pesquisa e empresas, parceria que historicamente tem contribuído para o crescimento das nações.
Apesar de a Lei de Inovação, promulgada em dezembro de 2005, ter facilitado essa aproximação, eliminando entraves até contratuais para permitir o trânsito dos pesquisadores no mercado, o percentual de empresas que utilizam a academia como fonte de informação gira em torno de 12%, de acordo com a terceira edição da Pintec. O resultado é que o Brasil, o 17º maior produtor de ciência do mundo, segue guardando nas universidades seus talentos inovadores.
Segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), apenas 16% dos pesquisadores brasileiros trabalham em atividade de P&D no setor empresarial. Na Austrália e na Espanha, por exemplo, essa participação se aproxima de 30%, quase duas vezes mais do que no Brasil, e, na Coréia do Sul e nos Estados Unidos, a proporção é muito diferente: quase 80% dos cientistas estão no setor privado.
Não se espera que as MPEs - a não ser, é claro, as de base tecnológica - realizem P&D de forma contínua ou que contem com uma área específica para o desenvolvimento de novos produtos. "Nos outros países, no entanto, existem políticas especiais para o desenvolvimento de tecnologias-chave", diz Araújo. No Brasil, esse esforço é realizado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), em articulação com o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro) e o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro). O instituto é responsável pela execução das políticas nacionais de metrologia e qualidade e pela fiscalização da observância de normas técnicas e legais, no que se refere às unidades de medida, métodos de medição, medidas materializadas, entre outros.
ARTICULAÇÃO Mas falta consolidar no país um sistema de inovações que articule os vários atores do desenvolvimento tecnológico. Foi com esse objetivo que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) criou, no final do ano passado, o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), com o lançamento do Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional - conhecido como o PAC da Ciência e Tecnologia (C&T).
O Sibratec se organiza em torno de três eixos. No eixo da inovação, investe na parceria entre institutos de pesquisa tecnológica e universidades com competência industrial, públicas e privadas, com o setor industrial; em um segundo eixo, oferece serviços com o objetivo de ampliar a cadeia metrológica brasileira; e, no terceiro eixo, de extensionismo, foca os processos de gestão para a inovação. As prioridades são os arranjos produtivos locais (APLs) e os setores apoiados pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce). A intenção é facilitar às empresas - e às MPEs, em particular - o acesso aos serviços tecnológicos que promovam a inovação.
"O problema é que o Sibratec vai atuar do lado da oferta desses serviços, e não do lado da demanda", ressalva Alvim, do Sebrae, enfatizando a necessidade de essas empresas contarem com subsídios para tecnologias industriais. Ele cita o exemplo do programa, previsto pela Pitce, de apoio à certificação e à metrologia por meio de bônus de até 70% de seus custos, implementado pelo Sebrae em parceria com o Inmetro, e que beneficia 53 categorias de produtos.
GARGALO Outra razão para a tecnologia não chegar aos pequenos empreendedores é o gargalo do financiamento às iniciativas inovadoras em MPEs. "O desenvolvimento tecnológico, o aprimoramento, a melhora da produtividade e a inovação, mesmo que incremental, dependem da atuação do Estado", sublinha José Mauro de Moraes, coordenador de. Estudos de Apoio à Inovação do Ipea. O setor financeiro não quer assumir os riscos dos gastos em pesquisas, especialmente no caso das empresas de menor porte, explica.
As MPEs têm acesso a uma série de programas e linhas de crédito subsidiado e a recursos não-reembolsáveis coordenados pelo MCT, executados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência de fomento vinculada ao MCT, e pelo Sebrae. Um desses programas apóia especificamente projetos de micro e pequenas empresas desenvolvidos em parceria com instituições científicas e tecnológicas (ICTs).
Esses programas começaram a funcionar em 2005, aportando recursos entre R$ 200 mil e R$ 500 mil para cada empresa, a maioria delas localizadas em APLs. Os recursos chegam às empresas por intermédio das ICTs, após comprovação da despesa. "Para as ICTs, os benefícios são múltiplos: por meio da seleção das empresas participantes e da execução das ações do projeto, o programa reforça a cooperação entre empresas e universidades e centros de pesquisa, e aproxima as equipes de P&D, aumentando o foco em pesquisa aplicada", afirma Moraes. Ao final do projeto, essas instituições incorporam ao seu acervo os equipamentos e laboratórios adquiridos. Moraes ressalva que, no entanto, esses programas não dispõem de avaliação de resultados.
ACOMPANHAMENTO Outra linha de fomento é o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), executado pela Finep em parceria com as fundações de amparo à pesquisa (FAPs) nos estados. Entre 2004 e 2006, o Pappe desembolsou, para projetos de P&D de 529 empresas, um total de R$ 160 milhões - metade repassada pela Finep e metade referente à contrapartida das FAPs. "O problema foi a falta de acompanhamento que permitisse uma melhor avaliação do programa", diz Moraes.
Ainda em 2006, já apoiada pela Lei de Inovação, a Finep lançou o Programa Subvenção Econômica, com um total de recursos de R$ 450 milhões em três anos. "A subvenção é um instrumento já amplamente utilizado pelos países centrais para subsidiar a inovação e o Brasil carecia desse instrumento", diz Luis Fernandes, presidente da Finep. O programa incorporou ao apoio já oferecido pelo Pappe a concessão direta de recursos financeiros não-reembolsáveis para o custeio das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação nas empresas, e está sendo implementado em 17 estados.
Em maio deste ano, a Finep lançou o terceiro edital de Subvenção Econômica, no valor de R$ 450 milhões, contemplando seis áreas estratégicas: Tecnologias da Informação e Comunicação, Biotecnologia, Saúde, Programas Estratégicos, Energia e Desenvolvimento Social. As etapas anteriores já disponibilizaram R$ 588 milhões, que beneficiaram 321 projetos. "A alocação de recursos sob a forma de subvenção exigirá um monitoramento rigoroso por parte do governo", diz Moraes.
JURO ZERO Há, ainda, programas facilitadores de acesso ao crédito, como Juro Zero, da Finep, por meio do qual a agência empresta até R$ 900 mil para apoiar a inovação empresarial, sem exigir garantias reais ao empresário - "o programa tem um fundo próprio de aval", explica Moraes -, e o projeto Inovar, voltado ao fomento do mercado de capital de risco e à constituição de fundos de investimentos.
Este cardápio atende às sugestões da conferência global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizada em 2006, em Brasília, que estabeleceu um plano de ação para o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, esclarece Moraes. O Brasil oferece apoio financeiro adaptado às diversas fases de desenvolvimento da empresa; incentiva sistemas cooperativos, como os APLs; oferece crédito com juros baixos ou com juro zero; estimula o desenvolvimento do capital de risco; estimula a parceria entre ICTs e empresas; e oferece recursos subvencionados para a redução de gargalos nas cadeias produtivas e em apoio à modernização das empresas de pequeno porte.
Além de fazer a lição de casa, o Brasil também já tem uma boa infra- estrutura para o desenvolvimento tecnológico, afirma Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O país está investindo em parques tecnológicos e já contabiliza 393 incubadoras de empresas, a maioria delas ligadas formal ou informalmente a ambientes acadêmicos e que, no final de 2007, atingiram a marca de 2.775 empresas incubadas, com um faturamento anual de R$ 400 milhões. São 1980 empresas já graduadas, que registraram, em 2007, faturamento de R$ 1,8 bilhão, segundo os cálculos da Associação Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Inovadoras (Anprotec).
O QUE FALTA Para Moraes, as micro e pequenas empresas não inovam principalmente por causa da baixa participação do capital de risco, e por isso há necessidade de ampliação dos programas. "Para atingir massa crítica, com volume de projetos apoiados em condições de produzir impactos na estrutura produtiva, como a obtenção de taxas de inovação mais elevadas e inserção no comércio exterior com bens de maior conteúdo tecnológico, há a necessidade de se ampliar o alcance geográfico dos programas por meio do aumento do número de estados e municípios parceiros da Finep", recomenda. E relembra que são as instituições locais que permitem maior descentralização dos recursos, alcançando um maior número de empresas.
Na avaliação de Araújo, falta às MPEs acesso à informação. As estatísticas, mais uma vez, confirmam. Levantamento realizado pelo Departamento de Tecnologia e Competitividade (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 2007, com 230 empresas de diversos portes, revelou que apenas 30% das empresas inovadoras conheciam as linhas oficiais de financiamento. Mais da metade das empresas consultadas - precisamente 53% - desconhecia a Finep e 55% não tinham qualquer notícia sobre os programas de apoio à empresa ofertados pela Fapesp, ainda que a grande maioria já tivesse ouvido falar no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O preço da desinformação é alto: apenas 13% dos gastos com inovação resultam do apoio oficial.
Já na visão do gerente de Inovação do Sebrae, a cultura da inovação não depende de incentivos fiscais, e sim de exigências do mercado - "essas empresas, em geral, não pagam Imposto de Renda", diz, e sustenta o argumento com o exemplo do Código de Defesa do Consumidor, vigente desde 1990, que induziu as MPEs a realizarem "acertos tecnológicos" para manter a competitividade, por meio da busca por certificação, da normalização de processos de produtos e da adoção de tecnologias industriais básicas.
"Treino é treino, e jogo é jogo", afirma Almeida, do Iedi. Apesar de o país já contar com infra-estrutura, crédito e até recursos humanos para a inovação, ainda falta o que ele chama de "clamor". Almeida explica que "faltam o motivo e a razão para a inovação, atividade que é sempre um risco". Segundo ele, nos demais países - com exceção dos Estados Unidos - o "clamor" veio da busca do mercado externo. "Foi isso que mobilizou os fundos públicos, incentivos e subsídios."
Almeida também acrescenta outro elemento que considera motivador: o poder de compra do setor público. "A nova política industrial acena com essa perspectiva", diz ele. E afirma acreditar que, se o país tiver estabilidade em seu processo de crescimento - "apesar da inflação em ascensão e do cenário externo" -, novos empreendedores chegarão ao mercado. "E, se conseguirmos envolvê-los com a exportação, teremos um bom cenário para a inovação."
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