resep nasi kuning resep ayam bakar resep puding coklat resep nasi goreng resep kue nastar resep bolu kukus resep puding brownies resep brownies kukus resep kue lapis resep opor ayam bumbu sate kue bolu cara membuat bakso cara membuat es krim resep rendang resep pancake resep ayam goreng resep ikan bakar cara membuat risoles
Por uma nova escola - Definição de novo fundo garantidor do ensino gera polêmica

2005. Ano 2 . Edição 14 - 1/9/2005

Desconhecimento da realidade e disputa de recursos entre estados e municípios podem prejudicar o debate sobre a qualidade do ensino, e a decisão do Congresso acerca da criação de um novo fundo de financiamento para a rede pública

Eliana Simonneti

Uma questão deveria estar atraindo a atenção de todos, pois diz respeito principalmente às crianças, aos jovens e ao futuro do país. É a que envolve o atendimento mais abrangente e de melhor qualidade na rede pública de ensino. Hoje os indicadores brasileiros são piores do que os da Argentina, os do Uruguai e os do Chile, para ficar só na América do Sul. "O Brasil é um país rico, mas está muito atrasado. Nossas escolas têm quadro-negro e carteiras, mas estão se arrastando. É essencial que a sociedade se mobilize para que haja avanços rápidos no que diz respeito à qualidade de ensino", diz Cláudio Moura e Castro, um dos maiores especialistas em economia e educação do país, que foi consultor do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Organização Internacional do Trabalho. Ele lançou em agosto o livro Crônicas de uma Educação Vacilante. "Considerando nossa renda per capita, deveríamos ter um ensino muito mais qualificado", diz.

O Brasil atravessa um período crítico nessa área especialmente porque a fonte de recursos que vem sendo utilizada para a manutenção do ensino público fundamental vence em 2006. É o Fundo de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado com o objetivo de universalizar o acesso ao ensino fundamental em 1996, com validade de dez anos. O governo federal enviou ao Congresso a proposta de criação de um novo fundo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb), para substituir o sistema em vigor. Tem qualidades e falhas. Demanda o envolvimento de todos para que sejam feitos ajustes antes da votação.
Hoje o giz, o salário dos professores, praticamente tudo o que diz respeito ao ensino fundamental é financiado pelo Fundef. Trata-se de um fundo que, além de transferir recursos para escolas públicas estaduais e municipais, equilibrando a situação em regiões mais pobres e mais ricas, redefiniu o papel da União, dos estados e dos municípios na oferta do ensino obrigatório e gratuito. Entretanto, ao privilegiar o acesso universal ao ensino fundamental, deixou de lado a concepção de educação básica contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - que compreende a educação infantil, fundamental e média como um único bloco - e, dessa forma, foi central para a ampliação da demanda pelo ensino médio sem que houvesse previsão de como atendê-la. Fez crescer o número de jovens que passaram para o nível médio e não estava preparado para atender a todos.

Segundo o ministro da Educação Fernando Haddad, "ao tratar exclusivamente do ensino fundamental, o Fundef acabou prejudicando o próprio ensino fundamental. A criança que não foi preparada na pré-escola não consegue enfrentar o currículo escolar. Além disso, fica desestimulada quando chega à oitava série sem a oportunidade de continuar os estudos no ensino médio. Portanto, entra no ensino fundamental despreparada e sai desestimulada. O Fundeb busca corrigir esse problema ao financiar todos os níveis da educação básica".

Há outras críticas ao Fundef. "Criou-se uma ilha de prosperidade na educação fundamental e as outras áreas ficaram abandonadas. A capacidade de estados investirem no ensino médio ficou estrangulada", diz Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com Naércio Menezes Filho, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e da faculdade do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), "a transferência de recursos teve impacto positivo apenas no sistema municipal da região Nordeste, onde a infra-estrutura era mais deficiente. Além disso, como não se definiu que a progressão salarial dos professores depende de sua produtividade e dedicação, os melhores profissionais tendem a migrar para as escolas privadas".


Disparidades A proposta de criação do Fundeb é uma oportunidade de cobrir lacunas deixadas pelo Fundef. Em seus ensaios para a elaboração do texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), o Ministério de Educação (MEC) pretendia que isso ocorresse, mas nas negociações, que levaram cerca de dois anos, muita coisa mudou. Na forma como foi enviada ao Congresso, a PEC 415/05 não contempla muitas necessidades. "O Fundeb não é muito original em comparação ao Fundef quanto ao tipo de recurso que entra ou não no fundo. Representa apenas um rearranjo das finanças educacionais no interior de cada estado e seus municípios", diz Jorge Abrahão, pesquisador do Ipea que se dedica à questão. "Permanece sem solução o problema redistributivo regional. O diferencial entre São Paulo e Maranhão, por exemplo, é muito forte e continuará assim." Isso porque a distribuição é feita de acordo com o número de crianças matriculadas por escola, sem considerar necessidades específicas acumuladas ao longo dos tempos em cada região. A disparidade entre os estados é gritante. E pode ser verificada também entre municípios de um mesmo estado.

Para ficar no exemplo citado por Abrahão, o Maranhão ostenta a terceira maior taxa de analfabetismo da região Nordeste, cuja média nesse quesito é o dobro da nacional. Tem a pior taxa de escolaridade e o mais baixo percentual de pessoas que chegam ao ensino superior. Além disso, possui altíssimo déficit educacional de gerações passadas. São Paulo, por sua vez, tem índices semelhantes aos da França. A Secretaria de Educação custeia cursos de mestrado para professores da rede pública e pretende que até o final deste ano todas as suas escolas tenham laboratório de informática (atualmente, a taxa é de 65%).
Segundo Beatriz Scavazza, coordenadora da Rede do Saber, um projeto de formação continuada que envolve 300 mil trabalhadores em escolas estaduais paulistas, "usando a tecnologia diminuímos nossos custos em 70%, obtivemos melhores resultados e estamos mudando a atitude das pessoas". Mas também há problemas. A Secretaria de Educação de São Paulo despejou cerca de 200 projetos sobre sua rede de 5,7 mil escolas - de meio ambiente, coleta de lixo, e por aí vai. "Os diretores e os professores estão sucumbindo frente a tantas tarefas. A questão das prioridades está muito confusa", diz Maria das Mercês Ferreira Sampaio, professora de Educação: História, Política, Sociedade, do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que leciona para professores estaduais e orienta uma tese sobre os novos projetos da rede paulista.

Prioridade O MEC, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizou uma pesquisa sobre a relação entre a família e a escola e constatou que os segmentos mais pobres da população contam com escolas simples, pequenas, desprovidas de infra-estrutura e que oferecem exclusivamente o ensino formal, ao passo que classes de renda mais elevada desfrutam de infra-estrutura e boa qualidade de ensino. "Uma política de educação não é como uma plantação de milho, que se colhe em quatro meses. Corremos o risco de sucatear o ensino fundamental aumentando a abrangência do ensino público obrigatório. O governo deveria priorizar a consolidação do que já foi alcançado", diz Rose Neubauer, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que foi secretária de Educação paulista. "Não temos sequer um estudo que mostre com clareza a situação em que nos encontramos." Neubauer considera arriscada a expansão da obrigatoriedade para o ensino médio e infantil e o financiamento do Estado às escolas desses níveis.

Num estudo de campo em escolas gaúchas, Marta Sisson, professora de Administração da Educação e coordenadora do Projeto Integrado de Gestão da Escola Básica da PUC do Rio Grande do Sul (PUC-RS), descobriu que, em regiões mais pobres, a maior parte dos recursos destinados à educação é aplicada em transporte e em merenda, em detrimento da qualidade de ensino. Criou-se, assim, um modelo de escola com função de assistência social; problemas sociais, como é o caso da gravidez na adolescência, têm de ser enfrentados por profissionais despreparados; e, embora estejam equipadas com computadores, as escolas não estão se modernizando no ritmo necessário. Essa é a média. Há exceções e elas são construídas pela criatividade e pelo empreendedorismo de alguns indivíduos. "A importância das pessoas para a qualidade do ensino é enorme", afirma Sisson.

Quem põe a mão na massa sabe que os pesquisadores estão corretos. "Vivemos 500 anos sem uma política consistente para a área da educação. Temos muitos Brasis dentro do Brasil. Os profissionais não estão preparados para lidar com tamanha complexidade, estão acuados com a violência, sem condições físicas e psíquicas de preparar aulas dinâmicas que atraiam os alunos e melhorem seu aproveitamento. Estamos começando a construir os próximos 500 anos da história da educação e estamos angustiados", diz Eunice Carvalho, que atua na rede estadual paulista desde 1981, é formada em Letras e Pedagogia, tem mestrado em Educação e Informática, é supervisora de ensino e leciona.

Instabilidade Outro problema apontado por Abrahão do Ipea: "A proposta de emenda constitucional incluiu apenas a definição da complementação do governo federal para até o quarto ano do fundo. Além disso, não o fez em termos de participação percentual, mas de valores nominais". Isso significa que o valor pode ser corroído pela inflação ou reduzido por políticas casuísticas. "O grande receio é que o governo federal vá paulatinamente se desincumbindo de aplicar recursos no Fundeb. Sem a complementação da União em nível suficiente, as desigualdades regionais tenderiam a manter-se ou a aumentar", adverte Abrahão. E mais: "Na atual proposta, faz-se menção a valores de aluno/ano, mas não ao critério definidor desses valores - questão extremamente relevante, uma vez que a política de financiamento deve buscar garantir um mínimo de investimento por criança, baseado em padrões de qualidade adequados". Segundo ele, "o ministério não avançou na pesquisa dos custos e da qualidade da rede pública, o que é temerário, já que é evidente a necessidade de maior aporte de recursos para a educação e os valores de investimento per capita ainda não foram definidos pelo governo - que levará em conta as possibilidades fiscais".

Em agosto, Robert Evan Verhine, especialista em economia da educação e pesquisador do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público da Universidade Federal da Bahia (UFBA), apresentou ao MEC o relatório de uma investigação feita em oito estados para determinar o custo por aluno em escolas públicas de qualidade, definidas com base em indicadores como infra-estrutura, relação entre número de estudantes e professores e qualificação do corpo docente. Chegou a um valor muito superior ao estabelecido pelo Fundef: na média, o gasto necessário para garantir educação de qualidade é 2 mil reais por aluno ao ano - atualmente, essa quantia varia de 800 reais (em regiões mais pobres) a 1,6 mil reais (em estados como São Paulo), o que resulta num investimento médio de cerca de 1.000 reais no país como um todo.

Com a inclusão no Fundeb das escolas infantis e de ensino médio, cujo custo é mais elevado, o problema da qualidade tende a agravar-se. "O Brasil tem de investir muito mais em educação e isso não vem acontecendo", constata Verhine. A questão é que, embora a educação seja prioridade, o Brasil não pode gastar mais do que tem. "A distribuição dos recursos existentes de forma homogênea é positiva, mas os debates não podem ser desvinculados do Orçamento. É preciso cuidado com a idéia de que o dinheiro é a solução para todos os problemas", diz Reynaldo Fernandes, diretor-geral da Escola de Administração Fazendária (Esaf), órgão do Ministério da Fazenda. Fernandes é autor de outro ensaio sobre o custo da educação no Brasil, denominado "Sistema Brasileiro de Financiamento à Educação Básica: principais características, limitações e alternativas".

Atraso O caso é sério e merece atenção. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 61 milhões de brasileiros têm idade inferior a 18 anos e 45% deles vivem em famílias com renda de até meio salário mínimo. O contingente de jovens brasileiros é maior do que a população total da Argentina. Todos os anos o país gera 70 mil jovens de 15 anos incapazes de ler ou escrever um simples recado - o que representa entre 40% e 50% do número de analfabetos gerados anualmente na América Latina, segundo estimativas de Paes de Barros, do Ipea. Por tudo isso, o país tem uma das sociedades mais desiguais do planeta. "O Brasil está tremendamente atrasado em termos de educação. A geração nascida no Brasil em 1975 foi a primeira a alcançar uma escolaridade média de oito anos de estudo. No Chile essa marca foi obtida pelos que nasceram em 1945. Os chilenos nascidos em 1975 têm, em média, 11 anos de escolaridade - o que, no ritmo atual, somente os brasileiros nascidos em 2006 terão", diz Paes de Barros. "E 40% da desigualdade de remuneração entre os trabalhadores deve-se à escolaridade."

A superação desse problema requer educação para todos, com qualidade. "O avanço da educação em termos quantitativos não se sustenta frente à situação de iniqüidade e de disparidade na sociedade brasileira", diz Silvio Kaloustian, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Criança (Unicef, na sigla em inglês). "A sociedade brasileira apresenta todas as condições para alcançar, no médio prazo, resultados relevantes para a garantia de uma escola pública de qualidade para todos os meninos e as meninas, o que é essencial para o cumprimento das Metas do Milênio estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) até 2015." O escritório do Unicef em Pernambuco associou-se à prefeitura de Cabo de Santo Agostinho e ao Centro de Cidadania Umbu-Ganzá para a implantação de um projeto denominado Ampliando Horizontes, que proporciona atendimento a crianças e adolescentes egressos das ruas e do trabalho infantil, e a seus familiares.

No município de Cabo de Santo Agostinho, onde surgiu, o Ampliando Horizontes envolve 4,9 mil estudantes que permanecem na escola durante todo o dia. Para que o atendimento tivesse resultado, houve a necessidade de formação de educadores e de profissionais que trabalhassem com as 2,5 mil famílias dessa turma, cuja renda varia de 25 a 183 reais mensais, e cuja escolaridade, quando muito, chega à 4.ª série do ensino fundamental - mais da metade dos familiares dos estudantes jamais sentaram num banco de escola. Hoje as crianças passam o dia todo na escola, têm atendimento personalizado, o nível de freqüência aumentou e elas mostram maior facilidade na compreensão de textos e no relacionamento familiar. "Agora eu estudo e não preciso ficar na rua carregando frete. Aprendo um pouco de tudo, até espanhol. Sou inteligente e quero ter um futuro melhor", diz Willames França da Silva, de 13 anos, que freqüenta a turma da 4.ª série.

Atualmente, o Centro de Cidadania Umbu-Ganzá e o Unicef, articulados com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania do governo do estado e com a Associação Municipalista de Pernambuco, desenvolvem um projeto semelhante, o Educação de Qualidade: com Respeito à Diversidade, que abrange 15 municípios da Zona da Mata, onde está sendo implantada a educação integral. "Aprendi uma nova maneira de caminhar, de ver o ser humano, respeitá-lo em suas diferenças, e passei a acreditar que podemos construir uma sociedade mais justa", diz Erineide Dantas, coordenadora pedagógica do projeto do município do Cabo.

Inclusão Educação de qualidade tem reflexos nas áreas mais diversas da vida do ser humano. Integra o indivíduo ao meio social, melhora sua auto-estima, permite sua participação no processo político de forma mais consciente e lhe dá maior autonomia. Outro estudo feito pelo Ipea, no âmbito da cultura, apresentado na mesa-redonda "A economia da cultura no Brasil - os desafios de uma análise integrada", demonstra que uma experiência feita em Minas Gerais melhorou vários de seus indicadores em relação à média nacional. O estado se antecipou na reforma e na descentralização do ensino, em 1990. Hoje Belo Horizonte é uma das capitais onde mais se gasta com cinema, aluguel de fitas de videocassete e compra de livros não didáticos: o dispêndio familiar per capita com cultura é 14% maior do que a média nacional. Daí se conclui que educação de qualidade faz bem às pessoas e também movimenta a economia. Segundo Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, secretária municipal de Educação de Belo Horizonte e presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), antes da universalização do ensino fundamental, apenas sete de dez crianças entravam na escola, e só três seguiam seus estudos. "O acesso explicitou conflitos. Como a escola pública é para todos, inclui aqueles tachados de 'desordeiros', 'sem condições', 'sem família estruturada', e não só os que têm 'mérito', 'interesse' e 'disciplina'. As dificuldades de aprendizagem sempre existiram. Ficam mais claras quando todos devem permanecer na escola, e isso é um avanço", diz.

Hoje, 96% das crianças brasileiras em idade escolar estão matriculadas em escolas públicas do nível fundamental. Nos últimos dez anos, a ampliação do sistema foi enorme e, como era de esperar, a qualidade do ensino e o aproveitamento dos alunos não evoluíram no mesmo ritmo. A expectativa é que, passado o impacto do aumento do volume de crianças no sistema público de ensino, haja melhora no desempenho de todos. Há indicadores nesse sentido. Atualmente, de acordo com os dados do MEC, mais de 60% dos professores do curso básico em todo o país têm formação superior. Os resultados relativos a 2003 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), revelaram que, entre 41 países, o Brasil apresentou o maior índice de crescimento no desempenho dos alunos nas provas de Matemática e manteve a média em Leitura e Ciências. Mas ainda ocupa uma das últimas posições no ranking internacional e é pequena a proporção dos que apresentam as competências adequadas às séries que freqüentam.

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), teste aplicado a cada dois anos pelo MEC, informa que, com a universalização do ensino, os resultados se mantiveram estáveis - no entanto, as amostras relativas ao último teste são muito diferentes das anteriores, o que torna difícil a comparação dos dados. "A aprendizagem está aquém do desejável. Não se pode tomar como padrão de comparação uma escola que atendia a uma parcela mínima da população", diz Zoraide Faustinoni da Silva, pesquisadora da equipe de Currículo e Escola do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), organização não-governamental com sede em São Paulo que desenvolve ações voltadas para a melhoria da qualidade da educação pública.

Os desafios são enormes. A jornada escolar média da educação básica, de quatro horas por dia, é baixa se comparada à de outros países. Existe descontinuidade na gestão do projeto pedagógico. Administradores e professores carecem de preparo para lidar com as transformações aceleradas dos tempos modernos. E desigualdades de todos os tipos pioram o quadro. Para dar uma idéia, o investimento público anual por aluno matriculado no ensino fundamental é de 1.000 reais. Em creches, o investimento é, em média, de 168 reais ao ano. "Essa é uma política muito cruel, que atinge a ponta mais miserável da população e incide sobre uma fase fundamental no desenvolvimento das pessoas", diz Maria Machado Malta Campos, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e professora da PUC-SP. Entre zero e 3 anos, forma-se não apenas a personalidade, mas também a área cognitiva. Um quadro de desnutrição e de falta de estímulos adequados nesse período tem reflexos por toda a vida.

Interesses O projeto de criação do Fundeb não chega a resolver todos os problemas, mas poderá ser um passo na direção certa. Tudo dependerá dos ajustes resultantes dos debates travados no Congresso, entre parlamentares, governadores, prefeitos e outros interessados na questão, que demandarão muita negociação. Alguns exemplos dos interesses que estão em jogo. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) defende a necessidade de um grande aporte de recursos do governo federal, com prioridade para o ensino médio (que é de responsabilidade dos governos estaduais). Há experiências, entretanto, que confrontam a linha defendida pelo conselho. É o caso de Antônio Diomário de Queiroz, secretário da Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina. "O projeto tem muitas falhas. Deixa ao desabrigo a educação de crianças de zero a 3 anos de idade e a formação de técnicos de nível médio. Mas, com uma boa administração, podemos produzir bons resultados, mesmo com pouco dinheiro", diz. Em Santa Catarina, o ensino público é universal e de qualidade em praticamente todas as escolas. Como? Com o corte de desperdícios. Um caso: os professores que atendiam o balcão da secretaria em 1.333 escolas foram dispensados da função e substituídos por secretários aprovados em concurso. A economia foi aplicada em áreas carentes de recursos, como o Morro do Maciço, região de favela no entorno da capital, Florianópolis. Resultado: a nota de Santa Catarina no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica da ONU, em matéria de desempenho, saltou de 7,5, em 1998, para 8,4, em 2004.

A Undime argumenta que muitos municípios perderão com o Fundeb. Outras organizações, como o Fórum Paulista de Educação Infantil, a Ação Educativa e a Fundação Orsa, fazem questão da inclusão das crianças de zero a 3 anos no âmbito do novo fundo. Elas organizaram uma campanha que pleiteia não apenas a inclusão das creches na PEC. Defende a criação de uma política de financiamento que garanta aos bebês cuidados com saúde, alimentação, período integral, equipe interdisciplinar e espaços adequados ao aprendizado. "As crianças, as mães e os pais têm direito a creche e a pré-escola", diz José Fernando Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão ligado à Subsecretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. "Esse direito favorece a entrada da mulher no mercado de trabalho e o combate à pobreza. A manutenção de contas superavitárias não pode ocupar o primeiro plano nas preocupações de governo."

Atualmente, apenas 11,7% dos bebês com idade entre zero e 3 anos conseguem uma vaga em creches públicas. A educação infantil é responsabilidade dos municípios, muitos dos quais nem sequer têm arrecadação significativa. Segundo Fernando Silva, 45 cidades pernambucanas geram menos de 2% de seu orçamento. "Esperar que os prefeitos sejam capazes de cuidar da educação nessas condições é trombar com a realidade", diz. "É necessário um pacto federativo, uma co-responsabilidade no financiamento à educação infantil." Segundo um estudo feito pela Undime, a exclusão das creches do Fundeb beneficia diretamente os estados, que não terão a obrigação de repassar 400 milhões ao ano para que os municípios mantenham suas creches.

O debate em torno desse tema pode impedir a aprovação do Fundeb e prejudicar outros setores. "Talvez fosse mais sensato deixar esse problema para um momento posterior, quando a questão da universalização do ensino básico - que pela proposta do Fundeb fica restrito às crianças de 3 anos até a conclusão do curso médio - estiver solucionada", pondera Paes de Barros, do Ipea. "É uma área sensível, em que a garantia de qualidade é imprescindível. Não há recursos, no momento, para oferecer um serviço universalizado de bom nível", completa. E aqui também há casos indicativos de que a boa administração e a criatividade podem contornar problemas que parecem insolúveis.

Na prefeitura de Guarulhos, na Grande São Paulo, segunda maior cidade do estado, onde nascem 22 mil crianças por ano, em pouco mais de quatro anos a secretaria municipal aumentou o número de alunos na rede fundamental de 24 mil para 75 mil. Hà 800 crianças tocando violino, 60 corais e oferece aulas de italiano, inglês e francês, além de outras atividades culturais. Nas creches, o número de crianças saltou de 350 para 10 mil. E as mães que não conseguem vaga recebem 50 reais por mês para ficar com seus filhos - desde que freqüentem semanalmente um centro que lhes fornece orientação sobre saúde e técnicas para a estimulação dos bebês. "Aplicamos em educação os 25% do orçamento determinados por lei, quando historicamente só se investia 16%. Nossa experiência mostra que o sistema público de ensino pode ser de altíssima qualidade", diz a secretária municipal de Educação, Eneide Moreira de Lima, que também é vice-prefeita.

Abrahão, do Ipea, resume essa ópera da seguinte forma: "Trata-se de uma questão nacional prioritária e complexa. Envolve um sistema grande e heterogêneo, recursos financeiros, humanos e estratégicos. Isso além de interesses políticos. O Brasil precisa educar crianças, jovens e adultos. Há urgência, mas o debate tende a se prolongar". O fato, entretanto, é que, se não houver acordo em torno da PEC, é essencial que o Fundef seja prorrogado. Sob pena de o sistema público educacional brasileiro mergulhar no caos.

A sociedade civil e a educação

Instituições e as organizações não-governamentais também
contribuem para o avanço da qualidade nas escolas públicas brasileiras

"Nos próximos dez anos a questão do ensino básico será resolvida no país. Mais pela multiplicação dos agentes que trabalham na área do que pela ação do governo", diz Ricardo Young, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos e participante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Os problemas do ensino público são inúmeros e têm sido minorados com a colaboração dos setores organizados da sociedade. Existem 34,4 milhões de crianças matriculadas no ensino fundamental, mas, segundo dados apurados pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), apenas 3,4% delas concluem a 8ª série em oito anos, aos 14 anos de idade. Um curso que deveria ser cumprido em oito anos leva, em média, 10,8 anos para ser encerrado. Considerando a taxa de reprovação de 11,8% e os 8,1% de abandono detectados no Censo Educacional de 2003, os cofres públicos têm um gasto anual de 6 bilhões de reais com a ineficiência do sistema.

O IAS tem dois projetos dedicados a diminuir essas distorções e os seus custos. Um é o Se Liga, que combate o analfabetismo no ensino fundamental, e o outro é o Acelera Brasil, para reduzir a defasagem provocada pela repetência. Eles foram adotados como políticas públicas nos estados de Goiás, Pernambuco, Tocantins, Paraíba e Sergipe. O Acelera atendeu, desde 1997, mais de 300 mil crianças em 363 municípios. É uma proposta pedagógica de trabalho personalizado. Na média, os aprovados avançam 1,7 série em um ano. Registra a aprovação de 99,3% ao custo de 13,34 reais por aluno ao mês. O Se Liga foi criado em 2001com base na constatação de que entre 10% e 35% dos alunos da 1ª à 4ª série não sabem ler nem escrever. Já atendeu mais de 243 mil estudantes em 519 municípios. Tem um índice de aprovação de 95,5%, ao custo de 8,34 reais por aluno ao mês. O estado de Goiás economizou 143,6 milhões de reais entre 1999 e 2003. E suas crianças obtiveram quatro pontos a mais nas provas de Matemática do Saeb. O resultado pode ser observado também na reação dos professores. "Antes eu fazia minha parte, mas não puxava os alunos a participar. Minha turma saiu fazendo uns textozinhos direitinhos", diz Ana Cristina de Farias Soares Lira, professora do Acelera em Carpina, Pernambuco.

Muitas das ações desenvolvidas por governos e ONGs recebem apoio do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, da Unesco e do Unicef. Os exemplos são inúmeros, geralmente pouco conhecidos. Alguns são os seguintes. O programa de formação de professores do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) alcançou 1.037 municípios de 17 estados e envolveu 3.402 educadores entre 1999 e o final de 2004. Fez tamanho sucesso que se desdobrou em Núcleos Regionais de Formação. "Também preparamos gestores educacionais e agentes comunitários, produzimos materiais de apoio e participamos de fóruns de definição de políticas públicas na área de educação e proteção social", diz Zoraide Faustinoni da Silva, pesquisadora da equipe de Currículo e Escola da organização. A Fundação Belgo, criada em 1988 pela Siderúrgica Belgo Mineira, em parceria com as secretarias de ensino municipais, envolve a comunidade - o educador, o funcionário, o aluno e sua família, em seu Programa Ensino de Qualidade para melhorar a gestão e a qualidade da aprendizagem. A Santista Têxtil mantém desde 2001 o programa Ação pela Vida, que atende cerca de 10 mil crianças em seis escolas de ensino fundamental e médio em Sergipe, Pernambuco e São Paulo. Atua na recuperação de instalações.

Em outra seara, o projeto Literatura, do Instituto Robert Bosh, promove brincadeiras e apresentações de histórias em sala de aula que estimulam a imaginação e a criatividade das crianças da Escola Municipal América da Costa Sabóia de Curitiba, no Paraná, em fase de pré-alfabetização. "Temos uma longa tradição na formação de pessoas e, em parceria com as escolas públicas, incrementamos suas atividades", diz Carlos Abdalla, diretor administrativo do instituto, cujo investimento social e cultural em 2005 é de 4 milhões de reais. A Fundação Bunge tem o projeto Leitores do Amanhã, de contadores de histórias. E a universidade paulistana Uninove distribui livros e promove encontros com os autores, com direito a autógrafos, em seu projeto Sementeira. "Para nossos alunos a experiência é ótima, um capital intangível", diz Paula Góes, que coordena os projetos sociais da Uninove.

O Instituto Sangari do Brasil, com sede em São Paulo, é o braço de uma fundação com mais de 40 anos de trabalho em 13 países. Promove a qualidade da educação científica. Há sete anos no Brasil, mantém, entre outros, o programa Ciência e Tecnologia com Criatividade para o Ensino Fundamental, voltado para os sistemas públicos de ensino. A Futurekids do Brasil atua em parceria com as prefeituras de Avaré, Guaratinguetá e Lorena, no interior paulista. Leva laboratórios de informática a 49 escolas e oferece acesso às novas tecnologias a crianças que estudam longe dos centros urbanos. Monitores orientam os professores a utilizar os recursos disponíveis. E o parque Hopi Hari recebeu 1,7 mil professores desde o início de 2001, em uma parceria firmada com a Secretaria Estadual de Educação paulista. "Muitos professores trazem seus alunos sem estar preparados para aproveitar o que os brinquedos podem oferecer", diz Márcio Miranda, coordenador pedagógico do projeto educativo. Ele orienta os mestres a dar aulas de física na montanha-russa, por exemplo. E as instalações da estação de Belo Horizonte da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) transformaram-se também em espaços de mobilização e de aprendizado. Compõem o projeto Educação nos Trilhos, uma iniciativa da Fundação Vale do Rio Doce, da Fundação Roberto Marinho e do Canal Futura. A Fundação Vale do Rio doce também mantém o projeto Escola Que Vale, no Pará.

 
Copyright © 2007 - DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação sem autorização.
Revista Desafios do Desenvolvimento - SBS, Quadra 01, Edifício BNDES, sala 1515 - Brasília - DF - Fone: (61) 2026-5334