2005. Ano 2 . Edição 7 - 1/2/2005
por Paulo Roberto de Almeida

Em geral, deve-se desconfiar das obras puramente acadêmicas - isto é, de autores universitários em tempo integral - que trazem como objeto o tema central que dá título a este livro, o "poder americano", ainda mais quando ele pertence, como é o caso, a uma coleção que se identifica como "Zero à Esquerda". Poder-se-ia esperar um conjunto de diatribes contra o império e a dominação global dos EUA, em nada condizente com uma análise séria que a atual situação de hegemonia da "hiperpotência" requer em benefício de todos os interessados nas origens e na dinâmica desta situação absolutamente única na história da humanidade. Esta coletânea constitui, porém, uma agradável surpresa. Os trabalhos passam longe da crítica apaixonada ou do simplismo econômico. Aqui e ali permeia algum ressentimento contra a situação periférica ou dominada da América Latina, resultado de velhas teorias conspiratórias sobre a "concentração do poder econômico e militar", mas o conjunto de ensaios revela que os autores não se contentaram com a visão acadêmica tradicional.
Se fôssemos parafrasear Lênin, poderíamos dizer que a atual Pax Americana é a Pax Britannica mais as tecnologias de informação, mas é evidente que o poder global não se explica apenas pelo domínio tecnológico ou militar. Um dos autores acredita que o poder tecnológico americano pode ser visto como um empreendimento militar: ele retoma a noção de "complexo militar-industrial-acadêmico" para explicar as razões do sucesso americano desde meados do século XX.
Os acadêmicos de esquerda têm certa dificuldade em aceitar que o atual poderio americano não deriva de uma simples concentração de poder econômico, financeiro ou tecnológico no último meio século, aquilo que os antigos marxistas chamavam de "capital monopolista internacional". Ele é o resultado da professorinha de aldeia, do self-rule, da Justiça rápida e transparente, dos mercados livres e do Estado mantido semimanietado pela liberdade de iniciativa. Em poucas palavras, educação universal, instituições sólidas e liberdade econômica constituem o segredo do poder americano, mas isso não é novidade, já tem mais de dois séculos.
Os dois textos iniciais do organizador trazem uma visão histórica sobre a formação e a expansão do poder global e do poder especificamente americano. Os demais ensaios cobrem a fase contemporânea, grosso modo, as duas últimas décadas, que coincidiram com a "indústria do declinismo" e com a brilhante retomada do crescimento da "nova Roma" e suas projeções planetárias. Um trabalho de Franklin Serrano sobre a política macroeconômica no pós-guerra compõe uma revisão útil sobre as várias etapas daquela política, desde sua fase tipicamente keynesiana até as orientações recentes de corte mais liberal-hayekiano. José Carlos Souza Braga e Marco Antonio Macedo Cintra tratam da atual "folia financeira". Começam reconhecendo que a "financeirização" tem sólidas bases técnico-econômicas, mas terminam por ratificar a visão dicotômica sobre a tensão entre produtivismo e financeirização, entre o enriquecimento e a exclusão social, entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Dois outros ensaios abordam o petróleo e as telecomunicações como sustentáculos do poder global dos EUA, com a reafirmada tendência à centralização estrutural e à junção do poder político e do capital.
Um último ensaio, de Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, traz uma interessante análise sobre o papel do Japão e dos EUA nos processos de inserção comercial internacional dos emergentes asiáticos e dos países da América Latina. Teríamos aí casos de "gansos voadores" e de "patos mancos", com desempenhos diversos nos mercados, o que explica as trajetórias diferentes de desenvolvimento econômico e social. A posição relativa da América Latina ficou para trás em função de um desempenho notoriamente inferior, resultante sobretudo à baixa inserção no comércio internacional.
Trata-se, certamente, do melhor estudo deste livro, empiricamente embasado e solidamente apoiado nas mais recentes elaborações conceituais da ciência econômica. No conjunto, o livro vale o investimento, pois o retorno em capital intelectual é superior às poucas digressões academicistas esparsas em alguns capítulos.
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