2005. Ano 2 . Edição 15 - 1/10/2005
Giovana Tizianni
Que a sociedade brasileira é resultado da miscigenação de negros, brancos e índios, todos sabemos. Gilberto Freyre, entre tantos, já explorou bem as razões e as implicações dessa mistura em sua obra Casa Grande e Senzala. Mas da parcela branca só os portugueses são mencionados. O que Victor Leonardi faz, no livro Os Navegantes e o Sonho, é adicionar outro elemento formador do jeito de ser do brasileiro: os orientais. O autor lembra e descreve objetos e hábitos vindos da Ásia que, de tão incorporados ao dia-a-dia do brasileiro, até parecem "produção nacional" e, por esse motivo, passam ocultos. É o caso da jaca, do coco, dos gados nelore e gir, e até da tão "original" manga.
Outro fato curioso que chama a atenção para a presença do Oriente em nosso caldo cultural é que o budismo, religião surgida na Índia, é praticado por apenas 0,1% da população indiana, mas no Brasil, em 1990, 0,3% da população era budista. A maior parte das histórias que ele reconta nesse ensaio remete aos tempos coloniais em que o Brasil e a Índia estavam sob o domínio da Coroa portuguesa. Os portos brasileiros eram paradas obrigatórias para os navegantes que iam do Atlântico em direção ao Índico. Aqui, nas costas brasileiras, o contato com os navios que iam e vinham da Ásia era intenso e rotineiro. Mas Leonardi não quer apenas descrever essas "marcas" orientais na cultura brasileira. Seu objetivo é nos convencer de que o imaginário e a sensibilidade típicos do brasileiro devem, e muito, à influência do Oriente.
Ele chama a atenção também para o fato de que a Índia influenciou cronistas, autores e poetas portugueses e, conseqüentemente, todas as formas de expressão em língua portuguesa. Camões, Bocage e Gil Vicente conheciam e viveram a Índia intensamente. Isso sem contar que Portugal esteve sob o domínio do mundo árabe durante 431 anos. Logo, os portugueses, quando vieram para o Brasil, já trouxeram na bagagem parte da sensibilidade oriental. Mas por que então quase não se fala dessa influência? Portugal, segundo o autor, "cortou da memória" os vínculos com o mundo árabe. Talvez por querer apagar de sua história um período de dominação. O Brasil, por sua vez, conhece pouco ou quase nada a Ásia. Aliás, o autor usa o termo Ásia para se referir não só a formas de vida tradicionais e distantes da modernidade, mas também às atividades relacionadas à intuição e à imaginação.
O que Leonardi propõe e estimula em Os Navegantes e o Sonho é que estudantes e pesquisadores desvendem esse continente. E o objetivo da empreitada é entender o "caráter aberto e inconcluso" da cultura brasileira e tirar melhor proveito desses traços tão peculiares. E, quem sabe até, encontrar alternativas para alguns de nossos problemas.
|