2008 . Ano 5 . Edição 45 - 05/07/2008
O que a esquerda deve propor Roberto Mangabeira Unger Título original: What Should The Left Propose? Tradução de Antonio Risério Editora Civilização Brasileira 194 páginas, R$ 29,00
A Nova esquerda mangabeiriana
Mércio Pereira Gomes
Há muitos anos a esquerda mundial vem sofrendo de anemia de idéias e, conseqüentemente, vem se submetendo ao real, isto é, a amenizar o impacto do capitalismo nas sociedades modernas. Os grandes experimentos esquerdistas, como a antiga União Soviética e a China maoísta, já se curvaram ao domínio do liberalismo econômico, das injunções aleatórias do mercado e da despreocupação com o futuro. Os médios experimentos, como a social-democracia européia ou Cuba, estão às voltas com as contingências de mudar de atitude e passar a adotar políticas marcadamente neoliberais para não sucumbir de todo ao deus do capitalismo americano. E as nações em desenvolvimento estão feito baratas tontas, ora se abrindo desbragadamente às pressões internacionais e privatizando suas riquezas, ora se fechando em discursos nacionalistas da década de 1950, sem conseqüências positivas para a maioria de suas populações.
Ninguém - a não ser ao nível do discurso maoísta-feudal - acredita mais em revolução como forma de trazer justiça social, equanimidade econômica ou alguma forma de governo que pudesse ser chamado de socialista. Mudar o mundo de cabeça para baixo - já era!
Eis por que um livro que vem com uma análise da situação mundial da esquerda, que traz propostas concretas com possibilidade de atuação e com vontade de vencer obstáculos merece a atenção de todos que querem fazer do Brasil um país mais justo. Até socialista, se ampliarmos o sentido de socialismo para além do que se o entende em termos marxistas.
As propostas do professor de filosofia e atual ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, são consistentes, formais e sólidas. O que mais chama a atenção é a idéia de que nada está perdido no mundo da política, pois que, no mundo dos homens, tudo está ainda para ser feito. Não se pode sucumbir aos fracassos anteriores, pois foram experimentos baseados em premissas erradas. A sociedade moderna não vive sob a lógica da dialética, da hierarquia trinitária (como na Idade Média), e sim sob a lógica do sistema, que comporta a diferença e a ambigüidade e que necessita da liberdade do indivíduo para se auto-afirmar. Portanto, só por um sentido de experimentação contínua, de imaginação criativa e de afirmação do ser é que a sociedade moderna pode compreender seus problemas e tentar transcendê-los.
A análise que Mangabeira Unger faz sobre a esquerda e sua visão humanizadora do homem é ampla. Abarca a Europa Ocidental, a América do Norte e os países em desenvolvimento. Para cada caso há uma adaptação de suas premissas, a qual corresponde à leitura que o autor faz desses, digamos, blocos econômico-culturais do mundo moderno.
Sobre o Brasil, as propostas de Mangabeira Unger podem até valer, se sofrerem uma discussão ampla com todos os setores da esquerda brasileira. A questão é: isto é possível? É factível fazer uma discussão em que as próprias premissas brasileiras da esquerda, isto é, o marxismo tal como compreendido filosoficamente, são desafiadas? A esquerda está preparada para abrir mão de seus ícones fundadores?
Eis o busílis da questão. Quem porá o guizo no gato?
Dinâmica dos Municípiosr Alexandre Xavier Ywata Carvalho, Carlos Wagner Albuquerque, José Aroudo Mota e Marcelo Piancastelli (organizadores) Editora Ipea, 326 páginas, R$ 22,00
Oito abordagens da questão municipal
Jorge Abrahão de Castro
A Constituição de 1988 atribui aos municípios um papel de maior destaque na administração pública brasileira; deu-lhes também mais competências e obrigações. A elevação à condição de entes federativos implica maior autonomia e maior responsabilidade dos municípios. Se, por um lado, os municípios brasileiros passaram a ter uma fatia maior dos tributos federais e estaduais, por outro lado tiveram ampliadas também suas responsabilidades em relação à oferta de serviços públicos. É nesse clima que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou o livro intitulado Dinâmica dos Municípios, com o intuito de organizar o debate. Ao todo são oito artigos tratando de diferentes temáticas socioeconômicas. Os tópicos abordados incluem emancipação político- administrativa, finanças públicas municipais, educação, saúde, violência, condições dos domicílios e migração.
O primeiro capítulo trata da questão imediata relacionada ao ganho de autonomia dos municípios: a emancipação político-administrativa. É feita uma análise do processo de surgimento de novos municípios e as suas implicações sobre as finanças federais, estaduais e municipais. O mecanismo de controle dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é o assunto do segundo capítulo, que avalia a relação gasto com pessoal e receita corrente líquida, bem como a relação dívida consolidada líquida e receita corrente líquida, objetos da lei. Certamente o processo de emancipação dos municípios e a LRF impactaram de modo diferente os municípios brasileiros. Alguns se tornaram mais homogêneos, outros não. No capítulo 3, o livro agrupa os municípios em conjuntos com alto grau de similaridade, mas mantendo alto grau de heterogeneidade entre si. Em outras palavras, os grupos são construídos de forma que os elementos dentro do conjunto sejam altamente semelhantes e, ao mesmo tempo, bem diferentes dos elementos que estão fora.
Uma das formas de medir o desempenho dos municípios brasileiros está no uso de indicadores. Todavia, na construção de alguns indicadores há um forte grau de subjetivismo, o que pode levar a resultados viesados e até mesmo inconsistentes. Para fugir dessa armadilha, o capítulo 4 faz uma análise das condições educacionais da população brasileira por meio de um indicador construído a partir do uso da técnica de componentes principais. Além da educação, a saúde tem motivado a adoção de políticas públicas específicas. O capítulo 5 representa um esforço no sentido de avaliar as políticas públicas em saúde nos últimos anos. As deficiências e a desigualdade dos municípios brasileiros são de toda ordem e em vários níveis, e o capítulo 6 é dedicado ao problema das condições domiciliares, estudando a composição e a evolução da infra-estrutura urbana municipal.
Como não poderia deixar de ser, as deficiências dos municípios no que se refere à educação, saúde e condições de habitação têm um reflexo direto na criminalidade. Esse é o mote do capítulo 7, que discute os determinantes das variações das taxas de criminalidade dos municípios, entre 1992 e 2002. Além da relação entre condições socioeconômicas e criminalidade, os resultados mostram também uma associação entre aglomeração urbana e criminalidade. As pessoas, quando migram, levam em consideração um conjunto de variáveis que fazem parte da sua função de bemestar. Em certa medida, as características socioeconômicas e ambientais da região afetam de forma diferenciada distintas pessoas. O último capítulo trata do porquê da preferência de migrantes qualificados por determinados municípios brasileiros.
Certamente, os tópicos discutidos neste livro não saturam o tema. A complexidade das relações de natureza social, econômica e mesmo ambiental (sendo este último tópico não tratado aqui) imprime a necessidade de outras discussões em diversos níveis. Porém, essas questões tocam em pontos extremamente importantes e são merecedoras da atenção de qualquer pesquisador que queira entender minimamente o ambiente municipal.
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