Tecnologia na veia - Em Piraí, no Rio de Janeiro, todos têm acesso à internet |
2005. Ano 2 . Edição 6 - 1/1/2005 O mais ambicioso projeto de inclusão digital do país injeta nova vida em Piraí, uma pequena cidade do Rio de Janeiro que se tornou referência internacional em matéria de inclusão digital Por Andréa Wollfenbuttel, de Piraí Encravada no topo da Serra das Araras, no estado do Rio de Janeiro, a 390 metros do nível do mar, a cidade de Piraí, com cerca de 23 mil habitantes, foi repentinamente incluída no mapa da tecnologia da informação quando, em junho do ano passado, a respeitada revista norte-americana Newsweek publicou uma reportagem classificando-a entre as cidades digitais do planeta, ao lado de Auckland, na Nova Zelândia, e Seul, na Coréia do Sul. O que colocou o pequeno município em tão prestigiosa companhia? Um ambicioso programa de inclusão digital baseado na instalação de uma rede de alta velocidade de transmissão de dados, voz e imagem que cobre 95% de toda a sua área e permite o acesso à Internet, e a seus benefícios, a praticamente todos os moradores. Desde que foi inaugurada a rede, a pacata paisagem da cidade do século XVIII vem se transformando aos poucos. Quem passa pela Praça da Preguiça, cujo nome se deve a dois tímidos bichos-preguiça que se escondem entre as árvores, não pode deixar de reparar na movimentação ao redor de um pequeno quiosque de madeira, onde está instalado um microcomputador que monopoliza a atenção, sobretudo, de jovens e crianças. Luiz Carlos da Costa Silva, de nove anos, está sempre por lá. "É legal porque dá para baixar joguinhos", diz ele, enquanto controla com habilidade os macaquinhos que pulam na tela. A seu lado, o primo Lucas Manoel da Costa, um ano mais novo, presta atenção em tudo, procurando aprender e esperando sua vez de experimentar o novo brinquedo. Ao todo, existem oito quiosques, cada um com um microcomputador ligado à Internet, exceto o que fica na estação rodoviária, que tem dois microcomputadores. Além disso, existem 15 laboratórios de informática em escolas municipais, cada um com dez micros. Foi então que Souza, mais conhecido como Pezão, justo apelido para quem calça sapatos número 47, resolveu que não faria um programa para beneficiar apenas alguns, mas para contemplar toda a população. Concebeu o projeto Piraí Digital, prevendo a cobertura dos 504 quilômetros quadrados do município por meio de transmissão de alta velocidade, sem cabos (wireless), interligada por antenas de rádio. A idéia era inovadora porque substituía o conceito tradicional de inclusão ponto a ponto por uma inclusão total e simultânea. Além disso, também estava cerca de uma década adiante das expectativas nacionais, já que o plano da Anatel prevê que os municípios com menos de 50 mil habitantes só estejam ligados em banda larga entre 2010 e 2014. O problema era que o projeto requeria financiamento da ordem de dois milhões de reais e, para decepção de Pezão, foi vetado pelo BNDES. "Disseram que eu tinha direito a um Fusquinha e estava pedindo uma BMW", lembra Pezão. Mas o prefeito queria mesmo uma BMW. Com o plano embaixo do braço, foi bater em outras portas. "Nessa época me tornei devoto de São Pidão", diz, "ninguém agüentava mais me ver pedindo recursos." Parcerias Em pouco tempo Pezão percebeu que para construir a rede de transmissão precisaria antes construir outra rede, a de parcerias, já que ninguém bancaria sozinho as despesas. A primeira colaboração veio da Universidade Federal Fluminense, que emprestou um de seus professores, Franklin Dias Coelho, experiente em instalação de telecentros nas favelas do Rio de Janeiro, para ser o coordenador-geral do Piraí Digital. Depois veio a ajuda da cervejaria Cintra, uma das principais empresas da cidade, que cedeu um profissional para auxílio técnico. O engenheiro da Cintra reelaborou todo o projeto substituindo a rede wireless por uma rede híbrida, que combina rádio, cabeamento e power line, uma forma de transmissão que utiliza as linhas elétricas. Foram quase três anos de trabalho até o dia seis de fevereiro do ano passado, quando Piraí finalmente ficou totalmente coberta pela rede de transmissão. "É só sentar no banco da praça, abrir o laptop, se conectar com aquela antena no alto do morro e ligar-se na web", diz Coelho, orgulhoso de seu trabalho, debruçado na varanda do prédio da prefeitura, um bem conservado edifício colonial do século XIX cercado de palmeiras centenárias. Quando perguntado onde aprendeu a língua, responde surpreso: "Eu não sei inglês, mas entendo todos os jogos". Aparentemente, ele apenas não sabe que já sabe inglês. Aprendeu brincando na Internet. E é justamente esse poder de disseminação do conhecimento que a prefeitura quer usar para melhorar a qualidade do ensino na cidade. Por isso, uma das primeiras preocupações foi a instalação de laboratórios de informática nas 20 escolas municipais, onde estão mais de 90% dos estudantes de Piraí. Mais uma vez foi necessária a colaboração da iniciativa privada. Até dezembro do ano passado, 15 escolas já tinham laboratórios. "Eles estão mais interessados porque sentem que podem aplicar o que aprendem. Adoram escrever usando as teclas do computador. E querem logo saber tudo para poder digitar sem precisar de ajuda." Muitos ficam na escola depois do sinal da saída para poder usar o laboratório. Foi preciso organizar os horários porque não há máquinas para atender toda a demanda. Bruno César de Souza, de nove anos, é um dos aficionados. "Eu gosto de entrar no site da Recreio (revista infantil), mas ele é meio pesado e às vezes demora a carregar, por isso é melhor depois da aula, quando tenho mais tempo", diz. Irineu descobriu como operar o computador com a ajuda de outra funcionária, Eliane da Silva Palmeiras, auxiliar de serviços gerais, que fez curso de informática e tornou-se uma espécie de tutora dos que ainda estão nos primeiros passos. "Ficam todos ansiosos esperando a liberação do laboratório", diz. O corpo docente teve de passar por cursos de capacitação e sensibilização antes da instalação dos laboratórios, para que os professores soubessem orientar os alunos e aplicar corretamente os recursos da informática em suas aulas. "Esse é um caminho que estamos trilhando todos juntos", diz a diretora. Qualidade A coordenadora de informática educativa do projeto Piraí Digital, Mônica Norris, lembra bem das primeiras aulas de treinamento dos professores, quando percebeu que, por desconhecimento, muitos demonstraram o temor de que os computadores pudessem roubar seus empregos. "Foi preciso muito tato para mostrar que a informática é uma ferramenta que vai facilitar o trabalho deles, mas nunca substituí-los", diz Norris. Agora, o quadro mudou. Os professores estão montando as aulas no computador, trocando informações por e-mail e animados para a nova etapa do curso de capacitação. Maria do Carmo Silva Tavares, de 66 anos, estava acostumada a ver a neta passar horas diante de um monitor de computador, mas nunca tinha se aproximado da máquina. Depois do curso, continua longe do computador porque a neta não dá trégua, mas orgulha-se de poder entrar no banco e operar sozinha o terminal de auto-atendimento. "Antes eu era inibida para chegar na agência e usar o caixa automático. Tinha de pedir ajuda às pessoas. Agora faço tudo que preciso, saco dinheiro, pago as contas, tiro extrato. É uma maravilha! Já, já vou comprar um computador só para mim." A experiência está longe de ser isolada. Daisy Lúcia Lima Botelho, coordenadora do Núcleo da Terceira Idade, percebeu que a dificuldade para lidar com os terminais bancários era algo muito comum entre os alunos do curso e que, ao se formar, quase todos os 40 estudantes tinham superado os temores. Marcelina Cândida Duarte, de 67 anos, foi mais longe. Ao freqüentar as aulas de informática descobriu que ainda tinha condições de aprender e resolveu retomar os estudos que havia abandonado quando jovem. Há três meses matriculou-se e no único curso supletivo da cidade e agora espera ansiosamente o resultado das primeiras provas. "Tenho aula todos os dias, não falto e estou decidida a ir até o fim. Vou conseguir o meu diploma!", diz, entusiasmada. Sem o auxílio de um computador, é impossível estudar, mas muita gente que não tem o equipamento em casa está cursando faculdade. Josiane Ferreira Pinheiro, de 19 anos, está concluindo o segundo semestre de Biologia. "O curso é muito puxado, mas com o suporte aqui no Cederj estou conseguindo acompanhar. Posso inclusive conversar on-line com os professores para tirar dúvidas", diz. "Sem o Cederj, provavelmente eu não estaria estudando." Ela sonha em ser pesquisadora, mesmo consciente das limitações da cidade onde vive. Flávia Batista de Oliveira Silva, de 26 anos, funcionária da Vigilância Sanitária de Piraí, também está cursando Biologia, depois de ter parado os estudos por seis anos. "Se não fosse por essa estrutura, dificilmente eu conseguiria voltar à escola", diz. Ambas vão diariamente ao Cederj, como se fossem alunas de uma escola tradicional. FilantropiaAo ver tudo isso acontecer, o prefeito de Piraí não consegue evitar a lembrança da situação que encontrou ao assumir seu primeiro mandato, em janeiro de 1997. Ele recebeu uma estrutura que dispunha de dois computadores e uma enorme crise. A Light, maior empresa da cidade, acabava de ser privatizada e passava por uma reestruturação que cortou 1.200 vagas nos escritórios de Piraí. Como se não bastasse, a segunda maior empresa, a Companhia Industrial de Papel Pirahy, havia sido vendida à canadense Schweitzer-Mauduit e também planejava demitir 300 funcionários. Numa cidade com pouco mais de 22 mil habitantes, a extinção de 1.500 postos de trabalho era quase uma situação de calamidade. A primeira atitude de Pezão foi procurar a Light numa tentativa de reduzir os cortes. Foi recebido com uma declaração seca de que a empresa não fazia filantropia. Revoltado, o prefeito resolveu estudar melhor a situação. Descobriu que a Light era dona de 53% das terras do município e que não pagava impostos. Criou uma lei transformando todas as propriedades da Light em terras urbanas e aplicando Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), progressivo e retroativo a cinco anos, conforme era permitido na época. No dia seguinte foi procurado por uma comitiva da empresa, que foi recebida, obviamente, com a declaração de que a prefeitura não fazia filantropia. O prefeito informou que não queria todo o dinheiro referente ao IPTU atrasado, mas queria terras e recursos para construir condomínios industriais com infra-estrutura que pudessem atrair novas empresas à cidade. |