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Uma escola de raiz - O sucesso de uma experiência pedagógica feita num assentamento no interior paulista

2005. Ano 2 . Edição 10 - 1/5/2005

No interior de São Paulo uma experiência pedagógica atrai estudantes e seus familiares, é gratificante para os professores e recebe o reconhecimento da Fundação Getúlio Vargas.
O método - Aquele que ensina usando coisas comuns no dia-a-dia das crianças

Por Andréa Wolffenbüttel, de Araraquara, interior de São Paulo

Quem visita a Escola Hermínio Pagotto, no assentamento rural Bela Vista, em Araraquara, interior de São Paulo, é recebido com uma cerimônia que não deixa dúvidas sobre a cultura local. Violas em punho, bandeiras, coreografia com os pés sobre a grama e letra de música lembrando que a terra é de quem plantar. O espírito do campo não está somente no cerimonial. Ele se espalha pelos corredores decorados com plantas, pelas paredes pintadas com motivos da terra e especialmente dentro das salas de aula. Galinhas, milho, feijão, sementes e adubo são elementos corriqueiros entre professores e alunos. Há sempre um modo de dar a lição usando os recursos da terra.

Para aprender proporções, a turma do professor Marcos Sônego teve de descascar e lavar mandioca, produzir e embalar farinha e polvilho. A mandioca foi pesada com casca e descascada para verificar qual a fração do peso que corresponde à casca. Depois de batida, coada e prensada, a mandioca virou pó e os alunos calcularam quantos quilos de raiz são necessários para produzir 1 quilo de farinha.

Na hora da embalagem, as crianças viram quantos sacos foram usados para acomodar a produção. Por fim, o melhor momento: avaliar o preço da farinha e ver quanto se pode ganhar com aquela quantidade de mandioca e com o trabalho para transformá-la. "Ensinar assim é diferente de ficar só no giz e no quadro-negro. É palpável. As crianças entendem muito mais", diz o professor Sônego, que chegou à escola no início deste ano.

A Escola Hermínio Pagotto faz parte do projeto Escola do Campo, criado em 2001 para melhorar a qualidade da educação e estancar a perda de alunos. O caso era grave. Há vinte anos havia 31 estabelecimentos rurais de ensino em Araraquara. Hoje restam apenas três - e os alunos, forçados a fazer longas caminhadas para freqüentar as aulas, pouco a pouco foram desistindo. As providências para resolver a questão começaram a ser tomadas em 1998, quando a prefeitura foi gradativamente assumindo as escolas de ensino fundamental que estavam sob a alçada do governo estadual.

A partir de então, buscou-se uma forma de aproximar o ensino do mundo dos estudantes. A experiência deu certo. Desde que foi implantada a nova política didático-pedagógica, a evasão escolar caiu muito. Em alguns casos desapareceu. Na Hermínio Pagotto nenhum estudante abandonou o colégio desde o início de 2004. Ali a palavra de ordem é valorizar o homem do campo, seu ambiente e seu trabalho. Fazer com que os alunos sintam orgulho do que são.

Pé no chão A escola é cercada por jardins, hortas e viveiros que são tão freqüentados quanto as salas de aula. Uma turma do terceiro ano aprende as formas geométricas riscando quadrados e retângulos na terra, onde futuramente serão plantadas hortaliças para a merenda. A confusão é generalizada. Eles esbarram uns nos outros, reclamam que o chão é duro, tropeçam, caem e terminam sujos dos pés à cabeça.

Aliás, essa é uma das características da Escola do Campo: as crianças não estão sempre muito limpinhas. Mas por ali ninguém se importa com isso. Para conviver com tanta informalidade, até mesmo a mestra teve de se adaptar. "Antes eu parecia uma madame, agora venho trabalhar com roupas esportivas e ainda tenho de lavar os pés no final da aula", conta a professora Carla Regina Jellmayer, enquanto tenta controlar a criançada na horta.

Além de servir de palco para as aulas de Geometria, a horta é um instrumento para estimular a diversidade de culturas dentro do assentamento. As crianças aprendem a lidar com diferentes tipos de plantações e acabam levando novas idéias para casa, o que contribui para afastar a prática da monocultura numa região dominada pelo plantio da cana-de-açúcar. No meio da aula, aparece um estudante de outra classe: precisou interromper a aula para colher folhas de guaco, a pedido de sua mãe, que queria preparar um chá contra a tosse.

A colheita foi feita no horto medicinal, entre pés de camomila, hortelã, boldo e outras plantas corriqueiras em qualquer compêndio de remédios caseiros. O horto medicinal faz parte do projeto e tem o importante papel de preservar o conhecimento popular em relação às ervas com poder curativo. Parece que está dando certo. E seu efeito também extrapola os limites do colégio para chegar até as casas das famílias.

Comunidade Esse ponto é fundamental para o sucesso do projeto: o envolvimento da comunidade. "Em nossas reuniões comparecem, em média, 80% dos pais", conta orgulhosa Adriana Morales Caravieri, a diretora, uma mulher de modos suaves e tranqüilos. A presença dos familiares não se restringe às reuniões. Eles são convidados a participar das aulas e a ensinar o que sabem. Uma das áreas mais freqüentadas pelos parentes das crianças é a cozinha experimental, que também serve para aulas práticas e teóricas. Uma avó esteve recentemente por lá explicando como depenar e preparar um frango, que acabou transformado no almoço da criançada.

Pouco antes, o mesmo frango tinha sido modelo numa aula de anatomia no laboratório de ciências. O próprio coordenador pedagógico municipal da Secretaria de Educação, Carlos Alberto Pereira, se incumbe de comprar corações de boi em abatedouros para serem utilizados nas aulas de circulação sangüínea. Pode parecer um pouco assustador para quem vive nos apartamentos das grandes cidades, mas está em perfeita harmonia com o ambiente. E alguns querem ir ainda além.

Alexandre Luiz de Freitas, que foi coordenador pedagógico durante o desenvolvimento e a implantação do modelo Escola do Campo, espera que um dia o frango seja substituído por um porco, que, além de ter uma anatomia mais próxima da humana, seria um banquete para todos. Depois de degustar as delícias que saem da cozinha experimental, as crianças escrevem as receitas nas aulas de Português. "Procuramos resgatar algumas antigas receitas de família que estão se perdendo ao longo do tempo", conta a diretora.

Modernidade Apesar de toda essa ambientação campestre, o ex-coordenador Freitas sempre ressalta que não se trata de um colégio de técnicas de agropecuária. "É uma escola de ensino fundamental com o mesmo currículo das demais. Apenas adotamos formas diferentes de transmitir as informações, em sintonia com o mundo dos estudantes." Outro rótulo que ele faz questão de negar é o de que a Escola do Campo tenha o objetivo de evitar a migração dos camponeses para a cidade. "Não temos a pretensão de impedir nem influenciar ninguém, apenas damos às crianças condições para que elas possam escolher o próprio caminho, seja ele o de permanecer ou o de partir para o meio urbano."

A escola, por sinal, tem dois espaços nada rurais: a sala multimeios e a sala de informática. A primeira é equipada com retroprojetor, televisor de 36 polegadas e DVD, no qual os estudantes assistem a filmes. A segunda tem nove computadores e, obrigatoriamente, um determinado número de aulas de todas as disciplinas acontece ali. Todos os computadores são equipados com programas pedagógicos. "Se o professor esquece de preparar a aula da sala de informática, as próprias crianças cobram", conta a diretora Caravieri.

Aliás, seus esforços ultimamente estão concentrados no aprimoramento das aulas ministradas nesse recinto. Seu desejo é conectar os computadores da escola à internet. O que parece simples para qualquer colégio de cidade é muito difícil para quem está instalado no meio de um assentamento rural, a 25 quilômetros de Araraquara. Ali não há cabeamento e o único telefone funciona via satélite. A forma mais adequada de colocar a escola na rede é via ondas de rádio, mas os equipamentos são muito caros.

Custo Por suas características diferenciadas, as Escolas do Campo exigem mais recursos dos que as tradicionais. Enquanto um aluno da cidade custa, em média, 1,1 mil reais por ano, na Escola do Campo cada educando consome 1,7 mil reais. O principal motivo do custo alto é o pequeno número de estudantes. A Escola Hermínio Pagotto atende as 274 famílias que vivem no Assentamento Bela Vista. Todas as crianças freqüentam as aulas, mas elas formam um grupo de apenas 152 alunos.

Diferentemente do que ocorre em outras escolas rurais, há uma classe para cada série, inclusive uma turma de ensino infantil para os pequenos de 4 e 5 anos. Além disso, o ensino fundamental foi expandido para nove séries, divididas em três ciclos de três anos cada uma. O resultado é que a maior turma da escola tem somente 22 alunos, muito menos do que as classes das escolas municipais normais, que chegam a ter 50 cadeiras ocupadas numa sala.

Outra fonte de gastos é a estrutura de transporte que serve o colégio. Ela é uma das responsáveis pela evasão escolar zero e pela estabilidade do quadro docente. O ônibus passa diariamente para pegar e levar alunos e professores. O coordenador Pereira lembra que sua esposa trabalhava em uma das escolas rurais que fechou. "Ela levava quase uma hora para ir ao trabalho e quando chegava tinha de varrer o chão porque não havia faxineiros, não havia material escolar nem merenda." Para os estudantes, a mudança de professores tem efeitos negativos dos pontos de vista pessoal, emocional e pedagógico.

Mas essa ameaça não paira mais sobre os alunos da Hermínio Pagotto. A equipe docente é apaixonada pela escola, e muitos já recusaram convites para trabalhar na cidade. Raquel Baraldi, professora do 3º ano do primeiro ciclo, formada em Biologia e Pedagogia, garante que não abre mão de seu lugar na Escola do Campo. Como seus colegas, Baraldi passou por um treinamento para conhecer a proposta didática e o universo em que vivem os alunos. Por isso, apesar de ter nascido e crescido no meio urbano, sente-se perfeitamente à vontade enquanto observa seus pequenos alunos espalhando sementes de feijão em diferentes elementos: pedra, areia, terra e terra adubada. Eles vão cuidar dos brotinhos para ver qual deles cresce mais saudável.

Cooperativa Foi da professora Baraldi a idéia de criar uma minicooperativa no colégio. Os alunos trazem sementes de casa e, com material fornecido pela escola, produzem artesanato para ser vendido em feiras e bazares. São quadrinhos, colares, pulseiras e chaveiros. No momento, os estoques estão em baixa, porque a produção fez muito sucesso em uma feira realizada em Boa Esperança do Sul, cidade vizinha a Araraquara. O dinheiro arrecadado é destinado à aquisição de material e também de brinquedos e jogos escolhidos pelas crianças que são usados na escola. Além de se dedicar ao artesanato, os estudantes acompanham a administração da cooperativa e aprendem a fazer a contabilidade para ver se o negócio está valendo a pena. "A idéia é que futuramente eles possam, talvez, criar uma cooperativa no assentamento", diz a diretora Caravieri.

PrêmioCom uma infra-estrutura cara, é óbvio que fica difícil conseguir mais recursos para qualquer avanço. Mas uma ajuda inesperada chegou em dezembro do ano passado, quando o projeto ganhou o Prêmio de Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getulio Vargas (FGV). Concorrendo com 1,2 mil inscritos, a Escola do Campo ficou entre os cinco destaques que receberam 20 mil reais para dar continuidade ao programa.

"Eles conseguiram superar dezenas de obstáculos e criaram um estabelecimento de ensino de qualidade, que respeita o homem do campo e é absolutamente inovador na forma de educar", explica Hironobu Sano, um dos avaliadores da FGV. Para definir o destino que seria dado ao dinheiro do prêmio, foram feitas consultas ao conselho da escola, composto de administradores, professores e alunos - em obediência a um dos princípios básicos da escola (leia quadro na pág. 73), o da gestão democrática e participativa.

O problema é que, como sempre, a lista de compras supera de longe o dinheiro em caixa. Maria do Carmo Boschiero, diretora do departamento de educação da Secretaria de Educação, conta que a relação inclui equipamentos eletrônicos, eletrodomésticos, material de construção, material para confecção de artesanato e, como não poderia deixar de ser, ferramentas e insumos agrícolas. "Está muito difícil decidir o que fazer, mas queremos comprar coisas significativas, que deixem uma lembrança do prêmio. Algo como uma máquina fotográfica digital para registrar os acontecimentos da escola e talvez a construção de um campo de futebol com traves e redes."

A quadra seria muito bem-vinda. Na I Olimpíada Mirim e Infantil de Araraquara, os alunos da Hermínio Pagotto conquistaram 37,5% das medalhas, sendo apenas 10% dos participantes. O sucesso se deve, em grande parte, à presença de um monitor, cedido pela Secretaria de Esportes, que treina as crianças fora do horário de aula. Na quadra poliesportiva, coberta há apenas um mês, sempre tem alguém jogando.

Ao contrário do que se possa imaginar, não há espaço para campinhos no assentamento. Onde todos vivem da terra, qualquer área é preciosa. Por isso, a quadra é um dos locais de lazer para a comunidade. E também nas salas de aula as notas dos estudantes da Escola do Campo superam as de seus colegas da cidade - mais um indicador de que o modelo didático está conseguindo mudar a imagem da escola rural.

Raiz Foi confiando nesse progresso que Reginaldo Anselmo Teixeira voltou ao assentamento depois de concluir o curso de Pedagogia na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Ele é o único professor que mora em Bela Vista e sente profunda satisfação em poder exercer sua profissão no local em que se criou, vivendo com sua família. Teixeira leciona à tarde para as crianças do primeiro ciclo e à noite dá curso de alfabetizacão para adultos. Mantém em casa um grande canteiro de flores, de onde extrai material para as aulas, como dezenas de mudas de margaridas que os estudantes plantam ladeando os caminhos da escola, aprendendo a medir distâncias.

Enquanto correm entre o tanque onde estão as mudas e o local de plantá-las, eles vão pegando uns nos outros, deixando as marcas de suas mãozinhas carimbadas nas roupas. Bem perto dali, sob um sol a pino, há uma gritaria. Um dos alunos da turma do primeiro ano do segundo ciclo pegou uma mangueira para regar a horta e, como era previsível, decidiu molhar os colegas. Com isso interrompeu o trabalho concentrado de um grupo que se dedicava a retirar a erva daninha da plantação e provocou protestos. Como as crianças sabem o que deve ser arrancado? Gabriel Mendes Batistini, de 9 anos, define sem hesitar:

"Mato é o que a gente não come". A alguns metros, outra turma observa com atenção, na cozinha experimental, o trabalho de uma voluntária que está preparando pão caseiro. Olhos nas mãos da cozinheira e pensamentos voltados para o estômago enquanto aprendem e esperam a hora da merenda. Na biblioteca, os mais novinhos, da classe de educação infantil, compenetrados como se soubessem ler, apreciam as figuras e se familiarizam com o manuseio dos livros.

As experiências e os ambientes podem ser diferentes, mas o espírito dos alunos da Hermínio Pagotto é rigorosamente igual ao das crianças de todos os colégios do mundo. Com o olhar encantado, Larissa Benvinda, de 10 anos, declara que quando crescer será bailarina. Vanessa Henrique será cantora, e Kelli Fernandes, médica pediatra. Mas a semente da Escola do Campo germinou mais fundo no coração de alguns. Camila dos Reis e Valcir dos Santos, ela com 9 anos, e ele com 11, não querem ir tão longe. Sonham ser professores. E não em qualquer lugar. Querem lecionar na Escola de Ensino Fundamental Hermínio Pagotto para passar a seus filhos o mesmo que receberam quando crianças.

 
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