2009 . Ano 6 . Edição 51 - 07/06/2009
Ao contrário do que normalmente se infere, o debate sobre a questão do desenvolvimento brasileiro, desdobrada na discussão do progresso, da modernidade ou da prosperidade do País, esteve, em seu início, atavicamente atrelado ao debate sobre questão racial.
A ideologia do embranquecimento, que ganhou força no final do século 19, encarnava a perspectiva de que, para que o País pudesse galgar um estágio mais elevado de progresso, seria necessário que, ao elemento humano nacional, marcadamente negro, fosse adicionado o elemento europeu, branco. A ideia de que o progresso da nação dependeria da qualidade e dos atributos genéticos da população foi fortemente defendido por nossos pensadores mais expressivos. Mesmo autores de tradição democrática engrossavam o coro.
Joaquim Nabuco, a grande voz contrária à escravidão ainda então vigente, em sua principal obra, O Abolicionismo, tida como a melhor peça escrita contra a escravidão no Brasil, identifi cava o elemento negro como intrinsecamente mais despreparado e menos apto a assumir posição de destaque no cenário econômico e social brasileiro.
De outro lado, um dos expoentes de nossa literatura, José de Alencar, exprimiu sua posição antiabolicionista com base no argumento do despreparo da população negra e de sua incapacidade em integrarem-se, como cidadãos, a uma sociedade moderna e próspera.
Anos mais tarde, já no final dos anos 20 do século passado , Monteiro Lobato, nosso literato infantil maior, reforçava, em O Presidente Negro, a visão de que um país que se quer próspero deveria ter como biótipo majoritário ? e de preferência único ? o elemento branco. A sociedade perfeita seria a sociedade branca, sem a presença de raças inferiores, notadamente a negra.
O pensamento racista vigente até o final da década de 1930 foi duramente golpeado com a derrota da Alemanha nazista e seu discurso eugênico. Idéias defensoras da impossibilidade de uma sociedade multiracial lograr a prosperidade, diretamente associadas à ideologia fascista, perderam adesão. A questão do progresso passaria assim a ganhar novos elementos explicativos.
É, portanto, no pós-guerra que se observa um descolamento da explicação "racial" face ao atraso do país. No Brasil, o pensamento desenvolvimentista que se consolida nos anos 1950, notadamente a partir dos trabalhos da Cepal e de autores estruturalistas, tira de foco a questão racial como elemento responsável pelo atraso nacional. As explicações passavam a privilegiar os aspectos econômicos e, em especial, a relação desigual entre centro e periferia, nos moldes em que se estruturavam o comércio entre os países e as dificuldades de acesso à tecnologia. Uma segunda geração de pensamento, chamada de Teoria da Dependência, via o já então denominado subdesenvolvimento como produto não apenas das relações desiguais face aos países centrais, ou desenvolvidos, mas também como resultado de uma conformação social e histórica específica. O passado escravista, a ascensão do patrimonialismo, a consolidação de uma estrutura política oligárquica e restritiva estariam na base da explicação de nosso subdesenvolvimento. E nessa perspectiva se inserem importantes trabalhos sobre a questão racial brasileira.
Mais recentemente, a questão do desenvolvimento tem se voltado para dois temas candentes. O primeiro se refere à sustentabilidade ambiental. Pensar o desenvolvimento passa a demandar o reconhecimento de um componente global associado à preservação do nosso meio ambiente e, principalmente, da questão do futuro do planeta e o legado que deixaremos para as próximas gerações. O segundo tema, cujo expoente maior é Amartya Sen, põe em destaque a equidade e resgata a questão da melhoria das condições de vida da população em geral como meta fundamental do desenvolvimento. E nessa perspectiva a questão racial torna a se encontrar com o debate do desenvolvimento. Agora, não mais como elemento explicativo do atraso, mas como instância normativa de políticas públicas que visam a equidade e a democracia. É nessa perspectiva que o debate sobre a igualdade racial ganha relevo.
Em países como o Brasil, onde a questão racial é latente e atua na naturalização das diferenças sociais e na operação de mecanismos de exclusão social e de acesso diferenciado a oportunidades, a busca de uma maior equidade impõem a necessidade de adoção de políticas de promoção da igualdade racial. Efetivamente o preconceito racial não apenas se encontra presente na sociedade brasileira, como atua elemento constitutivo de nossa surpreendente desigualdade social. A busca da igualdade racial, mediante adoção de políticas públicas de combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação racial, surge assim como elemento central e foco de uma política de desenvolvimento que tenha como pilar a equidade.
______________________________________________ Mário Theodoro é diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Ipea
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