2009 . Ano 7 . Edição 56 - 10/12/2009
Descentralização em curso
Ao completar 45 anos, o Ipea iniciou uma nova fase em sua atuação: uma das estratégias é descentralizar os estudos e pesquisas, ampliando a troca de conhecimento com as instituições estaduais de todas as regiões do País. Nesse sentido, o Instituto organizou seminários regionais para que seus técnicos e dirigentes discutissem com os especialistas locais temas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de cada região. "Considero a estratégia de realizar atividades do Ipea fora do Rio, São Paulo e Brasília necessária", comenta Liana Carleial, diretora de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur). "É uma possibilidade de troca qualificada de conhecimentos, de experiências e percepções", acrescenta Jorge Abrahão, diretor de Estudos e Políticas Sociais (Disoc).
O plano é abrir escritórios regionais e realizar trabalhos em parceria com outras instituições. Liana Carleial informa que já foram firmados convênios com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), com o Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual da Paraíba (Ideme) e com o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará. Técnicos do Ipea serão deslocados para esses estados e as instituições parceiras poderão mandar especialistas para desenvolver trabalhos na sede do Instituto, em Brasília. Mário Theodoro, diretor de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas Internacionais (Dicod), lembra que o Instituto já mantém contato com as instituições estaduais e regionais por meio de redes de conhecimento. "Mas a presença dos diretores, dos técnicos do Ipea nos debates com acadêmicos e pessoas sobre questões regionais é muito importante."
A regionalização é fundamental para que o Ipea consiga cumprir a missão de elaborar um projeto de desenvolvimento para o Brasil, destaca João Sicsú, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas (Dimac). Os seminários, ressalta ele, são uma forma de divulgar ideias, levar conhecimento para as regiões mais carentes, absorver experiências e incorporá-las no projeto. "Está implícito que o seminário estimula o debate local sobre o desenvolvimento. Não há desenvolvimento nacional sem desenvolvimento local", resume Sicsú.
Para Liana Carleial, o deslocamento de técnicos e diretores do Ipea para os estados facilita a interação, a troca de conhecimentos e ajuda a aperfeiçoar o trabalho da instituição: "O Ipea sempre desenvolve trabalhos não só no corte nacional. O Instituto faz trabalhos regionais, setoriais, trabalha com diferentes escalas, a escala metropolitana, a escola regional, a escala estadual, municipal. O Ipea já faz isso, mas é muito diferente fazer o trabalho aqui e apresentar lá". Nos estados, diz ela, os técnicos facilitam a articulação das instituições locais com os órgãos federais e possibilitam a agregação de pesquisadores regionais na construção propostas de pesquisa e de elaboração de políticas públicas. E isso ajuda o desenvolvimento das regiões. Ela ressalta que em Brasília os técnicos trabalham com dados secundários. "No contato direto com as regiões tem-se um olhar muito mais completo. Provavelmente os dados secundários serão vistos agora de outra maneira. É uma atividade no local. Isso tende a enriquecer os trabalhos, as análises, as pesquisas", prevê.
"É uma maneira de levar o Ipea de forma completa, material, para essas regiões. Em vez de chegar lá apenas com informação, técnicos e diretores estão levando material e se dispondo a dialogar com os técnicos e dirigentes e pesquisadores da região", comenta Jorge Abrahão. A expectativa, segundo ele, é superar uma contradição de estar "falando para o Brasil, mas não conhecendo o Brasil". O seminário em Belém (PA) contou com a presença de integrantes do governo, da academia, de pesquisadores e do movimento social. "É surpreendente. Não se sabe (de Brasília) o que está acontecendo nas regiões. Não se tem ideia de como determinadas regiões estão avançadas", relata. Uma das surpresas foi descobrir pesquisas sobre o complexo produtivo do açaí, um produto com perspectiva internacional. "Eu não sabia", conta. "A experiência foi maravilhosa porque tem-se um debate direto com pessoas das regiões. E aí você pode perceber as diferenças de enfoque sobre a questão do desenvolvimento, a questão regional, tudo isso por uma visão de cada uma das regiões", resume Mário Theodoro. A proposta de regionalização embute o esforço de ajudar a solucionar os problemas da região. O plano é definir alguns temas para trabalhar em conjunto com os pesquisadores da região Norte.
Em São Paulo, o Ipea reuniu representantes de instituições vinculadas à Universidade de São Paulo, dos empresários, de entidades que trabalham com inovação, como a Anpei e Anprotec, para analisar o que está acontecendo com o setor produtivo depois da crise internacional e apresentar propostas ao comitê da Política de Desenvolvimento Produtivo do governo federal. O Departamento de Engenharia de Produção, o Núcleo de Política de Gestão Tecnológica e o Observatório da Inovação e Competitividade da USP entraram como coorganizadores do evento. "A engenharia de produção está mais preocupada com a mudança de processos industriais, de inovação, desde o chão de fábrica até a administração da produção, sob o ângulo da engenharia", explica Marcio Wohlers. Segundo ele, o seminário foi realizado em São Paulo porque lá estão as principais associações industriais, que influenciam o sistema fabril de outras regiões. A ideia é realizar novos seminários e estudos específicos para outras regiões. "Queremos priorizar as demandas realmente decisivas", diz Wohlers. Para isso, é preciso conhecer a realidade local para solucionar os problemas. Segundo ele, a Secretaria de Assuntos Estratégicos constatou, por exemplo, que no Acre não faltam ideias para aproveitar a riqueza biológica do estado, mas falta educação e qualificação profissional.
Na região Nordeste, o seminário do Ipea reuniu representantes das universidades e de grandes empresas para analisar as perspectivas a partir dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento e nas áreas de petróleo, gás, siderurgia, cimento e de alimentos e bebidas. "Apresentamos nossa proposta de complementações produtivas... foi uma proposta muito bem aceita. A estrutura juntando empresas, Ipea e academia foi fantástica", diz Liana Carleial. A ideia é aproveitar grandes projetos de investimento para desenvolver cadeias produtivas. Se forem feitas as complementações produtivas, segundo ela, a região poderá passar por uma grande transformação.
Além de ter produtos de interesse das regiões, o Ipea pode, com a ação regional, recuperar o papel desempenhado nas décadas de 1970 e 1980: "O Ipea ajudava não só na feitura das políticas dos estados, mas na formação dos técnicos na área de planejamento. Então, tínhamos um contato muito maior com os estados e instituições. Agora nós retomamos esse contanto com os seminários", comenta Mário Theodoro.
Celso Furtado,
essencial para formuladores de políticas públicas
Ipea homenageia o autor com edição de livro de ensaios e seminário sobre sua obra
Formação Econômica do Brasil, obraprima de Celso Furtado, continua atual e obrigatória para a compreensão da realidade brasileira. Cinquenta anos depois de sua primeira publicação, 30 reedições, traduções em nove línguas, o livro se mantém como objeto de estudo das novas gerações e mereceu atenção especial do Ipea, que promoveu um seminário, em novembro, para debater a obra de Celso Furtado, ocasião em que lançou o livro 50 anos de Formação Econômica do Brasil - Ensaios sobre a obra clássica de Celso Furtado. Os problemas apontados pelo autor, como os do subdesenvolvimento, são os mesmos enfrentados atualmente. "Se o problema continua, quem teorizou sobre esse problema, a meu ver, deve continuar", diz a jornalista Rosa Freire D'Aguiar Furtado, viúva de Celso Furtado e presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. Formação Econômica do Brasil é uma obra viva: "A contribuição da obra do Celso Furtado é indispensável para conhecer a evolução econômica do Brasil e, portanto, para poder conhecer melhor a situação atual da economia brasileira e poder, em consequência, formular políticas de desenvolvimento econômico", explicou o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República.
Os temas tratados na obra de Celso Furtado "estão presentes há 50 anos" na realidade brasileira. "O que nosso livro de ensaio faz é recuperar esses temas tais quais foram formulados por Celso Furtado e atualizando-os para a realidade contemporânea brasileira. Isso revela a atualidade e a força de pensamento de um pensador que foi pioneiro, que foi inovativo há 50 anos", comenta Salvador Werneck Viana, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. "Passados 50 anos, as suas ideias se mantêm firmes, vivas, inspirando as novas gerações de pesquisadores", diz o técnico e organizador da publicação junto com Tarcísio Patrício de Araújo e Júnior Macambira. A teoria do subdesenvolvimento ajudou muito a compreensão da situação do Brasil e da América Latina, ressalta Rosa Furtado. "Eu acho que o cerne dessa obra é a teoria do subdesenvolvimento", comentou ela durante o seminário, quando foram lançados também a edição comemorativa de 50 anos da obra Formação Econômica do Brasil, publicada pela Companhia das Letras, e o livro Diálogos para o Desenvolvimento - Volume 1, do Ipea, organizado por José Celso Cardoso Júnior e Carlos Henrique R. de Siqueira. Na primeira parte do seminário, foi exibido o filme O Longo Amanhecer, uma cinebiografia de Celso Furtado produzida por José Mariani. Além de entrevistas com Furtado, o documentário traz depoimentos de pensadores e intelectuais que fazem uma análise das ideias do economista e de sua participação em diversos projetos desenvolvidos no Brasil a partir dos anos 1940.
"Reformador de mentes" - A frase do senador Cristovam Buarque, no prefácio de 50 anos de Formação Econômica do Brasil, traduz bem o peso das ideias de Furtado. Buarque conta que John Stuart Mill confessou, em sua autobiografia, que a leitura de Tratado da Legislação, de Bentham, tinha mudado sua vida. "No meu caso, foi Formação Econômica do Brasil", afirmou. A leitura de outros pensadores contribuíram, disse ele. "Mas provavelmente nenhuma provocou inflexão igual na minha formação."
"Ele teve um papel de relevância extraordinária na história do desenvolvimento econômico do Brasil", afirmou o ministro Pinheiro Guimarães. Para Salvador Werneck, o Ipea "tinha o dever - dado que é um instituto que estuda o desenvolvimento brasileiro, que pretende construir propostas para a superação do subdesenvolvimento no Brasil - de reafirmar a posição de Formação Econômica do Brasil como um dos livros fundamentais da ciência social brasileira". Segundo ele, entre os diversos autores de ensaios publicados no livro, alguns fazem "uma leitura honestamente crítica" da obra de Celso Furtado, e, mesmo assim, reafirmam a "vitalidade dos seus principais conceitos".
|