Retratos - Cidades brasileiras e Patrimônios da Humanidades |
2010 . Ano 7 . Edição 59 - 29/03/2010
Cidades brasileiras e Patrimônios da Humanidade Suelen Menezes - de Brasília
PRAÇA SÃO FRANCISCO Brasília será a sede da próxima reunião do Comitê do Patrimônio Mundial. O encontro, realizado pela segunda vez no Brasil - a cidade sediou a 12ª reunião, em 1988 -, será do dia 25 de julho ao dia 3 de agosto. Durante o evento serão avaliadas propostas para novas inscrições na lista de Patrimônio Mundial, mas os especialistas também vão discutir relatórios sobre o estado de conservação de algumas cidades ou lugares que detêm esse título. Em 2009, na reunião do Comitê, 13 novos sítios foram inscritos na lista do Patrimônio Mundial, que passou a contar com 890 localidades de grande valor universal em 148 Estados-membros da Organização.
OURO PRETO/MG Situada em terreno extremamente montanhoso e acidentado, a descoberta e a exploração do ouro justificaram a escolha dessa região para o surgimento de uma cidade. Fundada em 1698, a antiga capital da Província de Minas Gerais se destaca pela riqueza arquitetônica e pela arte sacra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, escultor e mestre-de-obras; e Manoel da Costa Athayde, pintor. A história de Ouro Preto está ligada à Inconfidência Mineira, movimento pró-Independência do Brasil. A cidade preserva, até os dias atuais, um dos mais ricos conjuntos arquitetônicos do país, formados por casarões, igrejas e palácios erguidos durante o Ciclo do Ouro, bem como o maior conjunto barroco do mundo. Rafael Arrelaro, chefe do escritório de Ouro Preto do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), explica que o diferencial da cidade é a sua configuração espacial. O relevo bastante acidentado marca a percepção visual que as pessoas têm de Ouro Preto. "Esse sobe-desce evidencia uma característica marcante da cidade: os telhados cerâmicos. A cidade toda, em sua área de formação colonial, é constituída por casas cobertas com telhados cerâmicos. Como cada casa tem o seu telhado em uma altura diferente, o resultado é que eles formam uma movimentação visual. Outra contribuição do relevo para a formação e a percepção de Ouro Preto é a disposição das suas ladeiras e ruas. Algumas são marcantes, como a Santa Efigênia, que é serpenteada e leva à Igreja de mesmo nome no alto da colina. Elevada a Monumento Nacional em 1933, o conjunto arquitetônico e urbanístico foi inscrito no Livro de Tombo de Belas Artes em 1938, e nos livros Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1986. Em 5 de setembro de 1980, Ouro Preto foi o primeiro bem cultural brasileiro a ser inscrito pela Unesco na Lista do Patrimônio Mundial.
Arrelaro lembra que Ouro Preto apresenta desafios de preservação comuns a muitos outros núcleos tombados. O primeiro deles é o acelerado e desordenado processo de urbanização. "Ouro Preto sofre um processo de crescimento nas encostas vizinhas ao Centro que é difícil de ser controlado. Remover todos os moradores será impossível, mas é necessário um trabalho de reordenamento. Já no centro da cidade o desafio é conscientizar os moradores que desejam realizar alterações em seus imóveis, para que sigam as normatizações e critérios existentes". O coordenador de Inventários e Conhecimento do Iphan, George Alex da Guia, conta que em 2003 uma missão técnica do Centro do Patrimônio Mundial esteve em Ouro Preto para fazer um levantamento dos problemas existentes e identificar as medidas necessárias para deter a deterioração do patrimônio cultural e ambiental na cidade. Ouro Preto estava perdendo as características que justificaram o título devido à deficiência institucional na preservação do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico. Para corrigir os problemas, o governo local criou a Secretaria de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano e aumentou o número de profissionais que trabalham com urbanismo e preservação. Já o Iphan ampliou os investimentos no centro histórico de Ouro Preto, com destaque para a requalificação urbanística e paisagística do Vales dos Contos, a restauração dos bens tombados, além de criar uma linha de financiamento para a restauração dos imóveis privados dentro da área tombada. OLINDA - PE O casario colorido, herança do povoamento português colonial, e a imponência de suas igrejas, contrastam com o verde intenso da vegetação tropical e o azul do mar. Olinda foi fundada por Duarte Coelho Pereira em 1537, para sediar a Capitania Hereditária de Pernambuco. O desenvolvimento da cidade esteve estreitamente ligado ao ciclo da canade- açúcar. Em 1631, porém, foi dominada e destruída pelos holandeses, que transferiram a capital para Recife, mas Olinda foi reconstruída no mesmo período. O nome da vila, conta a tradição, surgiu de uma expressão de seu fundador diante da paisagem avistada do alto da colina: "Ó linda situação para se formar uma vila". A cidade ainda conserva a trama urbana, a paisagem e o sítio da vila fundada na primeira metade do século XVI. Ao total são vinte igrejas e conventos barrocos, reconhecidos pela arquitetura e pela qualidade dos elementos decorativos. O conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Olinda foi inscrito no Livro de Tombo de Belas Artes, no Histórico, no Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1968. Em 17 de dezembro de 1982, a Unesco reconheceu a cidade como Patrimônio Mundial. Fábio Cavalcanti, chefe do escritório do Iphan em Olinda, explica que o maior desafio de se preservar o patrimônio é equilibrar as necessidades da vida contemporânea às características do sítio histórico, tanto no que diz respeito ao traçado urbano quanto à tipologia residencial. "A lógica e estrutura social existentes à época de construção da cidade era outra, o que determinou a sua morfologia característica. A cidade é hoje também resultado de um processo contínuo de construção, e os seus valores precisam ser entendidos como parte intrínseca da história da cidade". SALVADOR - BA Primeira cidade fundada no Brasil e, por conseguinte, primeira capital do País, de 1549 a 1763, Salvador situa-se entre o mar e as colinas da Baía de Todos os Santos. Sua organização se assemelha às cidades de Porto e Lisboa, com forte caráter defensivo próprio do século XVII. A Bahia teve o seu desenvolvimento econômico vinculado ao ciclo da exportação de cana-de-açúcar e, depois, do ouro e do diamante. Salvador preserva, ainda hoje, incontáveis construções renascentistas. O traçado das ruas, ladeiras e becos forma um rico conjunto urbano de origem portuguesa. Os sobrados de dois andares ou mais, as soluções planas no terreno em declive e a maneira de aproveitá-lo são exemplos da cultura lusitana. O conjunto do centro histórico de Salvador foi inscrito no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1984. A inscrição na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco se deu em 6 de dezembro de 1985. A área urbana, desde os tempos coloniais, é dividida em dois sítios de níveis topográficos distintos: uma primeira área ao nível do mar, denominada Cidade Baixa, que forma uma estreita faixa entre o mar e uma colina, separada por um acentuado declive, que constitui a Cidade Alta. A Cidade Alta é a parte de Salvador melhor conservada, com características administrativa e residencial. A Cidade Baixa, com atividades comerciais, fica localizada perto do porto e já perdeu muito de suas características originais. BRASÍLIA - DF Os traços simples do projeto de Lucio Costa, como ele próprio definiu - "um gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz" - valorizam ainda mais a arquitetura de Oscar Niemeyer. As grandes avenidas, perspectivas e parques permitem ver os edifícios de vários ângulos e sem obstáculos. A beleza, criatividade e inovação da Capital foram reconhecidas pelo mundo. Em 7 de dezembro de 1987, a Unesco inscreveu Brasília na lista de bens do Patrimônio Cultural da Humanidade. Em 1990, a cidade foi tombada pelo governo federal. Atualmente, Brasília é detentora da maior área tombada do mundo - 112,25 km2. Inaugurada em 21 de abril de 1960, a Cidade que se tornou ícone da arquitetura mundial foi erguida em menos de quatro anos, num arrojado e audacioso plano de mudança da capital do Rio de Janeiro para o interior do Brasil liderado pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek. O arquiteto e urbanista Eduardo Rossetti, técnico do Iphan-DF, explica que a preservação de Brasília, por se tratar de uma cidade moderna, não pode ser considerada apenas pelos instrumentos tradicionais relativos às cidades históricas, e depende de uma visão de planejamento regional, para cumprir o que Lúcio Costa já evidenciara no Relatório do Plano Piloto: "a concepção urbanística da cidade propriamente dita (...) não será, no caso, uma decorrência do planejamento regional, mas a causa dele, a sua fundação é que dará ensejo ao ulterior desenvolvimento planejado da região". Centro Histórico de São Luís - MA A cidade teve início como um pequeno povoado lusoespanhol em 1531, passando para o domínio francês em 1612. A retomada portuguesa veio três anos depois e preservou completamente o plano original da cidade. Devido a um longo período de estagnação econômica no início do século XX, um número excepcional de edificações históricas foi mantido, fazendo do local um exemplo de cidade colonial ibérica. O CENTRO HISTÓRIO DE SÃO LUÍS reúne cerca de mil imóveis tombados pela União e mantém intacto o traçado urbano do século XVIII. Em 4 de novembro de 1997, foi incluído na lista do Patrimônio Mundial. O superintendente substituto do Iphan-MA, Claudio Nogueira, explica que a cidade distingue-se das demais, do ponto de vista arquitetônico, por ser um dos maiores conjuntos de arquitetura civil de origem colonial preservados no país. "A quantidade de edifícios referenciais - igrejas, palácios, conventos - é pequena se comparada a outros sítios históricos, no entanto, o conjunto de sobrados destinados a habitações, atividades comerciais e serviços impressiona pela integridade - há um grande número de quadras que mantém preservadas as edificações originais e poucos edifícios destoam do conjunto". Do ponto de vista histórico, a expansão e a construção dos sobrados tiveram como conseqüência o enriquecimento registrado no Maranhão entre a segunda metade do século XVIII e meados da primeira metade do século XIX, em virtude da exportação de açúcar e algodão. Nogueira explica que nesse período ocorria a reconstrução de Lisboa, após um terremoto que destruiu parte da cidade em 1750, o que influenciou a arquitetura da expansão de São Luís. Como exemplo, o azulejo português que reveste muitos casarões e levou a cidade a ser conhecida como a cidade dos palácios de porcelana. Ele lembra que a cidade de São Luís e o Estado do Maranhão também são ricos no campo do patrimônio imaterial, notadamente quando se trata de manifestações populares, como o Tambor de Crioula, registrado como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, e do Bumba-meu-boi. A cidade, inclusive, já esteve na iminência de perder o título de Patrimônio Mundial, em 2008, quando imóveis tombados estavam sendo utilizados como estacionamentos. Na época foi realizada uma operação de fiscalização conjunta pelo Iphan, o Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHAP), a Fundação Municipal de Patrimônio Histórico (FUMPH), os ministérios públicos federal e estadual e a polícias estadual e federal. Foram autuados 35 imóveis que possuíam uso irregular. DIAMANTINA - MG Animados com a descoberta do ouro, bandeirantes aventuravam-se pelo interior do Brasil. No início do século XVIII, seguindo o curso do rio Jequitinhonha, encontraram às margens do córrego Tijuco grande quantidade de minério, fundaram um arraial, que depois recebeu o nome de Diamantina. Porém, não foi a mineração de ouro e sim a descoberta de diamantes que marcou a história da cidade. Diamantina foi uma das primeiras cidades tombadas como monumento histórico pelo Iphan, em 1938. Em 1999, pelo seu valor singular e autêntico, foi inscrita na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco. Junno Marins, chefe do escritório do Iphan em Diamantina, ressalta que os principais desafios para preservar a cidade são a comunicação com a comunidade por meio de educação patrimonial, a fiscalização e a execução de obras exemplares nos bens tombados. Marins disse que a comunidade tem consciência da importância da cidade e ajuda o Iphan a preservar o patrimônio ao buscar aprovação do órgão nas intervenções em seus imóveis. CIDADE DE GOIÁS - GO A origem da Cidade de Goiás está ligada à exploração do território brasileiro pelos bandeirantes paulistas, que, no século XVIII, desbravavam o interior em busca de riquezas. No trajeto, erguiam vilarejos provisórios para a mineração de ouro. Goiás nasceu de um desses acampamentos. Em 1727, o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva organizou o pequeno Arraial de Sant?Anna na margem do Rio Vermelho. Por volta de 1750, já com o nome de Vila Boa de Goiás, tornou-se a capital da recém-criada Capitania de Goiás. Quase dois séculos depois, em 1937, o poder político estadual foi transferido de lá para a nova capital do estado, Goiânia. O centro histórico da Cidade de Goiás conserva o calçamento em pedras irregulares e a trama urbana original. Seu conjunto arquitetônico tem extraordinária unidade, combinando os estilos colonial e eclético de maneira harmoniosa. Por ter sido considerado relevante para o período histórico que representa e por ser um exemplo da ocupação humana na região, o local recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade em 16 de dezembro de 2001. O Centro Histórico de Goiás já havia sido tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional em 1978. A superintendente substituta do Iphan-GO, Beatriz de Santana, conta que a Cidade de Goiás mantém a integridade dos elementos construtivos originais (taipa de pilão, adobe e pau-a-pique) de sua arquitetura vernacular, que reflete em um conjunto urbano harmonioso. A cidade também possui um rico patrimônio imaterial que é celebrado em quase todos os meses do ano, nas folias, carnaval de marchinhas, festival gastronômico, danças (tapuio e congo), Festa do Divino e, especialmente, na Semana Santa, com todos os ritos tradicionais do século XVIII.
|