2010 . Ano 7 . Edição 63 - 19/11/2010
A conquista do espaço
Colocar satélites em órbita, para uso em comunicações, meteorologia e observação da Terra, ainda é privilégio de poucos. Programa aeroespacial brasileiro busca aumentar soberania nacional enviando mais satélites ao espaço
Durante o período da Guerra Fria, as atividades espaciais foram impulsionadas por um forte componente político: a demonstração de força e prestígio representada pelos gigantescos programas aeroespaciais dos Estados Unidos e da União Soviética, que concentravam simbolicamente os esforços destes países em demonstrar suas respectivas superioridades científicas.
A maciça injeção de recursos e os enormes desafios impostos por tais programas foram responsáveis por um processo muito profícuo de geração de produtos de alta tecnologia e pela implantação, naquelas superpotências e no resto da Europa, de um formidável complexo industrial. As aplicações espaciais e as aplicações secundárias da tecnologia espacial (os chamados spin-offs - ver Box) surgiram nesse período, de oferta tecnológica abundante.
Com o final da Guerra Fria e em decorrência das mudanças observadas no cenário econômico mundial, os programas espaciais em todo o mundo passaram a viver uma nova realidade, caracterizada por orçamentos governamentais mais escassos, notadamente nos países da antiga União Soviética, e pela necessidade de, cada vez mais, justificarem economicamente seus projetos. Menos recursos e o clima de distensão resultante, entretanto, facilitaram as associações entre países em projetos de cooperação, e também mais acesso civil às tecnologias desenvolvidas para os programas militares (como as imagens de sensoriamento remoto com alta resolução). Neste novo cenário, o caráter estratégico da tecnologia espacial evidencia-se particularmente a partir da constatação de sua grande aplicabilidade em novos temas de interesse da opinião pública mundial, como nas áreas de telecomunicações, meio ambiente e observação da Terra.
Hoje, a economia do setor espacial movimenta, em média, US$ 250 bilhões por ano. A fabricação de satélites e foguetes, os lançamentos, os serviços bancários de financiamento e de corretagem de seguros, os equipamentos de solo para o controle e recepção de dados e imagens, a comercialização desses dados e os serviços de comunicação, mapeamento, localização e de previsão de tempo formam os elos de uma cadeia produtiva dominada por vários países.
O programa espacial brasileiro teve início em 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, embora Santos Dumont já conquistasse o mundo com dirigíveis e aviões no início do século. A Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), iniciada apenas em 1979, representou o primeiro grande programa nacional no âmbito do espaço e a adoção do modelo, consagrado mundialmente, de desenvolvimento com metas de longo prazo.
A MECB lançou os dois primeiros satélites desenvolvidos no Brasil, em 1993, o SCD-1 e o SCD-2; e implantou o Laboratório de Integração e Testes e o Centro de Rastreio e Controle de Satélites, ambos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Além disso, a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara e a consecução das principais etapas de desenvolvimento do primeiro Veículo Lançador de Satélites, o VLS-1, ambos realizados pelo Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento, do Ministério da Aeronáutica, são outros marcos do programa espacial brasileiro. Em 2006, a partir de um acordo entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Agência Espacial da Federação Russa (Roscosmos), o primeiro brasileiro foi enviado ao espaço, o tenente coronel aviador Marcos Pontes.
O nome do feito - Missão Centenário - é uma referência à comemoração do centenário do primeiro voo tripulado de uma aeronave, o 14 Bis de Santos Dumont, que ocorreu no dia 23 de outubro de 1906, em Paris. O veículo utilizado para o lançamento da missão foi a nave Soyuz TMA-8, da Roscosmos, que saiu do Centro de Lançamento de Baikonur, Cazaquistão, no dia 30 de março de 2006, e teve como destino a Estação Espacial Internacional (ISS).
"A capacidade de lançar satélites artificiais ao espaço é um dos fatores de fortalecimento da soberania nacional", afirma Carlos Ganem, presidente da AEB, em artigo de 2009. Atualmente o projeto espacial brasileiro leva o nome de Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae), sob coordenação da AEB, vinculada ao MCT.
O desenvolvimento autóctone das tecnologias necessárias é prioridade do programa. De acordo com Ganem, no passado se dizia que dominar os mares era dominar o mundo. Hoje, até por força de tratados internacionais, como o Tratado da Lua e dos Corpos Celestes, não se pode dominar o espaço, pois ele pertence a toda a humanidade. Mas a plena capacidade de acesso e, consequentemente, de participar dos benefícios de se colocar em órbita satélites que servirão para comunicações, meteorologia, observação da Terra e posicionamento, por exemplo, ainda é privilégio de poucos. Dessa capacidade e de recursos estáveis e permanentes depende o nosso poder de decidir quando e o que colocar no espaço. "E isso é soberania", afirma Ganem.
Spin Offs Tupiniquins
A tecnologia desenvolvida no setor espacial gera subprodutos que podem ser usados, de forma secundária, em outras aplicações. Existe uma expressão que dá nome a essa situação: spin off. Durante a 62ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorreu em Natal este ano, a Agência Espacial Brasileira (AEB) apresentou alguns spin offs já utilizados em outros setores pelos brasileiros:
Mini tubo de calor Este dispositivo é uma réplica do que foi testado na Missão Centenário, em 2006. A principal função de um tubo deste é transportar o calor concentrado em uma região mais quente para uma região mais fria, de forma a manter o controle de temperatura sobre toda a superfície. A aplicação desta tecnologia, no cotidiano, é a utilização de tubos de calor na construção de fornos mais eficientes para padarias. Além disso, ela permite a construção de fornos energeticamente mais econômicos e com temperatura mais homogênea, diminuindo desta forma a perda de matéria prima na indústria petrolífera. Desenvolvimento: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
BROCAS ODONTO LÓGICAS Resultado direto do desenvolvimento e pesquisa para novos materiais aplicados para abertura dos painéis solares dos satélites, essas brocas odontológicas de ultra-som são, hoje, peças presentes nos consultórios odontológicos de todo o país. Fabricante: Empresa CVDentus.
RADIÔMETRO Os radiômetros medem a radiação solar global e foram construídos para serem utilizados em Plataformas de Coleta de Dados (PCDs). O principal elemento do radiômetro é a célula solar, cuja tecnologia foi desenvolvida no âmbito do Programa Espacial. Hoje esta tecnologia é aplicada na medição da radiação ultravioleta (UV), em equipamentos urbanos que indicam o nível de radiação no local. Servem de alerta à população para possíveis danos causados pela exposição excessiva aos raios solares.
Desenvolvimento: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Laboratório de Microeletrônica da Universidade de São Paulo(LME-USP).
FORNO MULTIUSUÁRIO PARA SOLIDIFICAÇÃO Trata-se de um forno de solidificação multiusuários para crescimento de ligas, metais e semicondutores com pontos de fusão de até 800ºC, testado em voo suborbital, no foguete VSB-30 fabricado pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).
O forno voou nas missões Cumã 1 e 2 e levou em seu interior um experimento piloto para solidificação em microgravidade de uma liga semicondutora com importantes aplicações tecnológicas, como detectores para a faixa do infravermelho termal (como as ondas emitidas pelo corpo humano), usados em câmeras de satélites meteorológicos. Desenvolvimento: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
CATALISADORES Catalisadores são materiais responsáveis pela decomposição do combustível. A maior parte dos satélites em órbita utiliza o sistema de propulsão com combustível líquido para operações de correção de órbita e posicionamento.
Os catalisadores de Irídio, Rutênio e Ir-Ru suportados em aluminas especiais, foram desenvolvidos no Brasil, em pesquisa que permitiu a criação de novas tecnologias empregadas em capturas de CO² e de catalisadores para redução de outros elementos poluentes causadores do efeito estufa e de mudanças climáticas. Desenvolvimento: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Petrobras.
PINOS, BUCHAS E SISTEMA DE ABERTURA DE PAINÉIS SOLARES DOS SATÉLITES No ambiente espacial, os satélites não podem operar com o uso de lubrificantes e graxas convencionais devido à sua evaporação nas condições de alto vácuo. Pesquisadores brasileiros estudaram as propriedades do diamante, em especial, o Diamond-Like Carbon (DLC), que apresenta baixíssimo coeficiente de atrito, e a solução encontrada foi utilizá-lo como lubrificante sólido para abertura de painéis solares dos satélites. Desenvolvimento: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Empresa Fibraforte.
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