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Cooperação internacional - Ajuda ao próximo e ao distante

2011 . Ano 8 . Edição 65 - 05/05/2011

Foto: Marion Doss/William S. Parker

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Militar das forças armadas brasileiras ajuda a carregar um avião CH-53 Super Stallion na capital do Haiti, Porto Príncipe, em setembro de 2009

Projetos nas áreas demandadas, sem contrapartidas e dirigidos a desenvolver capacidades locais são a marca da crescente ajuda brasileira ao desenvolvimento internacional

 

Por Simone Biehler Mateos - de São Paulo

O que poderiam ter em comum iniciativas tão diversas como: a primeira fábrica de medicamentos contra Aids da África - a ser inaugurada esse ano em Moçambique -; fazendas experimentais de arroz no Senegal e de algodão em Mali; projetos agropecuários, de combate ao trabalho infantil e de capacitação de docentes para o ensino de português no Timor Leste, e a implantação de bancos de leite humano de 22 países da África e América Latina? Pois todos esses projetos são frutos recentes da cooperação do Brasil para o desenvolvimento de outros países.

De fato, os últimos anos de crescimento sustentado com estabilidade e melhoria da distribuição de renda ampliaram muito o protagonismo do Brasil no cenário da cooperação internacional. As ações do país na área se multiplicaram impulsionadas pela crescente demanda pelo compartilhamento de conhecimentos e experiências nacionais bem sucedidas na área de políticas e tecnologias sociais, agrícolas e de saúde - para citar apenas as de maior destaque. Essas experiências vêm atraindo o interesse tanto de países em desenvolvimento, que enfrentam problemas similares, como de países ricos e organismos internacionais, que buscam aumentar a eficácia de seus projetos de ajuda ao desenvolvimento por meio da cooperação triangular com o Brasil. Embrapa (Empresa Brasileiro de Pesquisa Agropecuária) e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) já têm escritórios na África.

Com isso, o volume de recursos que o Brasil destina à cooperação internacional Sul-Sul quase dobrou em cinco anos, passando de R$ 384 milhões, em 2005, para R$ 724 milhões, em 2009. O investimento total do período chega a R$ 2,9 bilhões de reais. É o que revela o estudo Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional 2005-2009, concluído recentemente pelo Ipea. A pesquisa inédita foi feita a pedido da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), que integra o Ministério das Relações Exteriores, sendo o primeiro levantamento dos recursos federais destinados ao desenvolvimento de outros países. Abarca apenas investimentos 100% a fundo perdido, feitos em governos de outros países, em estrangeiros residentes no Brasil ou em organizações internacionais. Mas contabiliza, pela primeira vez, não só desembolsos em dinheiro, como as horas técnicas dedicadas à transferência de conhecimentos sobre experiências de sucesso, eixo central da cooperação brasileira. Numa segunda etapa, o Ipea planeja fazer o levantamento da cooperação realizada pelo Brasil por meio de governos estaduais e municipais e de Organizações Não Governamentais.



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Foto: Arquivo ABC/MRE

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Aula para formação técnico profissional de professores de capoeira, em São Tomé e Príncipe, no litoral africano

Segundo o estudo, três quartos do total de recursos que o Brasil destinou à cooperação internacional nos cinco anos estudados foram contribuições a organismos ou bancos internacionais, como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Panamericana para a Saúde (Opas), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), entre outros. As bolsas de estudos para estrangeiros ficaram com quase 10%, a cooperação técnica com pouco menos de 9% e a assistência humanitária, com 5,5% (ver gráfico página 52).

O levantamento global do Ipea, entretanto, não computa os recursos aplicados pelo Brasil em Operações de Paz, por serem verbas posteriormente reembolsadas pela ONU, mas menciona o aumento da participação nacional também nessa área. Metade das 26 Missões de Paz das quais o país participou desde 1957 concentram-se nos cinco anos analisados pelo estudo. O Brasil investiu nessas operações, realizadas em 13 países, R$ 613,6 milhões. A importância dada pelo país a este tipo de ações evidencia-se pela criação, já em 2005, de um Centro de Instrução para Operações de Paz, no Rio de Janeiro.

O aumento da cooperação brasileira tem especial importância numa conjuntura de crise mundial que piorou o acesso da maioria dos países pobres aos mercados, ao mesmo tempo em que retraiu as ajudas internacionais ao seu desenvolvimento, como mostram os Relatórios dos Objetivos do Milênio de 2007 e de 2008. O total dessas ajudas é inferior ao total dos subsídios agrícolas internos praticados pelos países ricos.

O impacto do Brasil na cooperação internacional, porém, não pode ser medido pelo volume de recursos investidos, muito aquém do montante aportado por outros países emergentes como Turquia, Coreia do Sul, China e Índia. "Quanto vale ensinar uma comunidade a resolver um problema? Ajudá-los a conhecer e adaptar nossas soluções?", pergunta João Brígido, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, e um dos autores do estudo.

Foto: Divulgação

“Nossa cooperação se pauta por
levar as tecnologias e políticas
públicas que estão tendo bons
resultados no Brasil para os
países em desenvolvimento que
o solicitam, sempre elaborando
e empreendendo os projetos
junto com eles para que sejam
adequados às suas necessidades
e para que possam continuá-los
depois de forma autônoma”

Ministro Marco Farani,
diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC)

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O Brasil está mudando a cooperação internacional com sua nova forma de praticá-la. Enquanto as nações ricas tendem a oferecer programas que são pacotes prontos, fechados, dirigidos principalmente para países nos quais têm interesses geopolíticos, o Brasil pauta sua cooperação pelas demandas recebidas e pela construção de projetos com intensa participação dos países beneficiados - e sempre que possível de suas sociedades civis - tanto na definição das prioridades, metas e estratégias, como na implementação das ações e avaliação dos resultados.

É uma cooperação de mão dupla, na qual o Brasil também aprende muito e fortalece seu poder de influência em fóruns internacionais, porque estreita suas relações com outros países, amadurecendo o debate sobre temas de interesse comum. As operações de paz no Haiti, por exemplo, auxiliaram na elaboração das estratégias de retomada e pacificação dos morros cariocas. Também o protagonismo que o Brasil logrou em debates internacionais vem em parte de sua atuação salientando a necessidade de ampliação do acesso dos países pobres às drogas contra Aids.

Por outro lado, enquanto as ajudas ao desenvolvimento oferecidas por emergentes como a China vêm sempre condicionadas à obtenção de contrapartidas comerciais ou garantia de acesso a recursos naturais, a cooperação brasileira é sempre desvinculada de qualquer pré-condição ou contrapartida. Parte do princípio de que um mundo mais equitativo e mais desenvolvido social e economicamente é mais estável e melhor para todos. Ela se baseia no respeito à soberania das nações e no desenvolvimento de competências locais que permitam aos países manter depois os projetos de forma autônoma.

O diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ministro Marco Farani, explica: "nossa cooperação se pauta por levar as tecnologias e políticas públicas que estão tendo bons resultados no Brasil para os países em desenvolvimento que o solicitam, sempre elaborando e empreendendo os projetos junto com eles para que sejam adequados às suas necessidades e para que possam continuá-los depois de forma autônoma".

Este tipo de cooperação, acrescenta Farani, representa uma ferramenta de política externa "porque projeta internacionalmente o Brasil como um país que contribui para a construção de um mundo mais justo e mais equilibrado, melhora as relações bilaterais, facilitando o diálogo e a busca de consensos em muitas áreas e fóruns internacionais".

COOPERAÇÃO TÉCNICA Foi com esta filosofia definida pela ABC que a Embrapa mergulhou em cheio na cooperação internacional. Em 2006 estabeleceu dois pesquisadores na África para prospectar necessidades, participar de seminários, debates e reuniões, assim como para organizar a ida de outros técnicos, agilizando a resposta às demandas que surgiam. "Desde então, por orientação da ABC, estamos passando de projetos de capacitação e treinamento de curto prazo para projetos estruturais mais ambiciosos que duram três ou quatro anos", explica o coordenador de cooperação da Embrapa, Antonio Carlos do Prado.

Foto: Arquivo ABC/MRE

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Técnicos brasileiros no projeto de manejo e recuperação da cobertura vegetal da bacia do Mapou, no Haiti

A partir de um intenso diálogo com governos e instituições locais de pesquisa, a Embrapa definiu e está implementando com eles dois projetos de âmbito regional. São duas fazendas experimentais para testar a adaptabilidade às condições locais de algumas variedades de algodão (em Mali) e de arroz (no Senegal) desenvolvidas no Brasil às condições locais. Além dos testes, as duas unidades também visam capacitar pesquisadores e transferir tecnologia para a produção local das sementes. Para isso, cada uma das fazendas é coordenada por um experiente pesquisador da Embrapa, mas todos os outros técnicos são africanos. A unidade de Mali recebe pesquisadores de Burkina Faso, Chade e Benim, enquanto a fazenda experimental de arroz do Senegal conta com trabalhadores de Mali, Mauritânia e Guiné Bissau. O foco na capacitação é tão grande que a Embrapa criou em Brasília um centro para treinamento de técnicos e pesquisadores estrangeiros.

"Nossa cooperação não impõe nenhuma contrapartida. Transferimos tecnologias e produtos que não estão protegidos por patentes, mas essa aproximação pode perfeitamente se desdobrar depois em negócios. Afinal, com este vínculo estabelecido é mais fácil ser escolhido para a compra de insumos e equipamentos agrícolas", pondera Prado.

Moçambique é o país com o qual a Embrapa tem mais projetos, com o destaque para a Plafatorma de Inovação Agropecuária, desenvolvida em parceria com os EUA, e para o Projeto Pró-Savana, em conjunto com o Japão. Inaugurada no final de 2010, a plataforma é a primeira iniciativa voltada a estimular a pesquisa conjunta com a África. Trata-se de uma rede virtual que permite prospectar interesses comuns e formatar projetos de pesquisa. Em poucos meses, a rede já aprovou oito projetos de US$ 100 mil cada, a serem financiados pelo Banco Mundial. O orçamento inicial da plataforma é de US$ 1 milhão, e a tendência é crescer.

Programas sociais e estratégias participativas desenvolvidos no Brasil também vêm sendo foco de crescente interesse externo e objeto de cooperação. O Sistema Único de Saúde (SUS), que universalizou o atendimento à população investindo em prevenção, saúde da família e atenção básica, é um bom exemplo. Ao menos Peru, El Salvador, Equador e Haiti já começam, com a cooperação brasileira, a reestruturar seus sistemas de saúde em bases similares. Outros países vêm manifestando interesse em conhecer o funcionamento do Bolsa Família e alguns já começam a elaborar, com a ajuda do Brasil, programas próprios inspirados nele.

BANCOS DE LEITE HUMANO Os bancos de leite humano (BLH) são outro grande exemplo da cooperação técnica brasileira. A combinação de baixo custo e eficácia dos métodos de coleta e controle de qualidade desenvolvidos pela Fiocruz possibilitaram ao Brasil estruturar a maior e mais complexa rede de BLH do mundo. Com 78 postos de coleta, 198 bancos e mais de 114 mil doadoras que alimentam anualmente 100 mil recém nascidos que não podem ser amamentados pelas mães, a rede brasileira tem hoje o dobro das dimensões que tinha em 2001, quando foi premiada pela Assembléia Internacional de Saúde como a iniciativa que mais contribuiu para a redução da mortalidade infantil no mundo.

Foto: Carol Garcia/Agecom

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Tecnologia de Banco de Leite Humano é um dos principais exemplos de cooperação técnica brasileira

O reconhecimento estimulou a demanda e, nos últimos cinco anos, a experiência brasileira serviu de modelo para a implantação de bancos de leite humano em 24 países da América Latina, África e até Europa. Tudo isso graças à cooperação brasileira para transferência de tecnologia barata e eficaz, que inclui desde a esterilização de embalagens de alimentos reaproveitadas até estratégias para envolver a comunidade e aproveitar serviços públicos, como os bombeiros, para a coleta.

Mais de 85 mil recém nascidos são beneficiados no exterior por esses BLH que, segundo os estudos, têm potencial de reduzir a mortalidade infantil em cerca de 13%. Diferentemente de outras redes de leite humano, como a dos Estados Unidos, a rede brasileira não mescla todo o leite, mas analisa e classifica cada amostra segundo suas características nutricionais para fornecer a cada recém nascido o leite com perfil mais adequado às suas necessidades.

Todos esses são exemplos da cooperação brasileira Sul-Sul na área técnica que envolve, sob a coordenação da ABC, cerca de 120 instituições brasileiras e parcerias com quase 70 países. Dentre eles, os que recebem uma parcela maior dos recursos, segundo o estudo do Ipea, são os países de língua portuguesa (27%) e os da América Latina e Caribe (40%), com destaque para o Mercosul (15%). A África absorve cerca de metade dos recursos brasileiros destinados à cooperação técnica, América Latina e Caribe, 40%; e Ásia e Oriente Médio, 11%. Os países que recebem maiores investimentos são Moçambique, Timor Leste, Guiné Bissau, Haiti, Cabo Verde e Paraguai.

Só na área da saúde, o Brasil desenvolve mais de 160 projetos de cooperação Sul-Sul, tendo realizado mais de 100 missões técnicas ao exterior entre 2005 e 2009. Os maiores programas são os relacionados à prevenção da Aids, os de imunizações e os bancos de leite humano, mas há projetos focados também em malária, anemia falsiforme, fármacos, saúde indígena, mental, gestão participativa e até cirurgia cardíaca. Dois terços são na América do Sul e um terço na África, onde as ações se concentram principalmente nos países de língua portuguesa.

Sob a liderança da Fiocruz, a maior parte dos projetos procura formar recursos humanos e construir capacidades em pesquisa, ensino e serviços e na criação ou fortalecimento de instituições como escolas de saúde pública, universidades ou ministérios. O objetivo é romper com a tradicional transferência passiva de conhecimentos e tecnologias e explorar recursos locais por meio do diálogo. A Fiocruz vem dando especial apoio à estruturação de institutos nacionais de saúde pública nos países africanos de língua portuguesa.

"A concepção brasileira de olhar para a saúde integral, cuidando de seus determinantes sociais desperta muito interesse nos outros países, assim como as políticas e tecnologias sociais. Eles querem saber como se faz para envolver a população nas ações de saúde, como fazemos na gestão do SUS, nos bancos de leite ou no combate à Aids", explica Eduardo Botelho, chefe da assessoria internacional do Ministério da Saúde.

Organismos públicos federais, universidades e empresas púbicas como Embrapa, Fiocruz, Sistema S (Sebrae, Senai, Senac, Senar), IBGE, Serpro e, inclusive o Ipea, colocam à disposição dos países seus conhecimentos técnicos e recursos humanos, oferecendo capacitações, treinamentos e transferência de tecnologia, além da elaboração conjunta de políticas públicas e estratégias de atuação. No caso da saúde, as ações são encomendadas pela Fiocruz que, em 2008, inaugurou um escritório na África, em Maputo, Moçambique.

COOPERAÇÃO TRIANGULAR Desde 2007, um número crescente de projetos vem sendo empreendidos por cooperação triangular, com a participação de países desenvolvidos; e, em 2008, a ABC definiu - sempre atendendo a demandas - alguns programas de cooperação com organismos internacionais.

Foto: Arquivo ABC/MRE

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Técnicos de São Tomé e Príncipe recebem capacitação no Amazonas para o combate à malária

Assim, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil tem em execução ou negociação 16 projetos trilaterais de combate ao trabalho infantil e trabalho, melhoria da seguridade social e promoção de empregos verdes. Com o Japão há um projeto de desenvolvimento agrícola da savana tropical em Moçambique; com os EUA um projeto de apoio à inovação tecnológica nesse país; e com a Alemanha há projetos para a disseminação de políticas ambientais para a Amazônia peruana. Mais recentemente, a ABC passou a trabalhar também com instituições estaduais e organizações não governamentais de reconhecida capacidade técnica.

Nos últimos anos, a cooperação internacional brasileira passou a priorizar projetos estruturantes, ou seja, projetos maiores, mais abrangentes, de longo prazo e com maior efeito multiplicador.

É o caso das duas fazendas experimentais da Embrapa na África, dos centros de formação profissional do Senai e Senac em vários países, assim como o programa de estruturação da atenção primária à saúde no Haiti. Projetos estruturantes facilitam a mobilização de diversas instituições brasileiras que podem cooperar de forma complementar, assim como a atração de parceiros para cooperação triangular.

Exemplo muito bem sucedido desses projetos é o Centro de Formação e Capacitação Profissional de Hernandárias, no Paraguai. Executado em parceria com o Senai, desde que foi inaugurado, em 2002, já formou mais de 10 mil profissionais em 660 cursos nas áreas de eletroeletrônica, metal-mecânica, construção civil, informática e outras especialidades.

Na área de saúde, outro bom exemplo de projeto estruturante é a fábrica de medicamentos genéricos contra Aids, que o Brasil está construindo em Moçambique. Além de fornecer os equipamentos e capacitar técnicos locais para operá-los, o país presta assessoria para que os moçambicanos aprendam a obter as certificações necessárias para que possam exportar os medicamentos para os países vizinhos. Dessa forma, uma cooperação que teve início há vários anos com a doação de remédios e capacitação de médicos para acompanhar os pacientes foi se desdobrando em projetos mais ambiciosos dirigidos a aumentar a autonomia e ampliar o acesso dos países africanos às drogas para o tratamento.

Mesmo temas financeiros e de gestão pública começam a ser objeto da cooperação Sul-Sul. Países como a Jamaica já manifestaram interesse em conhecer a estratégia financeira que o governo brasileiro arquitetou para renegociar a dívida de estados e municípios, aproveitando a grande oferta de capitais externos. Outros querem saber como um país das dimensões do Brasil controla os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), ou ainda como a Caixa Econômica Federal faz a gestão de projetos sociais que muitas vezes são de saneamento de bairros. O Ipea está desenvolvendo um trabalho em parceria com a ABC estudando como esses países poderiam se beneficiar desse tipo de soluções desenvolvidas no Brasil.

Aliás, o próprio estudo do Ipea que é tema dessa reportagem será, em breve, objeto de cooperação internacional. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) faz esse tipo de levantamentos há décadas, mas nunca usou tecnologia da informação para isso. Para o estudo, o Ipea usou um formulário eletrônico (transformado em software público) que já está sendo traduzido, porque há vários países interessados tanto em acessar a base de dados como em usar o software.

RADIOGRAFIA DA COOPERAÇÃO O estudo Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional 2005-2009, destaca que a assistência humanitária a países em situação de emergência ou calamidade foi a modalidade de cooperação que mais cresceu (73 vezes), passando a ocorrer basicamente na forma de ajuda direta (97%) e não mais intermediada por organizações internacionais. Nessa assistência predominam ações na área de alimentação, saúde, fretes e direitos humanos, com destaque para a doação de suprimentos. Três quartos dessa assistência humanitária se concentra na América Latina e Caribe, mas inclui também ações em outras regiões, sobretudo em questões de grande apelo, como o envio de ajuda a refugiados palestinos.

A segunda modalidade de cooperação que mais cresceu foi a técnica, quase quadruplicando o volume de recursos dedicados a ela. Com isso, em 2009, absorveu 13,5% do que o Brasil investiu no desenvolvimento de outros países, quase o dobro do percentual de cinco anos antes. Ela se concentra basicamente na área de agricultura, saúde, administração e segurança pública e está especialmente dirigida à capacitação de recursos humanos.

Mesmo apresentando crescimento relativo mais modesto (de 50%) que os itens anteriores, as verbas que o Brasil destina a organizações internacionais representaram três quartos do total investido em cooperação entre 2005 e 2009 e 68% do aplicado em 2009. Quase um terço desses aportes a organismos internacionais foi para o Fundo de Convergência Estrutural e de Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem), destinado a reduzir as disparidades regionais. O que mais cresceu, entretanto, foram as contribuições brasileiras para organismos internacionais como a ONU, Opas e OMS - quase triplicaram. O restante foi destinado a outros fundos de bancos regionais que financiam projetos de redução da pobreza em países de baixa renda, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial (Bird) e Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).


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O HAITI É AQUI As ações de cooperação que o Brasil implementa no Haiti talvez sejam um dos melhores exemplos sobre o que significa cooperar para o desenvolvimento e sobre como estabilidade política é indissociável do combate à pobreza.

Foto: Arquivo ABC/MRE

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Envio de medicamentos ao Haiti. Operação envolve também educação, agricultura e segurança

Desde 2004, quando passou a liderar a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o Brasil rompeu com a visão simplista de soluções puramente militares para instabilidades que se originam em problemas sociais, políticos e econômicos e defendeu que as tarefas da Minustah deviam incluir: a promoção do diálogo de reconciliação nacional; assistência humanitária; e o fortalecimento institucional do Estado, sobretudo nas áreas de direito e promoção do desenvolvimento econômico e social. De fato, o Brasil defendeu essa posição desde que a necessidade de uma missão de paz no Haiti começou a ser debatida na ONU.

O resultado foi uma missão de paz abrangente, multifacetada e integrada, na qual as forças de paz realizaram até obras de infraestrutura - como a pavimentação de vias públicas da capital por demanda das autoridades - engajando-se no enfrentamento das verdadeiras causas do conflito: a fome, a pobreza, a fragilidade das instituições democráticas.

Para além do comando da Minustah, o Brasil também se engajou num amplo programa de cooperação que só se expandiu desde então. Na área agrícola e de segurança alimentar, estabeleceu uma unidade de validação de tecnologias agrícolas em parceria com o governo do Haiti; tem projetos para o aprimoramento da produção de arroz, feijão, milho, mandioca e hortaliças e projetos para o fortalecimento da agricultura familiar. Na área de meio ambiente, executa manejo e reconstituição da cobertura florestal, devastada por chuvas e furacões.

Na saúde, implementou o programa de imunização e está ajudando a estruturar a atenção básica, com a formação de profissionais e agentes de saúde da família, da gestante e da criança. Para garantir o abastecimento de água potável, coopera para a construção de 70 cisternas comunitárias para captação e armazenamento de água da chuva.

O resultado dessas ações, além da excelente convivência das forças de paz com a população local, foi que os índices de violência caíram a níveis menores que os dos países vizinhos e a economia haitiana voltou a crescer, resistindo à crise financeira internacional e aos furacões de 2008.

Boa para o Haiti, essa cooperação trouxe dividendos também para o Brasil: "o país aprendeu muito com a experiência. Não se pode conceber a atuação das Forças Armadas nos morros cariocas sem a experiência prévia do Haiti", diz Marcos Cintra, um dos pesquisadores do Ipea responsável pelo estudo.

No final de 2009, a ONU discutia uma estratégia de saída das forças militares da Minustah e sua substituição por forças civis, quando o país foi devastado por um terremoto que deixou 220 mil mortos, 300 mil feridos, 1,3 milhão de desabrigados e perdas materiais equivalentes a 120% do PIB (Produto Interno Bruto) haitiano. A despeito das dimensões da tragédia, o terremoto não chegou a comprometer os progressos logrados pela Minustah em termos de segurança e consolidação institucional. A ordem pública, ainda que frágil, se manteve.

Como ajuda humanitária emergencial, o Brasil enviou ao Haiti mais de 800 toneladas de alimentos e medicamentos, aumentou seu efetivo no país em 900 militares, além de médicos voluntários, US$ 200 milhões em assistência de emergência, 500 bolsas de conclusão de graduação e pós para estudantes haitianos e ainda imprimiu cédulas de moeda haitiana.

A Minustah ajudou na reconstrução física e na assistência humanitária, empregando nessas ações materiais e mão-de-obra produzidos no mercado local, a fim de estimular a geração de empregos e o mercado interno. Com o mesmo intuito, o Brasil passou a defender em fóruns internacionais que fossem eliminadas todas as tarifas para a importação de manufaturados fabricados ou montados no Haiti.

O terremoto ampliou os esforços do Brasil no Haiti. Em menos de um mês, o Congresso converteu em lei a medida provisória que destinava R$ 135 milhões para a recuperação do sistema sanitário do país, com a doação de quatro unidades básicas de assistência sanitária (UBAS), ações de fortalecimento da vigilância sanitária e capacitação de técnicos em saúde.

Além disso, o Senai está construindo um Centro de Formação Profissional no Haiti e a Polícia Federal colabora para a capacitação da política nacional. Já foram assinados também projetos para a construção do Instituto Haitiano de Reabilitação de Pessoas com Deficiência e o treinamento de pessoal para a implantação de um programa de reabilitação.

Entre os inúmeros projetos em negociação há um segundo centro de formação profissional (do Senac); a construção de um parque tecnológico com pequenas usinas de reciclagem de escombros para posterior capacitação de pessoal em técnicas de construção civil e eficiência energética que usem os materiais reciclados; e um projeto voltado a fortalecer a capacidade política e institucional do país para promoção dos direitos das pessoas com deficiência.

BRASIL LÍDER NO COMATE À AIDS Não, o Brasil não desenvolveu nenhum dos mais avançados medicamentos contra a Aids, mas lidera a cooperação internacional para que os países em desenvolvimento - os mais afetados pela epidemia - consigam implementar, com auto-suficiência crescente, programas de tratamento e prevenção, e para que tenham acesso aos medicamentos.

Em 1996, porém, quando lançou o programa baseado na universalização do fornecimento da terapia na rede pública, a comunidade internacional encarou com ceticismo: não viam o Brasil em condições de gerenciar um programa que implicava implementar sofisticadas terapias em dezenas de milhares de pacientes.

Foto: Arquivo ABC/MRE

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Embaixador do Brasil em Moçambique, Antônio José Maria de Souza e Silva, assina acordo de cooperação de projetos na área de saúde com o Ministro moçambicano Paulo Ivo Garridova

O reconhecimento veio um ano depois, com os primeiros resultados: queda substancial das doenças oportunistas, das internações e da mortalidade por Aids, adesão similar à dos países desenvolvidos, sem aparecimento de altos níveis de resistência viral. E o mais surpreendente: boa relação custo-benefício - o investimento representou economia expressiva de recursos gastos com o tratamento das consequências da doença.

Com isso, o programa nacional de combate à epidemia tornou-se uma referência internacional e, em 2001, foi premiado pela ONU. Hoje, 23 países da América Latina, Ásia e, sobretudo, África mantêm projetos de prevenção e tratamento da Aids estruturados a partir da cooperação brasileira e sete deles utilizam medicamentos fabricados e doados pelo Brasil.

A cooperação internacional do Brasil para o combate à Aids teve início primeiro com os países de língua portuguesa da África, para os quais foi organizado um curso para o planejamento, implementação e avaliação de programas. Em 1999, por demanda das embaixadas locais, o país passou a colaborar também com África do Sul, Namíbia, Quenia e Zimbabwe. Foram feitas duas missões para diagnóstico e discussão com esses países das áreas de interesse mútuo para cooperação.

Todos os técnicos que atuam na área frisam: não se trata de exportar o modelo brasileiro, mas de aproveitar as lições da experiência nacional. Por isso, a cooperação vai do planejamento conjunto das ações de prevenção e combate à capacitação de recursos humanos locais para sua implementação, gerenciamento e avaliação até, em vários casos, a doação dos remédios. Em 2009, mais de 4 mil pessoas desses países eram tratadas com medicamentos doados pelo Brasil.

"Essa forma de trabalhar ouvindo as necessidades, discutindo as propostas e respeitando a agenda do país tem feito toda a diferença e recebido muito reconhecimento", diz Mauro Figueiredo, chefe da divisão de projetos de cooperação do Ministério da Saúde.

Foto: Arquivo ABC/MRE

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Fazenda experimental da Embrapa no projeto Apoio ao Desenvolvimento da Rizicultura do Senegal

Além da cooperação bilateral, o Brasil tem influído de maneira decisiva nos fóruns internacionais para ampliar e melhorar o formato da cooperação multilateral para o combate à Aids, aumentando o protagonismo dos países beneficiários nos programas. O Brasil é o idealizador, por exemplo, do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, criado pela ONU em 2001. Desde então, com recursos obtidos com doações de países desenvolvidos, o fundo já financiou US$ 19,8 bilhões em projetos que são administrados sempre por organizações indicadas pelos países beneficiários. Também fomenta iniciativas voltadas a garantir o acesso aos medicamentos, como a Estratégia Mundial sobre Inovação, Propriedade Intelectual e Saúde Pública na Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em 2005, com o objetivo específico de criar capacidades técnicas locais e sustentáveis para a implantação dos programas nacionais de combate à Aids, o Brasil criou o Centro Internacional de Cooperação Técnica em HIV e Aids, em parceria com o Programa Conjunto sobre HIV/Aids das Nações Unidas (Unaids).

No mesmo ano, o país lança o compromisso de prover os anti-retrovirais que fabrica - os genéricos usados nas primeiras fases do tratamento - a todos os pacientes de países lusófonos em desenvolvimento (Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste), além de Bolívia e Paraguai. Também se envolve em ações de capacitação para a auto-suficiência para o manejo clínico, em ações de prevenção e de fortalecimento da sociedade civil.

"Hoje nos centramos em estruturar programas de DST/Aids mostrando aos outros países como trabalhar com a sociedade civil nesse processo, porque esse foi um elemento essencial para o sucesso do programa brasileiro", explica Figueiredo.

O que o país ganha com isso? Carlos Passarelli, do Programa de Cooperação em Aids do Ministério da Saúde, destaca que o Brasil aprende muito com a troca de experiências, vendo novos enfoques e ângulos de problemas que não tem solucionado internamente: "Além disso, ganhamos novos aliados para debater nos fóruns multilaterais temas como a importância de estratégias específicas para o combate à epidemia nos grupos mais vulneráveis ou sobre as barreiras para o acesso universal ao tratamento, a necessidade de flexibilizar a propriedade intelectual para medicamentos de alto custo, entre outros. De fato, a cooperação internacional é a principal responsável pela América do Sul estar falando em uníssono pela primeira vez na Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre várias questões, entre as quais a defesa do acesso aos medicamentos". O Brasil é ainda um dos principais responsáveis por organizar a Conferência Mundial sobre os Determinantes Sociais da Saúde, a ser realizada no Rio de Janeiro, em outubro de 2011, conclui Passarelli.

 
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