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Trabalho-Doméstico - Economia aquecida gera escassez de trabalhadores domésticos

2011 . Ano 8 . Edição 66 - 27/07/2011

Marcel Gomes – de São Paulo

Foto: Valter Campanato/ABr

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Brasília - Apresentação, no Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas. O evento contou com a participação da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, e do ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho

 

Apesar dos ganhos reais, setor ainda carece de plena conquista de direitos trabalhistas e sofre com discriminações na hora da contratação. Pesquisa do Ipea busca traçar quadro nacional da modalidade

Quem deseja contratar uma empregada doméstica e telefona para uma agência de intermediação de mão-de-obra em São Paulo pode ter de esperar ao menos dois dias para receber uma indicação e agendar a entrevista. Há um ano, esse prazo não passava de quatro horas. Com a economia aquecida, o desequilíbrio entre demanda e oferta de profissionais nesse ramo do mercado de trabalho, que ainda emprega 17 em cada cem mulheres brasileiras, atrapalha a vida de muitas “patroas”, mas tem propiciado a melhoria das condições de vida daquelas que atuam no setor, historicamente marcado pela informalidade e baixos salários.

Esse salto de qualidade ainda não teve amplitude suficiente, porém, para permitir que as empregadas domésticas superassem o enorme degrau que as aparta da maioria das trabalhadoras brasileiras. É o que revela um estudo divulgado em maio pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com o retrato da evolução do setor entre 1999 e 2009 a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao longo de dez anos, a proporção de domésticas com registro em carteira passou de 23,7% para 26,3% do total, ainda distante da média de formalização das ocupadas nos demais setores, de 69,9%. Em termos de renda, apesar de um ganho real próximo a 20% no período, as domésticas ainda receberam em média R$ 386,45 mensais em 2009, abaixo do salário mínimo corrente naquele ano, de R$ 465,00. “Houve ganho de renda nesse período porque, mesmo para quem não tem carteira assinada, o salário mínimo funciona como um indexador, mas a situação do emprego doméstico permanece precária”, explicou a pesquisadora do Ipea Luana Simões Pinheiro, uma das autoras da investigação, durante o lançamento.

A COR DOS DIREITOS Intitulada Situação atual das trabalhadoras domésticas no país, a pesquisa aponta que há grandes diferenças em termos de acesso a direitos dentro do próprio ramo de emprego doméstico. A cor da pele, por exemplo, é um fator decisivo. O índice das trabalhadoras negras com registro em carteira era de apenas 24,6% em 2009, 16% abaixo da taxa de suas colegas brancas, de 29,3%. E a renda apurada pelas domésticas negras, de R$ 364,84, representava apenas 86,5% da remuneração das brancas, de R$ 421,58.

Segundo o estudo, essa situação, resultado da “discriminação racial” somada à “discriminação de gênero” no país, tem seus efeitos negativos agravados pelo fato de o emprego doméstico continuar sendo uma atividade exercida mais por trabalhadoras negras do que por brancas. Em 2009, o setor respondia por 21,8% da ocupação das mulheres negras, ante 12,6% das brancas. Para as pesquisadoras do Ipea, a herança escravista da sociedade brasileira relega às negras baixa escolaridade e maior pobreza, o que torna o trabalho doméstico, “desqualificado, desregulado e de baixos salários”, uma das poucas opções de emprego.

Além da questão étnica, o aspecto regional também é determinante para o nível de acesso aos direitos pelas empregadas domésticas. Nesse caso os dados de formalização e renda são reveladores. Enquanto 33% das trabalhadoras do Sudeste e 32% das do Sul possuíam registro em carteira, esse índice alcançava apenas 12,5% no Norte e 13,8% no Nordeste. Quanto à renda, ela era de R$ 451,06 no Sudeste em média, ante R$ 254,46 no Nordeste, a menor do país. Vale dizer que em nenhuma das regiões brasileiras a remuneração média alcançou o patamar do salário mínimo.

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Tamanho grau de desvalorização do trabalho doméstico tem afastado as mulheres jovens do setor, a ponto de o estudo do Ipea apontar a “inexistência de uma reposição geracional”. Se em 1999 o grupo de mulheres acima de 30 anos respondia por 56,5% do total de trabalhadoras domésticas, em 2009 esse número saltou para 72,7% - nesse mesmo ano, as trabalhadoras com 45 anos ou mais respondiam, sozinhas, por mais de 30% da categoria.

CONTINGENTE MENOR Na avaliação do Ipea, isso significa que a ocupação no setor tem sido sustentada por um estoque de trabalhadoras que tende a se reduzir cada vez mais, seja pelo próprio aspecto demográfico, seja porque conseguem aposentar-se e retirar-se do mercado. Assim, estima-se que, devido ao processo de envelhecimento populacional e ao surgimento de novas possibilidades ocupacionais para as jovens trabalhadoras, o trabalho doméstico, da forma como conhecemos hoje, tende a reduzir-se cada vez mais, como aconteceu em países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos.

Sinal desse fenômeno, entre 2001 e 2008 houve um contínuo recuo da importância do trabalho doméstico entre as mulheres. Nesse período, o índice de trabalhadoras no setor caiu de 18% para 15,8%. Em 2009, porém, último ano analisado pela pesquisa, houve um novo aumento de participação, para 17%, com maior recuperação nas regiões Nordeste e Centro-oeste. “Pode ter sido provocado pela crise econômica”, explicou Luana, do Ipea. A partir do segundo semestre de 2008, a crise financeira internacional atingiu o país com maior intensidade, causando desaceleração do crescimento econômico e da geração de postos de trabalho.

MERCADO AQUECIDO O desinteresse de muitas mulheres pelo setor doméstico, diante da desvalorização da profissão, tem criado um ambiente propício para aquelas que permanecem no ramo ampliarem seus benefícios, ao menos em grandes cidades como São Paulo. A constatação é de Eva Flávia Costa Galvão, coordenadora da agência de intermediação de mão-de-obra Disk Doméstica, localizada no bairro de Vila Mariana, em São Paulo.

A coordenadora da empresa, que tem dez funcionários e fecha cerca de sessenta contratos de emprego por mês, afirma que os clientes demoram cada dia mais tempo para conseguir uma empregada. “Hoje a doméstica se valoriza muito mais. Nenhuma aceita receber apenas um salário mínimo ou cumprir jornadas de trabalho longas. Os clientes oferecem R$ 700, R$ 750, mas elas querem pelo menos R$ 800. E estão ganhando a queda-de-braço”, diz Eva.

Com as “patroas” cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, a administração do lar passou a ser compartilhada com a doméstica, analisa a coordenadora da agência. No tradicional modelo de organização familiar brasileiro, a ex-dona-de-casa trabalha fora, segue no comando da casa, supervisionando “cozinha, filho, marido e até o cachorro”, mas precisa da ajuda de uma trabalhadora. O novo contexto do setor, entretanto, pode tornar o serviço doméstico algo disponível apenas para famílias mais endinheiradas, como ocorre em países mais ricos. “Mas isso ainda vai demorar, porque não temos a economia no mesmo patamar que a deles”, afirma ela.

RENDA MAIOR Outra estratégia utilizada pelas domésticas para aumentar a renda é trabalharem como diaristas, e não mais mensalistas. De acordo com a pesquisa do Ipea, o índice de domésticas que trabalham como diaristas saltou de 17,2% do total para 30%, entre 1999 e 2009. Através desse tipo de trabalho, as mulheres buscam renda maior – R$ 50 a mais, em média, na comparação com as mensalistas, segundo o Ipea – e jornadas de trabalho menores – 31,9 horas semanais, ante 36,7 horas das mensalistas. As diaristas não contam, porém, com registro em carteira, 13º salário e férias, e, se quiserem seguridade social, têm de pagar elas mesmas como autônomas.

Essas restrições parecem não desestimular o interesse por esse tipo de ocupação. É o caso de Deuseni Lindaura da Conceição, 40 anos, que trabalha em três residências diferentes na cidade de São Paulo. Segundo ela, a maioria de suas colegas mensalistas tem planos de se tornar diaristas, pois acredita que a renda aumentará. “É só multiplicar o que se cobra por dia de faxina, entre R$ 75 e R$ 80, pelos dias de trabalho no mês para perceber que o ganho seria maior”, calcula. Em um mês com 22 dias úteis, a renda poderia chegar a R$ 1760.

Hoje, ela presta serviços três dias por semana em um apartamento do bairro da Lapa, zona oeste da capital paulista, o que lhe garante mais benefícios. Lá, cuida da limpeza, lava e passa roupas. Recebe R$ 645 por mês, tem direito a férias e 13º salário. Mas não é registrada “por opção própria” e paga a seguridade social como autônoma. “Prefiro assim porque já pagava antes de começar nesse serviço e não quis mudar”, explica.

Nos dias livres, Deuseni ganha a vida como diarista e faz faxina. Cobra R$ 75. Com isso, sua renda mensal fica próxima aos mil reais. Dá para viver? “Dá para comprar bastante coisa”, responde ela, recém separada do marido e que vive com os três filhos em Osasco, município vizinho a São Paulo. Quando ainda estava casada, chegou a financiar um veículo usado, mas hoje, com a renda familiar menor, voltou a utilizar o ônibus com mais intensidade.

Além do salário, o principal fator considerado por Deuseni para aceitar um trabalho é o relacionamento com o empregador. “Se a patroa for chata, é complicado, porque para trabalhar bem no serviço você precisa se sentir como se estivesse em sua casa. E se você vai só um dia por semana, fica mais fácil”, diz, destacando que, dessa maneira, a doméstica cuidaria da residência onde presta serviço “como sua própria casa”.

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A VINDA PARA O SUL A história de Deuseni é semelhante à de muitas domésticas da cidade de São Paulo. Quando desembarcou na metrópole, no início da década de 1990, essa piauiense de São João do Piauí já tinha uma “proposta de trabalho” – como ela diz. Então com 19 anos de idade, cuidaria dos dois filhos de uma cunhada e, em troca, receberia moradia, alimentação e “algum dinheiro para objetos pessoais”, como roupas e produtos de higiene. Sem outra opção, aceitou o convite, mas permaneceu pouco tempo no serviço.

“Eu não poderia recomeçar minha vida sem receber salário todo mês”, afirma ela, que fugira da miséria em que vivia na zona rural de sua cidade natal, localizada no semi-árido do Estado. Com a ajuda de amigas, conseguiu indicação para trabalhar como doméstica em uma casa de família no bairro da Mooca, zona leste, e, desde então, não mudou mais de ramo. “Eu gosto do meu trabalho. Tem gente que prefere ganhar menos e trabalhar para uma empresa, mas eu acho que não vale à pena”, diz ela, que cursou até o segundo ano do ensino fundamental quando vivia no Piauí e, já em São Paulo, completou até o quarto ano em um curso supletivo.

 

A longa luta pelos direitos


Apesar da luta das domésticas para reduzir a exploração de sua mão-de-obra e valorizar a profissão, elas não podem contar com uma série de dispositivos da legislação, que historicamente as discrimina

A Constituição de 1988 não estende às domésticas o direito as oito horas diárias e 44 horas semanais, já regulamentadas como jornadas de trabalho para outras profissões. Para Eliana Gomes Menezes, presidente do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo (Sindoméstica), fatos como esse facilitam a superexploração e dificultam a negociação de hora-extra com os patrões. “É uma tristeza ainda não termos conseguido mudar isso”, desabafa Eliana.

A discriminação das domésticas é histórica na legislação do País. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída em 1943, ignorou a existência do setor como ocupação profissional. Segundo o estudo do Ipea, apesar de constituir uma realidade para muitas mulheres desde a época colonial, o trabalho doméstico remunerado só foi reconhecido como profissão em 1972, através da Lei 5.859. Na prática, isso significa que até aquele ano eram negados às trabalhadoras domésticas os mais básicos direitos trabalhistas e sociais.

Essa falha vem sendo corrigida com lentidão. A própria Constituição de 1988, apesar de não estender a jornada de trabalho às domésticas, garantiu a elas conquistas como o salário-mínimo, o 13º salário e a licença-maternidade de 120 dias. Em 2001, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego passaram a atender à categoria, desde que o empregador concorde. Em 2006, foram garantidos por lei os direitos a férias de 30 dias (antes eram 20 dias), estabilidade para gestantes e folga nos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho.

 

Foto: Divulgação

“A mentalidade das
domésticas está mudando,
não se aceita mais salários
baixos. Mas mudar o modo
de pensar do empregador é
mais difícil, porque poucos
vão pagar o que não é
obrigatório”

Eliana Gomes Menezes,
presidente do Sindicato das
Empregadas e Trabalhadores
Domésticos da Grande São Paulo
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Mesmo com as novidades, Eliana, do Sindoméstica, acredita que a legislação ainda é um entrave para o setor avançar. “A mentalidade das domésticas está mudando, não se aceita mais salários baixos. Mas mudar o modo de pensar do empregador é mais difícil, porque poucos vão pagar o que não é obrigatório”, diz ela, referindo-se ao FGTS facultativo. Mas a sindicalista reconhece que alguns “patrões” têm registrado suas funcionárias no fundo, “como forma de estimulá-las”.

Apesar da pressão das domésticas, a verdade é que novas mudanças legais estão longe de ser unanimidade. O advogado Marcelo Unti, do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo (Sedesp), defende a legislação diferenciada por conta da “peculiaridade do setor”. “O trabalho doméstico tem características que o tornam diferente. O ritmo é outro, há a relação emocional, há mais flexibilidade, não há pagamento de alimentação ou moradia, enfim, não se pode calcular quantos bifes a empregada fritou ou quantas vezes a cuidadora levou o idoso ao banheiro”, afirma.

Sem esse cálculo de produtividade sobre o trabalho, fica mais difícil tratar a doméstica como um trabalhador de uma empresa, explica o advogado. Para combater o elevado grau de informalidade no ramo, ele defende a redução dos impostos pagos pelo empregador, de 12% para 8%. “Já há um projeto no Congresso tratando desse assunto”, diz. Buscar o caminho contrário, ou seja, ampliar as obrigações do empregador, poderia gerar efeito oposto e elevar a informalidade, afirma Marcelo.

Foto: Acervo CNDM

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“O trabalho doméstico tem
características que o tornam
diferentes. O ritmo é outro,
há a relação emocional, há
mais flexibilidade, não há
pagamento de alimentação
ou moradia, enfim, não se
pode calcular quantos bifes a
empregada fritou ou quantas
vezes a cuidadora levou o
idoso ao banheiro”

Marcelo Unti,
advogado do Sindicato dos Empregadores
Domésticos do Estado de São Paulo

Encontro das empregadas domésticas em Brasília, 1988

ESCASSEZ DE MÃO DE OBRA Unti acredita que muitas vezes são as próprias domésticas que desvalorizam a profissão. “São elas que pedem para colocar outra descrição na carteira de trabalho”, afirma. Ele diz que já nota escassez de oferta de mão-deobra para setores domésticos como babá e cuidador de idoso, com complicações maiores para essa segunda atividade. “Se não tiver quem cuide da criança, pode-se colocá-la numa escola. Mas, no caso do idoso, os preços [de casas de repouso] são muito altos e o trabalhador doméstico faz muita falta”, diz o advogado.

Diante desse cenário, Unti é pessimista sobre o futuro do trabalho doméstico no país. “Não vejo muita saída. As famílias já buscam empregadas em cidades do interior e até em outros países, como Bolívia e Paraguai. Mas com mais demanda e menos oferta, não há como escapar do modelo norte-americano e europeu”. Nesse modelo, as famílias contratarão no máximo diaristas e montarão suas residências já pensando na ausência do serviço de uma doméstica mensalista, através da colocação de pisos que sejam mais fáceis de se manter e do uso de eletrodomésticos autolimpantes. Ao que tudo indica, o futuro será mesmo assim, ainda que velhos problemas do mercado de trabalho brasileiro não tenham sido resolvidos (MG).

 
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