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Perfil - Manoel Bomfim

2011 . Ano 8 . Edição 66 - 27/07/2011

Gilberto Maringoni – de São Paulo

Nacionalista contra o racismo

Manoel Bomfim

 

Foto: Ana Caroline Padilha

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Original e antielitista, pensamento de intelectual sergipano sofreu pesados ataques há um século.
Hoje, sua obra apresenta-se como inovadora e premonitória

Há exatos 106 anos era publicado um livro que causaria polêmica entre as camadas letradas do país. As críticas não poupariam nem mesmo seu autor. A obra chamava-se A América Latina, males de origem e fora escrita pelo médico, psicólogo, historiador e pedagogo sergipano, Manoel Bomfim (1868-1932). O volume era inovador por deixar de lado determinismos étnicos, climáticos e geográficos e aprofundar-se na formação colonial para explicar os problemas brasileiros. Defendia o investimento em educação como um dos pilares para a construção de um país menos injusto.

Bomfim cometia uma heresia aos olhos das elites de então. Investia contra o consenso que debitava nosso atraso à miscigenação de brancos com negros e índios. Suas palavras são diretas:

“Vale discutir (...) a célebre teoria das raças inferiores. Que vem a ser esta teoria? Como nasceu ela? A resposta a estas questões nos dirá que tal teoria não passa de um sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente mascarado pela ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes”.

Mais adiante, sentencia:

“E o negro?... A este – pois que tem a pele preta e o cabelo encarapinhado – a ciência sociológica dos descendentes dos negreiros condena mais furiosamente ainda. Raças completamente inferiores e gravemente diversas – considera-as Oliveira Martins. ‘O pensamento de chamar estas raças a uma civilização foi uma das nobres quimeras...’ Para o escritor-estadista, só tem o negro um préstimo – trabalhar como besta para sustentar a malandrice do branco”.

O alvo de Bomfim era o escritor e político português Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894). Segundo este, a presença do negro seria a causa da estagnação de vários países.

INSENSATA SENSATEZ O autor não ficava apenas nisso. Voltava suas baterias contra personagens do meio político que, quando na oposição, proferiam discursos e formulações radicais. Uma vez no poder, a coisa mudava de figura:

"Pouco importa a luta, os conflitos levantes e revoluções que tenham trazido o indivíduo ao poder. Uma vez ali, ´sentindo as responsabilidades do governo´, o verdadeiro homem se revela; tudo parou, o revolucionário de ontem desaparece, as gentes ponderadas e graves podem aproximar-se – ficarão encantadas de verificar que mundos de sensatez nele se encerram ali; a vida vai continuar tal qual era; ´o período de agitação acabou, as responsabilidades etc. impõem o dever de não se criarem dificuldades novas´. Quer dizer: todo o esforço agora é para impedir que se dê execução às reformas em nome das quais se fez a revolução, e para defender os interesses das classes conservadoras, a fim de acalmá-las.”

O suposto equilíbrio dos governantes parecia irritá-lo mais do que tudo:

“Para justificar esse conservantismo inconsequente, faz-se apelo a todas as fórmulas de senso comum, não o bom-senso que se inspira dia a dia nas necessidades reais. (...) Veja-se, por exemplo, como repetem: ´É preciso cortar despesas...´ Por quê? Por que o bom senso tradicional assim o diz. E julgam-se todos dispensados de estudar as coisas, para ver que, por toda parte, tem sido preciso justamente aumentar as despesas públicas, máxime nos países novos, onde as populações crescem mais rapidamente e onde está tudo por fazer”.

POLÍTICA ORTODOXA O alvo imediato de Bomfim eram as políticas de austeridade empreendidas pelo médico matogrossense Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda do governo Campos Salles (1898-1902). Para fazer frente a uma séria crise nas contas nacionais, provocada pela febre especulativa do encilhamento, no início do período republicano, Murtinho adotou o que mais tarde seria classificada como política ortodoxa. Ao longo de quatro anos, o governo restringiu meios de pagamento, hipotecou a receita da alfândega do Rio de Janeiro em nome dos credores externos, aumentou impostos e cortou gastos públicos. Tal orientação provocou uma crise econômica, mas valorizou a moeda nacional e regularizou as relações do país com a banca internacional. Para as classes populares, a situação tornou-se dramática, com alta do desemprego e elevação do custo de vida. O Ministro saneou as contas públicas à custa de uma profunda recessão. Foi elogiado pelas elites e aclamado pela imprensa da época por seu extremado bom senso.

Bomfim deplorava tais orientações. Para ele:

“O Brasil (...) se pode dizer que tem a especialidade dos estadistas sensatos. (...) Eis a garantia que oferecem às classes conservadoras; e estas, ao verificarem o quanto o homem é sensato, dão-lhe de pronto o seu apoio, porque têm certeza de que, apesar de todos os programas revolucionários, não se introduzirá na prática nenhuma inovação perigosa, ou perturbadora, ninguém irá contra os preceitos que o bom senso já consagrou”.

ATAQUES PESADOS Contemporâneo de Bomfim, Silvio Romero (1851-1914), um dos mais importantes intelectuais brasileiros da época, republicano, abolicionista e também sergipano, investiu pesadamente contra o livro. Em 25 artigos publicados em 1906 na imprensa carioca e reunidos no livro A América latina – análise do livro de igual título do Dr. Manoel Bomfim, o autor de Introdução à História da Literatura Brasileira (1883) tentou desqualificar a obra de seu conterrâneo. Para ele, o livro “não passa de um acervo de erros, sofismas e contradições palmares (...) e uma verdadeira comédia”. O foco eram as concepções sociais de Bomfim. Segundo Romero, “nunca a doutrina da igualdade das raças teve um advogado tão desastrado”. Mais adiante, sentenciava que A América Latina – males de origem era “um reacionarismo negrista e caboclante contra as raças superiores”. Ele deplorava também a defesa que Bomfim fazia do desenvolvimento da indústria e do comércio. Em suas linhas, estes seriam “muito bons, mas, como força nacional e princípio de conservação, a agricultura é superior”.

Sílvio Romero tentara, ainda antes da Abolição (1888), elaborar uma concepção sobre a formação étnica do Brasil, dando-lhe ares de teoria. Era um defensor da imigração européia como elemento decisivo para a constituição de uma “raça brasileira” com supremacia branca.

Manoel Bomfim decidiu não responder às provocações. É possível que a recusa tenha levado seu livro a cair num injusto esquecimento, até ser recuperado por Darcy Ribeiro (1922-1997), no início dos anos 1980. A reedição aconteceria apenas em 1993.

Parte do manto de silêncio colocado sobre o livro tem explicação. Aqueles eram os anos da consolidação, a ferro e fogo, da república oligárquica que, enquanto empreendia uma radical reforma urbana no Rio de Janeiro, buscava afastar os pobres e negros do campo de visão da elite política e econômica da época, expulsando-a para os morros e subúrbios. Bomfim tomava partido das classes populares.

LIVRO LUMINOSO Darcy Ribeiro era um entusiasta de América Latina, males de origem, classificando-o de o ponto mais alto da consciência brasileira. “Para Manoel Bomfim”, dizia, “o atraso, a pobreza e a ignorância das grandes massas latino-americanas eram de responsabilidade das próprias classes dominantes, que lucravam com elas. É de pasmar que este livro luminoso, não tenha sido visto e nem lido, senão para ser atacado torpemente por Silvio Romero”.

Nas palavras do crítico literário Antonio Candido, o livro é “duro para os preconceitos de seu tempo”. Segundo ele, a réplica de Romero é “uma obra prolixa e exibicionista, negando qualquer valor ao adversário, hipertrofiando questões secundárias para fazer parada de erudição e, no fundo, nada propondo de mais convincente”.

PARA CONHECER MAIS

BOMFIM, Manoel, A América latina,
males de origem, Topbooks, Rio de
Janeiro, 4ª. Edição, 1993

AGUIAR, Ronaldo Conde, O rebelde
esquecido, vida e obra de Manoel
Bomfim, Topbooks, Rio de janeiro,
2000

BECHELLI, Ricardo Sequeira,
Nacionalismos antirracistas, LCTE
Editora, São Paulo, 2009

De certa maneira, Bomfim fez na sociologia o que Lima Barreto (1880-1922) empreendeu na literatura: denunciar o racismo e o elitismo das camadas do topo da pirâmide social. As ferramentas para se manter a ordem eram o cassetete e o bom senso. Sobre isso, sua pena afiada mais uma vez se manifesta: “

Mas o que pode a verdade contra o bom-senso? Quando se estuda o caráter dos homens de estado nas nações da América Latina, o que mais se impõe à atenção é a irrepreensível sensatez de todos eles, a sensatez clássica e imponente - essa sensatez a que Anatole France se refere quando diz ´ Todos que trouxeram ao mundo um pouco de bondade nova sofreram o desprezo das gentes sensatas’”.

Apesar de cáustico, Manoel Bomfim não era um pessimista. Em O Brasil na América, lançado em 1929, três anos antes de sua morte, ele aponta um caminho para o futuro:

“Aceitemos o destino em que nos formamos; tenhamos a hombridade de ser o que somos e façamos o dever em esforços para que esse povo misturado venha a ser uma nação de civilização realmente humana, aproveitando todas as possibilidades de espírito e de coração, como as encontramos, na herança das raças donde viemos”.

 
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