2011 . Ano 8 . Edição 68 - 16/10/2011
José Renato Vieira Martins e Carolina Albuquerque Silva
Quando foi criado, em 1991, o Mercosul não contava com nenhum tipo de mecanismo de participação social, configurando- se exclusivamente como um acordo entre Estados. Os governos do Cone Sul que optaram pela via da regionalização consideravam o Mercosul muito mais uma oportunidade para realizar a abertura dos mercados nacionais, do que um meio para implementar políticas efetivas de integração econômica, produtiva e social. Somente em 1994, com a assinatura do Protocolo Adicional de Ouro Preto, foram criados os primeiros espaços institucionais – a Comissão Parlamentar Conjunta e o Foro Consultivo Econômico e Social – que flexibilizaram a participação exclusiva do Poder Executivo nas discussões do Mercosul.
Decorridos vinte anos da criação do bloco, o aprofundamento da institucionalidade democrática do Mercosul tornou-se um tema prioritário para o avanço da integração. A participação da sociedade civil, observada recentemente em diferentes âmbitos nacionais e regionais, tem permitido que plataformas regionais de organizações e movimentos sociais adquiram um peso relativo maior nas escolhas sobre os destinos da região.
Essa aproximação entre Estado e sociedade já produziu efeitos palpáveis. O destaque que os temas sociais passaram a receber nas negociações é um deles. Novos espaços institucionais de discussão e implementação de políticas públicas foram criados. A Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do Mercosul, o Instituto Social do Mercosul, as Cúpulas Sociais do Mercosul, o Programa Brasileiro do Mercosul Social e Participativo e o Conselho Consultivo da Sociedade Civil, ligado ao Ministério das Relações Exteriores da Argentina – são exemplos concretos dessa mudança.
A construção de uma esfera pública regional conta hoje com ações positivas em diferentes áreas, com resultados tangíveis que beneficiam milhares de cidadãos do Mercosul. O Acordo Multilateral da Seguridade Social dos Estados Partes permite, desde 2006, o acesso a direitos previdenciários no bloco; o atendimento médico em cidades de fronteira e a adoção de critérios comuns de saúde pública; a harmonização de currículos do ensino superior e das políticas públicas de educação; a promoção de ações conjuntas para o enfrentamento da violência contra a mulher; e a construção e negociação do Plano Estratégico de Ação Social configuram uma inédita base para o avanço da integração social. A dimensão democrática do Mercosul contará, em breve, com a Unidade Técnica de Apoio à Participação Social no Mercosul, aprovada pelo Grupo do Mercado Comum em dezembro de 2010.
Também se destaca a criação de mecanismos de financiamento e crédito para as atividades de interesse social, como o Fundo Mercosul de Garantias para as Micro, Pequenas e Médias Empresas e o Fundo de Agricultura Familiar do Mercosul. O objetivo é priorizar as principais fontes de geração de empregos e garantir a segurança alimentar regional. Ademais, estão sendo implantados os registros nacionais da agricultura familiar em todos os países do bloco. Até o surgimento da Reunião Especializada da Agricultura Familiar do Mercosul (REAF), apenas o Brasil e o Chile contavam com este tipo de instrumento, o que possibilita que os governos cadastrem as famílias da agricultura familiar. Em 2010, 40% do universo da agricultura familiar do Mercosul já foi registrado e tem se beneficiado das políticas públicas específicas destinadas ao setor.
As mudanças operadas nesse período apontam para um Mercosul socialmente mais integrado, com demandas próprias e políticas específicas destinadas a atender às imensas carências sociais da região. A agenda recente do bloco – mais voltada para os temas do desenvolvimento social – está intimamente associada à emergência do Mercosul social e participativo como novo elemento da governança regional.
Esse enfoque reflete uma nova forma de trabalhar os temas sociais no interior do bloco, com base na centralidade da dimensão social para a integração. Trata-se de enxergar o desenvolvimento social como eixo transversal do processo integracionista, evitando abordagens meramente assistencialistas, procurando superar a falsa dicotomia entre as políticas econômicas e as políticas sociais, e sempre atuando em parceria com as organizações da sociedade civil.
___________________________________________________________________________________ José Renato Vieira Martins é Chefe da Assessoria Internacional da Secretaria Geral da Presidência da República do Brasil, professor e secretário de relações institucionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Carolina Albuquerque Silva é Assessora da Assessoria Internacional da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil.
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