2011 . Ano 8 . Edição 68 - 16/10/2011
Bernardo Alves Furtado
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É comum referir-se ao mercado de imóveis em termos de metros quadrados e localização. Em conversas informais ou orientadas por corretores, são duas as perguntas básicas: Onde? E qual é o preço do metro quadrado? Neste artigo, buscaremos demonstrar que as respostas a estas duas perguntas básicas, embora centrais, são insuficientes para caracterizar minimamente o imóvel.
Resumir o imóvel ao metro quadrado pressupõe estar de acordo com a definição que em economia se dá para os chamados submercados. Submercados seriam porções do território nas quais os imóveis são “razoáveis substitutos entre si” (Bourassa et. al. 1999, p. 161), “distintamente diferente de outras regiões” (Stevenson, 2004, p139). Assumir esta definição implica concordar com a homogeneidade do bairro, região ou vizinhança em análise. Ou seja, presume-se que qualquer imóvel interno àquela região é substituível por qualquer outro da mesma região, com razoável acurácia.
É possível que isto – bairros homogêneos com imóveis com características muito similares entre si – ocorra ocasionalmente. Entretanto, esta não é a norma nas heterogêneas cidades brasileiras, nas quais limites de bairros não são estritamente definidos ou percebidos pelos cidadãos e há miríade de variedades de construções: casas e apartamentos, novos e velhos, grandes e pequenos, reformados ou decadentes.
Além disto, utilizar o metro quadrado como fator preponderante na avaliação de um imóvel significa considerar que a elasticidade preço-área do imóvel seria igual a 1. Qual seja, aumento de 1% na área do imóvel levaria a aumento de 1% no seu preço.
Isto não se verifica empiricamente nem em relação à área nem em relação ao preço (Sirmans et. al. 2005). Ou seja, de um lado, imóveis com áreas maiores tendem a ter preços menores por metro quadrado, enquanto imóveis pequenos apresentam preços por metro maiores. De outro lado, imóveis mais caros apresentam valores para o metro quadrado de cerca de apenas 70% do valor do metro dos imóveis mais baratos (Furtado, 2009).
Mais do que estes argumentos, avaliar imóveis pelo metro quadrado supõe abandono de quaisquer outras características do imóvel: qualidade de acabamento, idade, número de suítes ou vagas de garagem, manutenção, vantagens ou desvantagens do edifício, características da vizinhança, orientação em relação ao sol ou à paisagem.
É fácil ver, todavia, a vantagem desta prática. É, como todo índice, de fácil entendimento e uso. Rapidamente, o usuário sente-se confortável e ganha certa proximidade com o mercado. Entretanto, é possível que esta intimidade não seja benéfica para os cidadãos que transacionam neste mercado em média apenas uma vez a cada dez anos.
Isto porque a informação básica, simplista, camufla as especificidades do mercado e contribui para a assimetria de informações. E isto é relevante. A teoria econômica mais simples, de certa forma, disseminada entre a população, ensina que em mercados em equilíbrio, as curvas de demanda e oferta se ajustam no valor do preço real de mercado. Consumidores individuais não têm poder de alterar o preço e o tomam como “dado”.
O que ocorre é que o mercado imobiliário, dadas as especificidades do bem habitação – durável, heterogêneo, espacialmente rígido, com altos custos de transação e busca, indivisível, multidimensional e importante e caro item de consumo das famílias – não permite compreensão completa das curvas de demanda e oferta. Com isso, o consumidor final não obtém todas as informações necessárias para levar o mercado ao equilíbrio.
Ora, constantemente fora do equilíbrio, o mercado imobiliário permite ganhos extraordinários para aqueles que se aproveitam das dificuldades intrínsecas do mercado, controlam e conhecem as informações. Dito de outro modo, pode-se raciocinar do seguinte modo: o preço do metro quadrado associado à localização nos informa sobre o valor médio. O valor médio, entretanto, não é representante da distribuição de possíveis valores que podem ser assumidos, dependendo das qualidades de cada imóvel. De fato, é razoável supor que a maioria dos imóveis estarão a até um desvio-padrão do valor médio. Porém, este desvio provavelmente terá valores altos, distantes da média, considerados os atributos do imóvel.
Neste caso, a recomendação que se pode fazer para o usuário comum é: visite o máximo de imóveis que puder – se possível, mais de cinqüenta; limite a abrangência geográfica da sua visita; anote as diversas características que lhe pareçam relevantes em uma tabela; incluindo, por exemplo, atributos subjetivos. Analise as opções de forma comparativa, incluindo outras características para além do preço do metro quadrado.
Diminuir prejuízos para cidadãos comuns significa aumentar o acesso a informação completa e reduzir custos de negociação, quiçá reduzindo a aura de poder simplificadora do metro quadrado. Quem sabe, assim, o mercado de imóveis possa caminhar para preços mais próximos do equilíbrio real.
___________________________________________________________________________________ Bernardo Alves Furtado é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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