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Internacional - Bolívia, entre a preservação e o desenvolvimento

2011 . Ano 8 . Edição 70 - 29/12/2011

Foto: Fernando Fernandes/Lunapress

Vista da Praça de Armas em La Paz, na Bolívia

Igor Fuser - de São Paulo

Governo Evo Morales enfrenta dilema de atender base social fragmentada e definir planejamento econômico de alcance nacional. Protestos populares contra estrada que integrará regiões pobres expõem contradições existentes também em outros países da América Latina. Para a cientista política Angelita Matos Souza, da UNESP, “até mesmo os movimentos sociais mais bem-intencionados podem se equivocar”

Qual deve ser a atitude de um governo sul-americano diante do dilema entre, de um lado, respeitar o meio ambiente e consultar as comunidades indígenas nos projetos que envolvam seus territórios e, do outro, levar adiante as iniciativas estatais consideradas indispensáveis para melhorar as condições de vida da população? Entre a defesa da chamada Mãe Terra e as exigências do desenvolvimento, como se pode definir uma prioridade?

Essas perguntas, presentes na cena boliviana desde a chegada de Evo Morales à presidência, em 2006, à frente de uma ampla aliança de organizações populares, voltaram a se manifestar de forma dramática. Um prolongado impasse entre governo e movimentos sociais terminou em 23 de outubro, com a decisão presidencial de cancelar a construção de uma rodovia cujo traçado atravessaria uma reserva indígena. Morales acabou cedendo à pressão de uma marcha que levou mais de três mil manifestantes até La Paz.

O pivô do conflito é o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), onde vivem 12 mil integrantes dos povos yuracaré, moxenho e chimane, espalhados em 64 comunidades. O trajeto inicial da rodovia, ligando Villa Tunari, no departamento (província) de Cochabamba, a San Ignacio de Moxos, em Beni, visava reduzir o trajeto entre as duas localidades, que atualmente é de 900 quilômetros (três dias de viagem), para 300 quilômetros.

Em trabalho intitulado “O êxito boliviano durante a crise mundial de 2008-2009”, publicada no Boletim de Economia e Política Internacional, em abril de 2010 (disponível em www.ipea.gov.br), o economista Pedro Silva Barros, técnico de Planejamento e Pesquisa e titular da missão do Ipea na Venezuela, lembra o seguinte:

“A candidatura de Morales foi germinada no movimento cocalero da região do Chapare e na luta contra a política financiada pelos Estados Unidos de erradicação da cultura da coca nos anos 1990. Ganhou impulso nas manifestações pelos direitos indígenas e contra as privatizações, particularmente a da água de Cochabamba, em 2000. Foi viabilizada por uma aliança dos novos movimentos reivindicatórios com forças da esquerda tradicional, aglutinadas no Movimento ao Socialismo (MAS)”.

REGIÃO CARENTE O polêmico projeto tem como objetivo integrar ao resto da Bolívia uma região amazônica carente de infraestrutura, onde a presença estatal é rarefeita e os serviços públicos só chegam de modo precário. Outro fator de estímulo à construção da rodovia é (ou era) a perspectiva de pôr fim à situação de dependência econômica de Beni em relação à vizinha Santa Cruz de la Sierra. Devido ao isolamento viário, os pecuaristas locais são obrigados a comercializar sua carne bovina por intermédio dos frigoríficos situados em Santa Cruz – o reduto político da oposição conservadora ao governo Morales. A rodovia criaria um vínculo direto entre Beni e as regiões central e ocidental da Bolívia, sob a hegemonia política dos partidários do governo.

Mas os líderes comunitários do parque e as ONGs ambientalistas receiam que a abertura do território facilite a devastação da floresta, com o ingresso ilegal de madeireiros e de plantadores de coca. Apoiados por organizações sociais de projeção nacional, os indígenas das chamadas “terras baixas” da Bolívia lançaram-se em uma marcha, rumo a La Paz, para exigir a aplicação do seu direito à consulta prévia, previsto na nova Constituição, promulgada em 2009.

Foto: Gilberto Maringoni

Eleição da Assembleia Constituinte em La Paz em junho de 2006. A Carta Magna estabeleceu as bases para o Estado plurinacional

Já outras entidades indígenas e camponesas tomaram posição ao lado do governo, o que configurou uma divisão entre as forças sociais e políticas que levaram Morales ao poder. A mesma aliança havia se formado para aprovar a nova Constituição e derrotar a sublevação separatista das oligarquias da Meia-Lua, a região mais rica do país, onde se concentram o agronegócio e a produção de petróleo e gás.

INTRANSIGÊNCIA E NEGOCIAÇÃO De início, as autoridades trataram os líderes indígenas do Tipnis com a intransigência expressa no comentário de Morales de que as opções, no caso da rodovia, se limitariam ao “sim ou sim”. A obra foi apresentada como um fato consumado e a oposição a ela, atribuída à interferência de ONGs a serviço de interesses tidos como imperialistas e dispostos a impedir o desenvolvimento da Bolívia. Quando a marcha já tinha se tornado um tema de destaque na cobertura midiática, o governo se dispôs a negociar. Aí foram os indígenas que recusaram o diálogo, negando-se a receber as sucessivas delegações de ministros enviadas ao seu encontro. A tensão crescente culminou, em 25 de setembro, com um episódio ainda não totalmente esclarecido de repressão policial, que provocou o repúdio geral da opinião pública boliviana e foi condenado pelo próprio Morales.


A inabilidade do governo em lidar com o conflito ficou patente com a ação policial, pela qual nenhuma autoridade se responsabilizou. Dois ministros renunciaram aos seus cargos, em protesto, e as empresas de mídia, alinhadas com a oposição conservadora, aproveitaram para amplificar o estrago à imagem do governo, demonstrando uma inédita simpatia pela causa dos indígenas – os mesmos que, até pouco tempo antes, eram retratados como selvagens e inimigos do progresso.

Derrotada nas urnas sucessivas vezes, a oligarquia boliviana explora, em proveito próprio, as ambiguidades e contradições da experiência boliviana de implantação de um projeto político nacional-popular.

PANORAMA CONTINENTAL Em uma perspectiva sul-americana, constata-se que Morales não está sozinho no dilema entre as demandas do desenvolvimento e a proteção socioambiental. O governo brasileiro tem enfrentado resistência à construção de hidrelétricas na Amazônia e o mesmo se passa com os projetos de mineração na Argentina e no Equador. Uma situação extrema teve lugar no Peru, em 2010, quando a queda de braço entre o então presidente Alán García e indígenas amazônicos contrários à presença de empresas petroleiras culminou em um conflito violento com dezenas de mortes, o que acabou contribuindo para a recente vitória eleitoral de Ollanta Humala.

A originalidade boliviana deriva da convergência de atores sociais que viabilizou a derrota do modelo neoliberal e o triunfo do Movimiento Al Socialismo (MAS) nas eleições presidenciais de dezembro de 2005. Morales chegou ao poder como o líder de uma aliança de setores populares do campo e das cidades, formada em torno de uma proposta de “refundação” do país em que se agregam a busca do desenvolvimento industrial – bandeira histórica dos nacionalistas – e a autoafirmação e o pleno reconhecimento dos direitos da maioria indígena após cinco séculos sob o domínio da chamada elite branca.

Essa via “descolonizadora”, que difere parcialmente do modelo republicano-liberal, ganhou forma jurídica na definição da Bolívia como um Estado Plurinacional e na opção constitucional por uma visão de mundo denominada “bom viver”, em que o bem-estar social se associa à ideia da harmonia com a natureza. Valorizam-se o estilo de vida das comunidades originárias, seus idiomas e costumes ancestrais, ao mesmo tempo em que se rejeita o consumismo contemporâneo. O problema reside em conciliar a perspectiva etnoambientalista com a necessidade de elevar em curto prazo as condições materiais de existência no país mais pobre da América do Sul. Esse dilema se manifestou, com clareza, na crítica que um militante político indígena pró-Morales, Ollantay Itzamná, fez aos intelectuais brancos engajados em ONGs internacionais que se opõem aos empreendimentos desenvolvimentistas no interior do país. “Quando escuto e leio os argumentos contra o trecho de rodovia que cruza o Tipnis, me pergunto se os ambientalistas e indigenistas já sentiram na própria carne o que é viver isolado e em permanente precariedade”, escreveu. “Saberão o que é viver sem energia elétrica, sem escola, sem hospitais, sem computador, sem geladeira?”

MÃE TERRA E ESTADO Por outro lado, a ampla adesão à marcha indígena dá a medida da ressonância que a causa indigenista- -ambientalista encontra na sociedade boliviana, inclusive em setores urbanos. A mobilização agregou mais de 300 mil pessoas marcharam até La Paz em solidariedade aos opositores da rodovia através do Tipnis. “A questão da definição de prioridades é complexa pelo fato de que Evo Morales se elegeu e reelegeu defendendo um programa de governo desenvolvimentista, mas que se combinava com o discurso de defesa da Pacha Mama (Mãe Terra), observa a antropóloga Caroline Cotta de Mello Freitas, professora na pós-graduação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Especialista na temática indígena boliviana, Caroline recorda que o presidente enfatizou seu compromisso de defesa da Mãe Terra na solenidade de posse simbólica realizada em Tihuanaco, o mais famoso centro cerimonial dos povos pré-colombianos, em janeiro de 2010.

Foto: Arquivo pessoal

“Os projetos brasileiros tanto em
energia como em infraestrutura
foram importantes para o
desenvolvimento boliviano
nas últimas duas décadas, mas
a presença brasileira no país
vizinho, para ser sustentável
no longo prazo, precisa dar um
salto qualitativo”

Pedro Silva Barros,
técnico de Planejamento e Pesquisa e titular da
missão do Ipea na Venezuela


Ao forçar a mão no imbróglio da rodovia, Morales deu munição aos opositores que o denunciam como um farsante que se aproveitou do discurso da Pacha Mama para se fortalecer politicamente. Mas a verdade é que o governo boliviano sempre foi claro em sua visão desenvolvimentista, conforme assinala Salvador Schavelzon, pesquisador da PUC de Campinas com doutorado sobre o processo constituinte boliviano. “O projeto político do MAS não se afasta do pragmatismo que domina os outros países da região”, constata. Trata-se, aqui, de uma situação semelhante ao atual embate entre o presidente equatoriano Rafael Correa e as correntes indígenas e socioambientalistas que romperam com o governo a partir de concepções divergentes sobre o “bom viver”, igualmente sacramentado na nova Constituição do Equador.

DEFESA DA INDUSTRIALIZAÇÃO Mais do que o próprio Morales, o grande arauto da opção industrializante na Bolívia é o vice-presidente Álvaro García Linera. Em sua posição privilegiada como intelectual e dirigente político, Linera enfatiza, a cada momento, a urgência do governo em proporcionar benefícios palpáveis para as multidões de desfavorecidos que constituem a base de apoio do MAS. “O tempo conspira contra os processos revolucionários”, escreveu. “Se não trazem bem-estar, as pessoas começam a se desencantar de sua obra e se tornam mais propensas a ouvir as fantasias conservadoras de quem lhes promete o paraíso por arte de magia” – isto é, a ilusão de que é possível alcançar o “bom viver” sem a geração dos excedentes econômicos necessários para satisfazer as demandas populares que a própria Constituição estabelece como direitos de todos.

O alerta faz parte de um livreto publicado no início deste ano (El oenegismo, enfermedad infantil del derechismo), no qual Linera polemiza contra os que se dizem decepcionados com o “processo de mudanças”, como os bolivianos chamam a trajetória iniciada na posse de Morales. “A possibilidade do desencanto não aparece porque a revolução tenha se extraviado, como reacionariamente interpretam a direita cavernosa e seus acólitos onguistas, e sim porque não avança suficientemente rápido”, provoca.


Em seus livros e discursos, Linera defende a exploração das reservas de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) e de minérios como requisito para industrializar o país, melhorar os indicadores sociais e redistribuir a riqueza, aproveitando o contexto favorável da alta dos preços das commodities no mercado internacional. O Estado, encarado não apenas como um regulador da vida econômica e sim como um agente importante no processo produtivo, assume um papel de ponta que se expressa na reestatização de empresas estratégicas nos setores de hidrocarbonetos, mineração, eletricidade, telecomunicações, siderurgia e transportes, entre outros.

Nos primeiros cinco anos do “processo de mudança” a participação estatal na economia dobrou de 17% do Produto Interno Bruto, em 2005, para 34%, em 2010. Os investimentos públicos, nesse mesmo período, saltaram de US$ 600 milhões anuais para US$ 3,2 bilhões, acompanhados dos índices mais elevados de crescimento econômico da América do Sul.

Tais proezas, assim como o extraordinário desempenho social nos últimos cinco anos, se devem, antes de tudo, ao decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos, de 2006. A medida, pivô de uma crise diplomática com o Brasil, ampliou a participação estatal nas receitas do gás natural – principal produto de exportação – de cerca de 30% para mais de 70%, em média, com a redução drástica dos lucros das transnacionais do setor, entre elas a Petrobras, que perdeu sua posição como a maior empresa no país para a reconstruída Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), 100% estatal. 

Foto: Gilberto Maringoni

A capital La Paz, vista da cidade de El Alto, a 4,8 mil metros de altitude. Governo tem urgência em em proporcionar benefícios palpáveis para as multidões de desfavorecidos que constituem sua principal base de apoio

PRESENÇA BRASILEIRA No episódio do Tipnis, a presença de interesses do Brasil voltou a ser questionada. No calor da polêmica, Morales foi acusado de se curvar ao “subimperialismo” do país vizinho. Os argumentos: primeiro, de que a construção da rodovia foi entregue a uma empreiteira brasileira; e, segundo, de que a obra está incluída na planilha de projetos da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), normalmente associada ao agravamento das distorções econômicas decorrentes do modelo primário-exportador. Ocorre que, como afirmou Linera em resposta aos “desiludidos” com o governo, a rodovia entre Cochabamba e Beni termina seu percurso a mais de 300 km da fronteira brasileira, em plena selva amazônica. Portanto, nada a ver com os “corredores interoceânicos” previstos na IIRSA. E, evidentemente, o projeto dessa rodovia, assim como todas as obras viárias do governo Morales, só começou a ser levado à prática porque as autoridades da Bolívia julgaram que isso era do interesse daquele país.


Nada disso, porém, impede que se pense nas vantagens que uma cooperação bilateral mais intensa poderia trazer para a tão almejada integração sul-americana. Para Pedro Silva Barros, do Ipea, “os projetos brasileiros tanto em energia como em infraestrutura foram importantes para o desenvolvimento boliviano nas últimas duas décadas, mas a presença brasileira no país vizinho, para ser sustentável no longo prazo, precisa dar um salto qualitativo”. Barros vislumbra a possibilidade de que a cooperação entre os dois países se eleve a um patamar superior ao atual, com benefícios para ambas as partes. “O desafio para o próximo período é transformar o Brasil de mero explorador e importador de recursos naturais sem valor agregado e fornecedor de serviços de engenharia em fomentador de projetos de integração produtiva, dinamizando o mercado interno boliviano e associando a política de desenvolvimento do Brasil ao do país vizinho”, afirma.

CONFLITO SOBRE MODELO Pelo lado boliviano, o dilema imediato – cuja resolução antecede qualquer redesenho das relações com o Brasil – é o que envolve o confronto do governo com uma parcela das entidades indígenas e das ONGs que, durante o recente período neoliberal, aliaram-se ao MAS na luta contra a privatização e o uso predatório dos recursos naturais. O conflito sobre o modelo de desenvolvimento, emblemático dos impasses decorrentes da expansão do modelo extrativista, deu mostras de seu potencial explosivo em 2010, com o início das prospecções petrolíferas em terras amazônicas no norte do departamento de La Paz. Algumas das comunidades indígenas da região tentaram bloquear a entrada dos geólogos da YPFB. Diante da palavra de ordem “Uma Amazônia sem petróleo”, lançada pelo Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade), o presidente Evo Morales perguntou em tom de desafio: “Então, do que vamos viver?”. Em seguida emendou, referindo-se ao programa social equivalente no Brasil à Bolsa Escola: “Com que dinheiro vamos pagar o Bônus Juancito Pinto?”.

Para os descontentes que se afastaram do governo nos últimos anos, fissuras como essa são sinais de uma crise profunda no “processo de mudança”, caracterizada pelo distanciamento entre as autoridades e os movimentos sociais, violação dos princípios democráticos e falta de aplicação efetiva do texto constitucional. Já o vice Linera prefere apresentar os atritos entre o governo e parte de sua base de apoio como “contradições no seio do povo” – antiga categoria maoísta para designar as divergências não-antagônicas entre os que lutam pela transformação social.

TENSÕES CRIATIVAS Esse é o mote de sua obra mais recente, Tensiones creativas de la Revolución, na qual Linera enumera quatro pontos onde se manifestam as contradições dentro do bloco nacional-popular. O primeiro diz respeito à relação entre o Estado e os movimentos sociais – a ser resolvida, segundo Linera, por meio do debate democrático. O segundo foco de tensão decorre da necessidade de garantir a liderança do processo político pelos indígenas, camponeses e operários e, ao mesmo tempo, incorporar outros segmentos da sociedade. O terceiro tem a ver com o embate entre os interesses gerais e os interesses setoriais ou particulares – por exemplo, as greves de professores em luta por fatias da renda nacional que, segundo o governo, devem se destinar aos investimentos de infraestrutura. Por fim, Linera aponta a tensão existente entre o uso sustentável da natureza e a necessidade estatal de gerar excedentes econômicos e industrializar o país.

Como equilibrar essas duas demandas conflitantes? “Não existe uma receita”, admite Linera. Por um lado, ele reafirma o compromisso do governo em praticar o que chama de “diálogo com a natureza”, evitando os métodos predatórios dos neoliberais e do desenvolvimentismo tradicional. Por outro lado, o vice boliviano enfatiza a primazia do interesse coletivo sobre as reivindicações de grupos específicos. “Junto com o direito de um povo ao seu território existe o direito de um Estado conduzido pelo movimento popular”, afirmou, em referência à decisão de extrair o petróleo da Amazônia. “O Estado não está tomando terras dos indígenas nem permitindo que as empresas petroleiras destruam essas áreas. Pedimos apenas 1% ou 2% para explorar, nada mais. Se isso afetar um pequeno trecho de natureza, terá de ser feito de qualquer forma, para tornar viável a própria estabilização deste governo de camponeses, indígenas e trabalhadores.”

SUBSÍDIOS A COMBUSTÍVEIS A dificuldade é comunicar essas ideias a uma população acostumada a encarar com desconfiança qualquer iniciativa vinda “de cima”. É o que seu viu no episódio desastroso do “gasolinaço”, em dezembro de 2010. Foi quando o governo decidiu suprimir, de uma hora para outra, os subsídios estatais aos combustíveis.

Do ponto de vista econômico, essa era uma medida racional – único meio de acabar com o contrabando de derivados de petróleo para os países vizinhos. Mas o temor de uma alta dos preços dos produtos essenciais levou milhares de manifestantes às ruas, obrigando o governo a voltar atrás em menos de uma semana.

Na ocasião, o presidente pediu desculpas ao povo boliviano e invocou o lema dos neozapatistas mexicanos: “mandar obedecendo”. No episódio do Tipnis, seu governo reincidiu em tratar com indiferença um assunto que mexe intensamente com a sensibilidade popular, só recuando quando a posição oficial se tornou insustentável. Na opinião da cientista política Angelita Matos Souza, professora no campus da Unesp em Marília, “o governo Morales errou feio não realizando um referendo entre os atingidos, tal como estabelece a nova Constituição, e agravou o erro muitíssimo ao reprimir a mobilização indígena”. Angelita equilibra essa crítica com uma advertência para os riscos de uma interpretação maniqueísta dos conflitos socioambientais bolivianos. “O fato de que as forças que prioritariamente levantam a bandeira ecológica são ONGs e movimentos indígenas não é suficiente para colocar os que apoiam o governo e a construção da estrada do lado do mal”, pondera. “Até mesmo os movimentos sociais mais bem-intencionados podem se equivocar.”

 

 
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