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Quilombos no Brasil: a abolição suspensa na invisibilidade do direito à terra

2011 . Ano 8 . Edição 70 - 29/12/2011

Antonio Teixeira de Lima Junior

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A intensificação da exploração dos recursos naturais, força motriz do desenvolvimentismo brasileiro, vem conduzindo um silencioso etnocídio nos campos e áreas rurais do País. Levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para o ano de 2010 identificou 79 conflitos envolvendo 7.446 famílias quilombolas no Brasil. Este número abrange 15 ameaçados de morte, três agredidos, três presos e um assassinado, além da destruição de roças, casas e pertences. Os sujeitos envolvidos nos conflitos são bastante heterogêneos: 34 fazendeiros, 13 empresários, oito grileiros, sete mineradoras, sete aparelhos e/ou agentes do Estado.

Em sua campanha abolicionista nas eleições de 1884, Joaquim Nabuco notava que a questão da emancipação dos escravos não poderia dissociar-se da democratização da terra. Para ele, o latifúndio era uma obra da escravidão, motivo pelo qual a abolição da escravatura só se completaria na medida em que rompesse ao mesmo tempo com o monopólio da terra e do trabalho (Joaquim Nabuco, Campanha abolicionista no Recife, Senado Federal, 2005).

Embora se queira fazer crer que hoje, mais de um século após a campanha abolicionista, essas questões estão superadas, seja porque o processo histórico acabou por dar a elas solução “natural” e “suave”, seja porque o próprio contexto em que seu equacionamento se propunha já tinha sido ultrapassado, o fato é que a concentração da propriedade de terras e as profundas desigualdades sociais entre negros e brancos seguem sendo problemas estruturais da sociedade brasileira.

Uma prova inequívoca disso é dada, precisamente, pelos obstáculos enfrentados, hoje, por um grupo social cuja constituição histórica precede à Lei Áurea: os quilombolas. A realidade presente dos quilombos, sobretudo no que diz respeito à proteção de suas terras, manifesta, em seu universo específico, a atualidade das questões agrária e racial. Estimativas da Fundação Cultural Palmares apontam para a existência de 3.524 territórios quilombolas no País, dos quais 1.711 já foram certificados. Em dezembro de 2010, 52.601 famílias inscritas no Cadastro Único do Programa Bolsa Família declararam-se quilombolas. O MDS estima, porém, que existam ao menos 109.036 famílias quilombolas vivendo em comunidades espalhadas por 1.211 municípios em todo o País. O processo de titulação dos territórios ocupados pelas comunidades, contudo, caminha a passos lentos: segundo informações do Incra, em 20 anos, apenas 189 comunidades foram tituladas e 120 títulos foram expedidos em 108 territórios.

Os territórios quilombolas são espaços de reprodução livre de relações sociais ligadas a modos de vida construídos como o símbolo de uma resistência que guarda um pedaço relevante da história brasileira. O direito de acesso à terra pelos quilombolas é, portanto, direito fundamental de aplicabilidade imediata.

Apesar de constituir direito fundamental, as comunidades quilombolas têm sido alvo de intensos ataques, tanto na esfera política, com o impulso aos processos diversos de expropriação territorial, quanto na esfera jurídico-legal. O decreto 4.887/2003, que regulamenta todo o processo de titulação das terras de quilombos, é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3.239) que contesta, entre outros pontos, a constitucionalidade do uso da desapropriação dos detentores de títulos incidentes sobre áreas quilombolas e do critério de autoatribuição para a identificação dos remanescentes de quilombos. Além disso, iniciativas legislativas como os PLs 3.654/2008 e 2.228/2009 buscam anular o princípio da autodefinição ao propor a exigência de que os remanescentes de quilombos comprovem que seu território estava ocupado por seus ancestrais na época da escravatura. A própria trajetória da questão quilombola no âmbito das discussões prévias à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial – do qual ela foi, por fim, praticamente excluída – atestam o caráter conflituoso que ela porta ainda hoje.

Passados mais de cem anos da abolição, as comunidades negras rurais ainda lutam contra os elementos estruturais do regime escravocrata. Proclamada a abolição formal da escravatura de homens e mulheres negras, restou-nos a herança de uma terra tornada cativa. Numa conjuntura demarcada pela invisibilização política da questão agrária, a emancipação das comunidades negras rurais reafirma a centralidade da terra. E, para retomar Joaquim Nabuco, o projeto abolicionista só se efetivará com a eliminação simultânea dos dois tipos contrários que compõem o vértice da sociedade brasileira: os escravos e os senhores.

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Antonio Teixeira de Lima Junior é técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea.

 
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