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Melhores Práticas - Uma luta invisível

2012 . Ano 9 . Edição 71 - 08/05/2012

Foto: Daniella Cambaúva

Materiais didáticos sobre anemia falciforme

Daniella Cambaúva – São Paulo

Associação desenvolve trabalho com portadores de anemia falciforme e enfrenta a falta de informações sobre a doença – tanto por parte dos profissionais da saúde como da população em geral. Luta maior é que pacientes sejam atendidos pelo SUS

Uma modesta casa que não possui mais de oitenta metros quadrados é a sede da Associação da Anemia Falciforme do Estado de São Paulo (AAFESP), na Vila Matilde, zona leste da capital. Quem abre as portas, pontualmente às 9h, todos os dias, é a técnica em enfermagem Silmara Assumpção, a responsável pela entidade. Atrás dela, está a enfermeira Berenice Assumpção Kikuchi, sócia-fundadora. Ali, as duas coordenam um projeto que, em março de 2012, completou 15 anos: uma organização sem fins lucrativos com objetivo de auxiliar portadores de anemia falciforme.

Caracterizada por uma deformação nos glóbulos vermelhos do sangue, a anemia falciforme é uma enfermidade genética, incurável e com alta taxa de mortalidade. Em pessoas saudáveis, essas células têm aspecto arredondado e elástico. Em quem tem a doença, elas possuem forma de foice – o que originou o nome “falciforme” – e consistência anormalmente rígida, dificultando sua circulação pelos vasos sanguíneos.

São diversos os sintomas: baixa imunidade, dores nos ossos, músculos e articulações, palidez, cansaço fácil, interferência na produção hormonal e surgimento crônico de úlceras, sobretudo nas pernas.

Uma das manifestações mais conhecidas da doença é a anemia crônica- número reduzido de glóbulos vermelhos –, por conta da rápida destruição dessas células. Um glóbulo normal dura, em média, 120 dias. Já um glóbulo falciforme dura em torno de 15 dias. Estima-se que, no Brasil, nasçam 3,5 mil crianças com anemia falciforme por ano, o que a caracteriza como um problema de saúde pública.

Foto: Daniella Cambaúva

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Silmara Assumpção, técnica em enfermagem, e Berenice Assumpção Kikuchi, enfermeira, em frente à sede da Associação da Anemia Falciforme do Estado de São Paulo (AAFESP), na capital paulista

ORIENTAÇÃO E CONVIVÊNCIA Para Berenice, a ajuda a quem tem a doença precisa ultrapassar os cuidados médicos: é preciso informar sobre a enfermidade, orientar os familiares e fazer com que essas pessoas consigam frequentar a escola e depois se insiram no mercado de trabalho.

Sob essas diretrizes, a AAFEPS ganhou, em 2001, o prêmio ODM Brasil, que incentiva ações, programas e projetos que contribuem efetivamente para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Na época, a entidade foi uma das 17 escolhidas entre 92 inscritos.

O prêmio foi proposto pelo Governo Federal na abertura da primeira Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade, em 2004. A ação conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e associações do setor privado. Já a Coordenação técnica do Prêmio é de responsabilidade do Ipea e da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

Segundo o economista do Ipea Luis Fernando de Lara Resende, responsável pelo prêmio, o objetivo não é apenas dar reconhecimento público às entidades, mas também propiciar visibilidade ao trabalho delas. “Uma distinção como essa, concedido pela própria presidenta da República, é muito importante. E no caso das ONGs, acaba ajudando inclusive na captação de recursos. É um reconhecimento imenso”, afirmou.

O ODM Brasil acontece a cada dois anos e já está em sua quarta edição.

INÍCIO DIFÍCIL O trabalho da AAFESP começou com um pequeno grupo de adultos. Na época, conta Berenice, o maior obstáculo era a escassez total de informações sobre a doença. “Não tinha nem folheto. Não havia nada de políticas públicas sobre anemia falciforme. As iniciativas pioneiras na área saíram daqui”. Hoje, há 330 pessoas com a doença cadastradas na AAFESP. A maior parte delas é negra, tem baixa renda e baixa escolaridade.

Além de sobrinha, Silmara é o braço direito de Berenice e seu trabalho é focado no cuidado com as crianças. Algumas já se tornaram adolescentes – uma vitória da associação: não houve nenhuma morte de nenhum cadastrado com idade entre zero e dez anos.

O maior obstáculo era a
escassez total de informações
sobre a doença. “Não tinha
nem folheto. Não havia
nada de políticas públicas
sobre anemia falciforme. As
iniciativas pioneiras na área
saíram daqui”.

Berenice Assumpção Kikuchi,
enfermeira

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O membro mais velho da AAFESP é uma mulher de 53 anos que fez parte do primeiro grupo da associação, do qual muitos já morreram em idade adulta. A fundadora segura um dos livros da entidade e conta quantas baixas houve entre aqueles que estão na foto da capa: três, que conseguiram passar pela infância, mas morreram na adolescência. O último faleceu em novembro de 2011 – um golpe duro para Berenice e Silmara.

Apesar de as duas serem profissionais da área da saúde, nenhum procedimento é realizado ali. Afinal, o trabalho da associação é feito não apenas com aqueles que têm a doença, mas também com familiares. “As crianças vão aprender como conviver com a doença, evitar o fatalismo. Hoje elas já têm como exemplo alguns que conseguiram ir à escola, fazer faculdade. Antes elas ficavam em casa para serem poupadas”.

APRENDENDO A CONVERSAR “As mães aprenderam a conversar com o médico. Muitos médicos ainda não sabem direito o que é. E essa é a causa da alta mortalidade”, explicou Berenice.

Segundo a enfermeira, a importância do diagnóstico precoce é inquestionável: nos estados das regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil, onde o teste é realizado até cinco semanas após o nascimento, a mortalidade na idade entre zero e cinco anos caiu de 30% para 2,5%.

Quando a doença não é diagnosticada, há forte risco de infecções e muitos morrem de pneumonia sem nem mesmo saber que são portadores de anemia falciforme. Quando o diagnóstico é feito na infância, a criança recebe a penicilina profilática: uma dose a cada vinte e um dias, se for injetável, a opção oferecida pela rede pública. Se for via oral, o remédio custa R$ 154 por mês e não é oferecido pelo Estado.

Depois de sobreviver à infância e à adolescência, são outros os desafios. Silmara e Berenice relatam que não é raro alguém com doença falciforme perder o emprego por força de internações frequentes. Contam também a história de uma jovem, recém-casada e grávida de seis meses – segundo Berenice, um fato, anos atrás, impensável para alguém com a doença. A jovem, no entanto, perdera o bebê havia três dias e ainda aguardava no hospital pelo procedimento de retirada do feto, com medo de uma complicação. “Essa é a dificuldade da pessoa com anemia falciforme. Ela está com o feto há três dias, tem risco de infecção”.

Foto: Mateus Pereira
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Exame pré-natal feito no Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA)

VIDA MILITANTE Enfermeira formada na década de 1970, Berenice se engajou na militância na área da saúde. Uma militância que ela atribui a sua família. Passou a juventude em um ambiente de luta social, nas décadas de 1960 e 1970, quando seus pais eram lideranças do movimento de reivindicação por escolas e por estação de trem na Zona Leste de São Paulo. “Cresci em um bairro que precisava de um monte de coisas. Fui trabalhar em um bairro que também precisava de um monte de coisas”.

Berenice não tinha nenhuma motivação pela luta racial, mas, aos poucos, foi se aproximando de movimentos de combate às desigualdades étnicas. “Comecei a ver diferenças que eu não via no meu cotidiano”. Ela também não tinha qualquer ligação com a anemia falciforme, não tinha visto um único um caso.

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Material em quadrinhos com informações sobre a doença

A enfermeira foi diretora do distrito de saúde em Guaianazes durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1993). Quando Paulo Maluf, em 1993, assumiu a Prefeitura de São Paulo pela segunda vez, Berenice diz, com ironia, que ficou de “escanteio”. “Fiquei parada quase dois anos sem função: era eu e meu ponto”. Até que uma colega lhe contou sobre uma criança com anemia falciforme e lhe perguntou se sabia o que era. Foi quando se deu conta de que não sabia nada sobre a doença. Nem ela, nem os médicos. Então, encaminhou o garoto para o hemocentro de São Paulo, onde havia um grupo de anemia falciforme. “Aí começa a história daquela mãe, que mudou a minha vida”.

Daquele dia em diante, Berenice começou o trabalho que deu origem à AAESP, e também pressionando os governos pela implementação de políticas públicas para portadores da doença. É dela, por exemplo, o texto da legislação de 1997, que inclui o diagnóstico da enfermidade no teste do pezinho na cidade de São Paulo. Ela trouxe a ideia da Jamaica e dos Estados Unidos, onde passou três meses, e de Cuba, onde ficou por duas semanas. “Eram os três países que estavam mais adiantados nos estudos dessa doença”.

“Não queremos competir com o poder público. Queremos mostrar o viável. O que nós oferecemos é luta. Porque você chega lá e eles não sabem o que te dizer no posto, ou no hospital. A gente luta para reverter isso”, afirmou.

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Cartilhas distribuídas pela Associação da Anemia Falciforme do Estado de São Paulo (AAFESP)

ANEMIA E DOR “A anemia é um dos sintomas. Se a gente fosse escolher um sintoma que mais representa, talvez fosse a dor”, explica a pediatra e sanitarista Joice Aragão de Jesus, técnica da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, e uma das profissionais da Coordenação da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados DAE/ SAS, do Ministério da Saúde.

Pelo fato de a anemia ser apenas um dentre os muitos sintomas, Joice prefere tratar a enfermidade como “doença falciforme” – uma postura que condiz com a mudança de atitude em relação a essa questão por parte do governo federal, nos últimos nove anos.

Para ela, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representou um marco no combate à doença, sobretudo após a implementação da Política Nacional, em 2005. Então docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Joice foi convocada pelo Ministério da Saúde para implantá-la.

Hoje é possível falar em avanços. “A gente tem medicamento, tem projeção internacional e muito respeito no exterior”, comenta. Atualmente, o Brasil tem quatro acordos na área com países africanos: Senegal, Gana, Angola e Benim.

Foto: Divulgação
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“A anemia é um dos sintomas.
Se a gente fosse escolher um
sintoma que mais representa,
talvez fosse a dor”.

Joice Aragão de Jesus,
pediatra e sanitarista

No plano interno, implantou-se em 12 estados brasileiros o diagnóstico precoce da doença por meio do teste do pezinho, feito cinco semanas depois do nascimento do bebê. Quanto antes for feito o diagnóstico, mais eficiente é o tratamento, o que minimiza o sofrimento dos portadores da enfermidade. Segundo informações do Ministério da Saúde, cerca de 25% das crianças falciformes não alcançam cinco anos de vida quando não têm o acompanhamento médico adequado.

É por isso que as políticas públicas pensadas no âmbito do governo federal atuam principalmente em três frentes: além do diagnóstico, privilegia-se a capacitação dos profissionais de saúde (entre médicos, enfermeiros, nutricionistas e fisioterapeutas) e a inserção do tema nos debates universitários. Como aponta Joice de Jesus, um dos maiores desafios no tratamento dos doentes é a “invisibilidade” da anemia falciforme, ainda pouco conhecida pelos profissionais. Não raro portadores recebem alta de hospitais brasileiros sem o diagnóstico da doença, tendo tratado apenas alguns de seus sintomas, de forma isolada.

Apesar de enaltecer e admirar o trabalho de ONGs como a AAFESP – “Não vou a São Paulo sem as organizações” –, Joice acredita que casos como este serão evitados à medida que se fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), muito em razão do perfil socioeconômico dos atingidos. “É uma população que sofre de uma doença crônica, que tem dificuldade de acesso e baixo salário”, explica, ao caracterizar boa parte dos falciformes brasileiros como “sus-dependentes”. “Nosso trabalho está baseado em ações de equidade. A luta pela doença falciforme é uma luta pelo SUS”.

RECURSOS E INVESTIMENTOS Se há duas décadas, o desafio era percorrer um caminho que ainda não havia sido trilhado, hoje, “a maior dificuldade são recursos financeiros”. Sem hesitar, Berenice afirma que essa é uma área em que não se consegue captar investimentos. Um de seus objetivos é conseguir reformar o espaço da associação e contratar funcionários fixos – a entidade conta apenas com o trabalho de 22 voluntários, entre psicólogo, dentista, fisioterapeuta, contador e jornalista. Quando a AAFESP promove eventos, esse número chega a 50 ou 60 pessoas. As duas também contam com outros familiares que ajudam na associação, mas sem vínculos fixos.

A AAFESP não tem qualquer ligação com entidades religiosas ou com partidos políticos por uma opção de Berenice. Ela diz não querer se vincular a nada que a faça perder “controle sobre si mesma”.

 
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