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Anos 1980, década perdida ou ganha?

2012 . Ano 9 . Edição 72 - 15/06/2012

Gilberto Marangoni - de São Paulo

Os anos 1980 foram marcados por uma profunda crise econômica e pelo fim da ditadura (1964-85). A volta da democracia possibilitou uma reorganização do movimento social, num patamar inédito até então. Mas uma questão subsiste: aquela foi uma “década perdida” ou não? Longe de ser uma discussão acadêmica, ela é vital para que se examinem os projetos de país em disputa na atualidade

Os anos 1980, na América Latina, ficaram conhecidos como “a década perdida”, no âmbito da economia. Das taxas de crescimento do PIB à aceleração da inflação, passando pela produção industrial, poder de compra dos salários, nível de emprego, balanço de pagamentos e inúmeros outros indicadores, o resultado do período é medíocre. No Brasil, a desaceleração representou uma queda vertiginosa nas médias históricas de crescimento dos cinqüenta anos anteriores.

Mas, sob o ponto de vista político, aquela foi literalmente uma década ganha. Não apenas se formaram e se firmaram inúmeras entidades e partidos populares – fruto das maiores mobilizações sociais de toda a história brasileira -, como se abriu uma nova fase histórica para o país, através do fim da ditadura e da promulgação da Constituição de 1988.

A cientista política Maria Izabel Mallmann, no livro Os ganhos da década perdida (Edipuc - RS, 2008), busca elucidar as contradições daqueles tempos:

“Pode-se dizer que a democracia foi um dos ganhos políticos da década econômicamente perdida. (...) Outro ganho foi o surgimento e consolidação de um espaço regional de coordenação de políticas, cujos desdobramentos positivos ainda fazem-se presentes. Apesar das dificuldades, a década de 1980 foi marcada por acontecimentos relevantes no que diz respeito à aproximação dos governos latinoamericanos”.

“Pode-se dizer que a democracia
foi um dos ganhos políticos da
década econômicamente perdida.
(...) Outro ganho foi o surgimento
e consolidação de um espaço
regional de coordenação de
políticas, cujos desdobramentos
positivos ainda fazem-se
presentes. Apesar das dificuldades,
a década de 1980 foi marcada por
acontecimentos relevantes no que
diz respeito à aproximação dos
governos latinoamericanos”




Maria Izabel Mallmann,
cientista política


DISPUTA DE RUMOS Um modelo de desenvolvimento, baseado em investimento estatal e financiamento externo, entrava em sua fase terminal e uma disputa de rumos tomava conta do cenário nacional. A pergunta no ar era: que sociedade e que orientação econômica emergirão com o fim da ditadura? Começavam a se definir blocos de força – inicialmente com contornos pouco claros – que se enfrentam até hoje.

Para Plínio de Arruda Sampaio, deputado federal constituinte em 1988, pelo PT e atualmente no PSOL, duas características básicas devem ser levadas em conta na avaliação do desempenho da economia. A primeira é a infraestrutura física do país, com suas redes de transporte, energia, comunicações etc. A segunda é a infraestrutura humana, expressa em educação, saúde e organização social do povo. “Sob tais pontos de vista”, avalia ele, “a década de 1980 foi negativa, não apenas por conta da queda do PIB, mas pelo acentuado desarranjo social verificado”. O ano de 1982, lembra o ex-parlamentar, foi marcado por um grande aumento do desemprego. A educação pública estava em crise e a saúde viu diminuírem seus recursos.

Mas Plínio faz uma ressalva. “Contrastando com isso, houve um grande desenvolvimento sociopolítico, marcado pelo surgimento do PT, ainda um grande impulsionador da luta popular, da CUT, do MST, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e de inúmeras entidades e partidos”.

DIALÉTICA DA CRISE Se olharmos no detalhe, as interpretações sobre “perdidos” ou “ganhos” não são tão opostas como parecem. A própria derrocada econômica gerou uma inquietação social de tal ordem que não pode mais ser contida pelo feroz dispositivo repressivo da ditadura. É possível dizer que as avaliações fazem parte da dialética da crise.

A cientista Sonia Miriam Draibe, no artigo “Qualidade de vida e reformas de programas sociais: o Brasil no cenário latinoamericano”, publicado em 1993, assinala que “O fraco desempenho econômico do país nos anos 1980 confirma-se pelo comportamento do PIB: em 1989 foi apenas 22% superior ao de 1980, crescendo a uma taxa média de 1,7% ao ano, praticamente estagnado em termos per capita, muito distante do patamar histórico de 7%”.

Foto: Ricardo Cassiano/Folhapress

“Sob tais pontos de vista a
década de 1980 foi negativa,
não apenas por conta da queda
do PIB, mas pelo acentuado
desarranjo social verificado.
Contrastando com isso, houve
um grande desenvolvimento
sociopolítico, marcado pelo
surgimento do PT, ainda um
grande impulsionador da luta
popular, da CUT, do MST, das
Comunidades Eclesiais de Base e
de inúmeras entidades e partidos”




Plínio de Arruda Sampaio,
deputado federal constituinte em 1988
pelo PT e atualmente no PSOL

Se usarmos uma métrica flexível, podemos dizer que o ano de 1980, no âmbito da economia, marca o fim do longo ciclo nacional-desenvolvimentista, iniciado em 1930.

No intervalo de cinco décadas, o Brasil deixou de ser uma economia agroexportadora e importadora de manufaturados para se tornar uma sociedade industrial moderna. Essas características eram definidas por uma cadeia produtiva diversificada e articulada e uma classe operária numerosa e qualificada. O motor dessa transformação foi a decidida ação do Estado como indutor e planejador econômico. No final do ciclo, estávamos integrados à economia mundial como um país periférico de renda média.

FIM DE UMA ERA Havia condicionantes internos e externos na interrupção daquele ciclo. A chegada dos anos 1980 assinalou o fim de um tempo para o capitalismo mundial e a inviabilização do projeto desenvolvimentista nos países da periferia. Nas economias avançadas, os anos de crescimento contínuo, verificados entre 1945 e 1975, entraram em declínio.

Os sinais da desaceleração ficam claros na segunda metade dos anos 1970. O governo norteamericano rompera a paridade ouro-dólar em 1972. Sete anos depois, aumentaria unilateralmente a taxa de juros, buscando exportar a conta de sua crise doméstica para os países da periferia. Como medidas complementares, os EUA se valeram de sua enorme influência em organismos financeiros multilaterais, como o FMI, para forçar um inédito processo de abertura de mercados e de desregulamentação econômica ao redor do globo.

Além disso, a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) decidiu reorganizar o mercado internacional do combustível, promovendo duas elevações nos preços internacionais do produto, em 1973 e 1979. Os preços do petróleo aumentaram 12 vezes nesse intervalo, criando sérias dificuldades para os países importadores, entre eles o Brasil.

INFLAÇÃO E DESCONTROLE Os tempos de créditos fartos a juros baratos no mercado internacional acabavam ali. Estavam em xeque modelos de desenvolvimento apoiados em altas doses de endividamento externo.

Foto: Cidadão de Minas

Comício da campanha presidencial de Tancredo Neves ao colégio eleitoral, em 1984. Na foto, entre outros, Franco Montoro, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães e José Sarney

A crise levaria o último governo da ditadura, chefiado pelo general João Figueiredo (1979-85), a tomar medidas drásticas. O objetivo inicial era deter a apreciação da moeda nacional notada em anos anteriores, incentivar as exportações e fazer frente ao aumento do déficit em conta corrente.

Assim, o cruzeiro foi abruptamente desvalorizado em 30% no final de 1979. A medida acentuou a desaceleração econômica, o descontrole inflacionário e o desarranjo nas contas públicas. Em 1980, a inflação bate a simbólica marca de 100% ao ano. Mesmo com a elevação dos preços dos importados, o balanço de pagamentos registrou enormes déficits. Em 1981, o país entrava em uma recessão que perduraria até o segundo semestre de 1982.

Foto: Célio Azevedo/Agência Senado

Manifestação na Câmara dos Deputados pelas eleições diretas para a Presidência da República. Abril de 1984

A partir daí, o financiamento dos passivos externos brasileiros passou a exigir cada vez mais a contração do orçamento e dos investimentos internos. O FMI impôs duros ajustes na economia, para possibilitar a rolagem da dívida externa e financiar os seguidos desequilíbrios no balanço de pagamentos. O Brasil viveu anos de instabilidade monetária e cambial e estancamento dos fluxos internacionais de crédito. Este último fator impedia o país de rolar sua dívida externa. Em 1983, haveria nova maxidesvalorização de 30% no câmbio.

No plano social, contraía-se a renda e o emprego em função do baixo crescimento. Aumentava a concentração de renda e riqueza e acentuavam-se as desigualdades sociais. Com forte retração fiscal, o Estado tornou-se incapaz de fazer uma gestão adequada de suas políticas.

Diante de tal quadro, o pacto de classes articulado pelo golpe de 1964 – grande burguesia interna e externa somadas a setores médios – foi colocado em questão. O padrão de acumulação da última fase do projeto desenvolvimentista – assentado em investimento público, capital externo e capital privado nacional – entraria em crise terminal.

A expressão política dessa falência foi o fim da ditadura e uma inédita disputa de projetos econômicos ao longo dos anos 1980, tendo como foco a redefinição das atribuições do Estado. Na esfera política, havia uma vasta pauta democratizante, envolvendo várias demandas sociais.

MOBILIZAÇÕES SOCIAIS A crise provocou uma ascensão das mobilizações populares. O auge aconteceu nas semanas que antecederam a votação da emenda do deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT), em fins de abril de 1984. A medida estabelecia a realização de eleições diretas para presidente da República. O país foi tomado de norte a sul por maciços atos de protesto. Os mais importantes aconteceram no Rio de Janeiro, com a presença de um milhão de pessoas, e em São Paulo, que contou com 1,5 milhão de participantes. Apesar de a emenda não ter sido aprovada, as mobilizações prosseguiram em greves gerais, inúmeras paralisações localizadas e na grande pressão para a aprovação de emendas populares – algo inédito – na Constituinte, instalada em 1987.

A oposição, capitaneada pelo PMDB, conseguiu eleger Tancredo Neves de forma indireta, no Colégio Eleitoral. No entanto, o novo presidente viria a falecer dias antes da posse. No início de 1985, seu vice, José Sarney, assume o governo.

A situação econômica, com a disparada dos preços, era francamente desfavorável. Uma inflação mensal de 15% e impasses nas negociações da dívida externa marcam o período, que culmina com uma moratória no início de 1986.

Aquela conjuntura foi também marcada pela adoção do primeiro plano heterodoxo de combate à inflação, o Cruzado, que congelava preços e salários a partir de fevereiro de 1986.

HIPERINFLAÇÃO E DESCONTROLE A abrupta queda da inflação repercutiu fortemente nas eleições para governadores naquele ano. O PMDB, partido da situação, elegeu governadores em 22 dos 23 estados brasileiros.

Mas a expansão da demanda, viabilizado pelo aumento do poder aquisitivo, sem expansão da oferta e a sonegação de produtos por parte de setores empresariais leva ao desabastecimento de vários produtos, especialmente alimentícios, nos supermercados. Após a eleição, o plano não consegue ser mantido.

Outras tentativas de se derrubar a escalada inflacionária foram tentadas até o início de 1989, através dos planos Cruzado II, Bresser e Verão. Todos fracassam e a aceleração dos preços fecha a década batendo a casa de 80% ao mês, num quadro de hiperinflação.

O economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES e diretor da instituição nos anos 1980, aponta que o fim do período autoritário e o início da chamada Nova República não se traduziu em avanços no combate à desordem financeira. “O Plano Cruzado foi uma tentativa de fazer isso. Falhou, apesar da enorme popularidade de Sarney, que não quis completar o projeto, achando que não se deveria mexer em time que está ganhando”.

OS PROJETOS SE ENFRENTAM Plínio de Arruda Sampaio nota que as inquietações e movimentações dos setores pauperizados da sociedade evidenciaram sinais claros de um grande desenvolvimento na consciência política popular.

Foto: Sandra Silva de Souza

Passeata de estudantes “caras pintadas” pedindo o impecheament do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, no Rio de Janeiro. A ditadura havia acabado e os tempos já eram outros

“A campanha presidencial de 1989 representou o ápice da disputa de projetos daquela década”, assinala. “Isso aconteceu por força da campanha do Lula, que colocou na agenda a possibilidade de mudança social real, através de um programa que combinava orientações socialistas e social democratas, com fortes tinturas nacionalistas”.

Para Plínio, tal fenômeno nunca havia acontecido com clareza em nossa história. “Acompanhei várias eleições, desde os anos 1940. Nem mesmo na acirrada campanha presidencial entre Juscelino Kubitschek e Juarez Távora, em 1955, havia confronto efetivo de projetos. Em 1989 havia”.

Duas concepções de desenvolvimento se enfrentaram desde o início da década.

A primeira foi uma diretriz de cunho nacional desenvolvimentista, que atualizou uma tradição histórica na sociedade brasileira. Suas ideias-força principais eram fortalecimento do Estado e da empresa privada nacional, ampliação dos direitos sociais e a retomada do crescimento econômico. Suas raízes podem ser encontradas no primeiro e no segundo governo de Getúlio Vargas (1930-45 e 1951-54), nos escritos de Roberto Simonsen (1889-1948), nas postulações iniciais da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal, anos 1950) e em vários projetos emanados do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb, 1956-64).

A segunda foi uma linha liberal, também bastante enraizada na sociedade brasileira. Sob essa matriz, o Estado deveria abrir mão de sua função de indutor e planejador do desenvolvimento, deixando essas tarefas nas mãos do mercado e da iniciativa privada. Suas raízes estão na atuação de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu (1756-1835), conselheiro de D. João VI e introdutor das ideias de Adam Smith e do livre-comércio no Brasil. O maior propagador das ideias liberais entre nós, no século XX, foi Eugênio Gudin (1886-1986). Este engenheiro, economista e pioneiro dos cursos de economia em nosso país, era contra qualquer intervenção estatal na economia.

ECONOMIA ESTAGNADA Sonia Miriam Draibe aponta um balanço nada animador sobre a evolução das turbulências daqueles anos: “No final da década de 1980, 48,6% da força de trabalho ganhava até dois salários mínimos e 27,2% da população ocupada recebia um salário mínimo. Para se ter uma ideia dos baixos valores salariais e da crescente concentração de riqueza, vale assinalar o comportamento de participação da massa salarial na renda interna total: cai de 40,79% em 1970 a 37,9% em 1980 e em 1989 estava estimada em 30%. (...) O Brasil ingressa nos anos 1990 com cerca de um terço de sua população em estado de pobreza”.

A disputa que atravessou o decênio foi vencida pelos liberais, com a vitória de Fernando Collor (1990-92) na eleição presidencial. A agenda foi radicalizada na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Enterrava-se ali o período desenvolvimentista. O projeto hegemônico foi marcado por conquistar estabilidade monetária lançando mão de juros elevados, liberalização da conta de capitais, privatização de ativos e empresas públicas e redução de várias funções próprias do Estado.

No plano político, as marcas das conquistas de três décadas atrás seguem em permanente construção, nem sempre de forma linear. As disputas continuam.

 




Pontos de vista
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Bresser: “Os anos 1980 foram perdidos do ponto de vista econômico, mas não do político”

Para Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda (1987), professor emérito da Fundação Getúlio Vargas – SP e membro do Conselho de Orientação do Ipea, as questões econômicas centrais da época foram a busca de uma solução para a crise da dívida externa e para a alta inflação

Desafios do Desenvolvimento- Os anos 1980 são tidos como uma “década perdida”. Mas as conquistas democráticas do período fazem com que alguns o considerem

Foto: Caminhos da Cultura

 como integrante de uma “década ganha”. Há sentido em apreciações tão díspares?

Bresser-Pereira - Os anos 1980 foram perdidos do ponto de vista econômico. O país passou então por uma grande crise financeira – a grande crise da dívida externa dos anos 1980 – que desencadeou a alta inflação inercial. O Brasil, que vinha crescendo a taxas extraordinárias até 1980, parou; a economia brasileira estagnou. E, depois, nunca mais votou às altas taxas de 1950 a 1980.

Mas os anos 1980 foram também os da transição democrática, foram os anos de um grande pacto político – o pacto democrático popular de 1977 ou das Diretas Já. A transição democrática ocorreu em 1984 em parte porque os militares se enfraqueceram com a crise de balanço de pagamentos e a alta inflação inercial. E em 1988 tivemos nossa Constituição – a primeira constituição democrática do Brasil (porque foi a primeira que assegurou o sufrágio universal) e, além disso, foi uma constituição social e participativa. Do ponto de vista político, portanto, não foram anos perdidos.

Desenvolvimento - No âmbito político, a disputa era pelo fim da ditadura. E no terreno econômico, qual ou quais eram as questões centrais em pauta?

Bresser-Pereira - No plano econômico as duas questões centrais foram a busca de uma solução para a crise da dívida externa e para a alta inflação. Foram os dois temas que procurei enfrentar quando, em 1987, fui Ministro da Fazenda. No plano político foram, primeiro, realizar a transição democrática, o que ocorreu com a eleição de Tancredo Neves no final de 1984, e, depois, debater aprovar a Constituição de 1988.

Desenvolvimento - Os anos 1990 foram marcados pela tentativa de se enterrar o nacional-desenvolvimentismo, através da consigna “sepultar a Era Vargas”. Isso aconteceu? Qual o legado para os dias de hoje desses enfrentamentos?

Bresser-Pereira - “Sepultar a Era Vargas” foi uma tese equivocada, tola. Seria a mesma coisa que os franceses enterrarem a Era Napoleão e os alemães, a Era Bismarck. Getúlio Vargas foi o estadista que o Brasil teve no século XX. A Era Vargas foi o tempo da Revolução Nacional e Industrial Brasileira. Foi o tempo de uma grande coalizão de classes nacional-desenvolvimentista unindo empresários industriais, tecnoburocratas públicos, trabalhadores urbanos e alguns setores da velha oligarquia voltados para o mercado interno. E Vargas foi o líder desse pacto – do pacto nacional-popular de 1930. Hoje, depois do fracasso do pacto liberal-dependente de 1991, há uma clara tentativa de restabelecer uma coalizão de classes desenvolvimentista como foi a de Vargas, mas agora no quadro da democracia (algo para o que o Brasil não estava maduro então) – de uma democracia social e ambientalista. E estamos caminhando nessa direção.

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Stédile: O movimento apontava que a saída da crise era um novo projeto de desenvolvimento

Para João Pedro Stédile, economista, fundador e membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), houve uma disputa política entre dois projetos na eleição de 1989, que se consolidou em 1994 com a vitória de Fernando Henrique Cardoso

Desafios do Desenvolvimento - Os anos 1980 são tidos como uma “década perdida”. Mas as conquistas democráticas do período fazem com que alguns o considerem como integrante de uma “década ganha”. Há sentido em apreciações tão díspares?

Foto: Joka Madruga

João Pedro Stédile - Sim. Do ponto de vista econômico, o modelo de industrialização dependente, adotado no país desde a década de 1930, se esgotou por suas contradições internas nos anos 1980. E o resultado foi uma crise que resultou em uma década sem nenhum crescimento do PIB. Foram, do ponto de vista de geração de riqueza, anos perdidos. Porem, do ponto de vista político, tivemos nesse mesmo período, o reerguimento do movimento de massas. As lutas sociais foram retomadas e elas colocaram na ordem do dia, a ilegalidade da ditadura militar, apontando-a como responsável pela crise.

Desenvolvimento - No âmbito político, a disputa era pelo fim da ditadura. E no terreno econômico, qual ou quais eram as questões centrais em pauta?

João Pedro Stédile - As questões centrais levantadas pelo movimento social definiam que a única saída para a crise econômica era um novo projeto de desenvolvimento para o país, sob a hegemonia das forças populares (e não mais pela burguesia subordinada ao capital estrangeiro, como foi no período de 1930-80). Na época, ele foi chamado de projeto democrático- -popular. Defendia-se a construção de um modelo de industrialização que ajudasse a resolver os problemas fundamentais da população. Era fundamental termos um processo de distribuição de renda, que levasse a termos um poderoso mercado interno, uma reforma agrária e uma reforma urbana que conseguisse resolver o problema da moradia digna, uma reforma educacional que conseguisse construir escolas, contratar professores e elevar o patamar educacional do país. Seriam necessários fortes investimentos em tecnologia, que potencializassem nossa autonomia. Por fim, havia a necessidade de uma reforma financeira, que colocasse o sistema financeiro, os juros e o câmbio sob controle do Estado, para que o centro da acumulação fossem os investimentos produtivos, na indústria e na agricultura.

Desenvolvimento - Os anos 1990 foram marcados pela tentativa de se enterrar o nacional-desenvolvimentismo, através da consigna “sepultar a Era Vargas”. Isso aconteceu? Qual o legado para os dias de hoje desses enfrentamentos?

João Pedro Stédile - Claro que aconteceu. Houve uma disputa política entre dois projetos na eleição de 1989, que se consolidou em 1994 com a vitória de Fernando Henrique Cardoso. Nosso programa democrático-popular de desenvolvimento foi derrotado. A classe dominante brasileira encontrou como saída o chamado neoliberalismo e refez sua aliança com o capital estrangeiro, agora hegemonizado pelo capital financeiro. Em toda década de 1990, até 2006, acorreu para o Brasil um grande volume de capital externo, que foi aplicado na privatização de nossas melhores empresas (Vale, Embratel, Embraer, estatais da energia elétrica) e na aquisição de parte de outras grandes empresas privadas. Com isso, houve um aumento da taxa de investimento e a economia voltou a crescer. Mas cresceu de forma concentrada e ainda mais dependente do capital estrangeiro. Ainda não temos um projeto econômico de desenvolvimento.

 
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