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Bertha Becker - “O que causa a perda da biodiversidade é a estrutura econômica que aí está”

2012 . Ano 9 . Edição 72 - 15/06/2012

Foto: Paulo Barreto

Rogério Lessa Benemond – do Rio de Janeiro

Referência nos estudos ambientais, a geógrafa e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro Bertha Becker não economiza palavras para criticar as novas formas de mercantilização da natureza. Ela não espera muitas novidades da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Apesar de confirmada a presença de cerca de noventa chefes de governo, ela vê os Estados nacionais e os movimentos sociais enfraquecidos diante dos interesses financeiros que se voltam para o meio ambiente

Foto: Paulo Barreto

Bertha Becker é direta em suas frases: “Onde estão as grandes reservas de recursos naturais? Nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. E as tecnologias estão no norte. Há interesse dos desenvolvidos em ampliar o controle sobre esses recursos”. A objetividade se mantém quando ela comenta um dos pontos centrais da Rio+20: “Economia verde é abertura de novos mercados. O que causa a perda da biodiversidade é a emissão de gases, é justamente a estrutura econômica que aí está”.

Bertha, que há mais de trinta anos acompanha o avanço da pecuária e da agricultura na Amazônia com graves prejuízos para a floresta, destaca sempre o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Nesta entrevista, ela examina os temas da Conferência – a chamada economia verde, a erradicação da pobreza e a produção e o consumo de recursos naturais – e afirma: “O Brasil, em vez de adotar mecanicamente as cartilhas que são apresentadas, poderia construir suas próprias alternativas”.

Desafios do Desenvolvimento - Qual a importância da Conferência Rio+20 e sua expectativa sobre o evento?

Bertha Becker - Não vejo muita força na Rio+20. Os principais governos estão muito preocupados com as próprias dívidas e suas crises econômicas.

Desenvolvimento - Há blocos de países com propostas comuns?

Bertha Becker - Vejo um bloco formado pela Europa, que está muito mal, e a China, muito independente e poderosa hoje. Apesar dela, os Brics formam outro bloco, no qual o Brasil apresenta dados sobre reflorestamento que impressionam, mas as informações estão sendo refeitas por estarem incorretas. Estamos descobrindo que os desmatadores usam artifícios para não serem detectados por satélites. Mantêm as copas de algumas árvores e desmatam por baixo. De qualquer forma, além da redução do desmatamento, temos a ascensão das classes C e D, que também impressiona a comunidade internacional. Talvez o Brasil queira formar outro bloco, com a América do Sul, para manter uma liderança que sempre teve.

Perfil

A geógrafa Bertha Becker é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora honoris causa pela Universidade de Lyon III, na França, e integrante da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Há mais de 30 anos a pesquisadora percorre a Amazônia e testemunha a ocupação e a devastação da floresta.

Bertha estuda a expansão da fronteira móvel da agropecuária no Brasil desde a década de 1960, fazendo pesquisa de campo. Na década seguinte, acompanhou o avanço da pecuária em Goiás e na Amazônia. Ela se destaca de outros intelectuais por afirmar que está na economia – e não na tecnologia, por exemplo – a solução essencial para a preservação do planeta. Daí identificar no chamado desenvolvimento sustentável uma nova feição da geopolítica dominante.

Publicou, entre outros, Dimensões humanas da biodiversidade – O desafio de novas relações sociais (com Irene Garay, Vozes, 2006); Amazônia. Geopolítica na virada do III milênio (Garamond, 2004); Um futuro para Amazônia (com Claudio Stenner, Oficina de Textos, 2008) e Dilemas e desafios do desenvolvimento sustentável (com Ignacy Sachs e Cristovam Buarque, Garamond, 2006).

Desenvolvimento - Há outros grupos, como o G77, que reúne 131 países em desenvolvimento. Que propostas podem apresentar?

Bertha Becker - Não vejo que tenham grande força. Sob a liderança da Europa, estão tentando sair do conceito de desenvolvimento sustentável para o de sustentabilidade global. Prefiro o primeiro, pois não gosto da ideia do global acima de tudo. Temos que nos preocupar com o global, mas não se pode achar que diferentes países, Estados e regiões do planeta são iguais. Seria bom avaliarmos o quanto essa abordagem interessa ao Brasil.

Desenvolvimento - Há textos seus destacando que, após a década de 1970, o desenvolvimento sustentável passou a ser uma nova feição da geopolítica internacional. A Rio 92 aconteceu em plena ascensão do modelo neoliberal. Já a Rio+20 acontece quando o modelo está desacreditado. Na questão ambiental isso muda alguma coisa?

Foto: Paulo Barreto

Bertha Becker - A dimensão geopolítica continua. Há gente honesta, legitimamente envolvida, que se preocupa com os problemas do planeta. E há também interesses geopolíticos. Onde estão as grandes reservas de recursos naturais? Nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. E as tecnologias estão no norte. Há interesse dos desenvolvidos em ampliar o controle sobre esses recursos.

Desenvolvimento - Há outras disputas a destacar?

Bertha Becker - Sim. A vulnerabilidade dos europeus à elevação do nível do mar e o fato de que os Brics estão retirando populações da miséria. Elas entrarão no mercado de consumo. Há também uma entrada firme do capital nas questões ligadas às cidades. São os casos de saneamento e reciclagem. A meu ver isso cria condições para a reprodução da força de trabalho, pois nunca antes entraram nessa área. O grande problema dos europeus é que se houver realmente o aquecimento global, algumas regiões desaparecem. A Inglaterra é uma ilha. A Noruega e a Suécia são uma grande península cercada por mares. A Holanda já está abaixo do nível do mar. Não é por acaso que esses países comandam a questão global do clima. A maior parte de nossa população está na costa, mas temos alternativas de grandes territórios. Os Brics têm grandes territórios. A Amazônia está se tornando uma área de imigração. Não é por acaso que Japão e Holanda estão fazendo investimentos bilionários para se proteger. No Brasil, mesmo tendo território, deveríamos estar planejando a interiorização.

Desenvolvimento - Podemos aceitar um acordo para reduzir o consumo justamente agora que estamos liberando gente da miséria?

Bertha Becker - Podemos pensar como fazê-lo, mas jamais deixar de incluir. No mundo desenvolvido é preciso mudar padrões de produção e de consumo. Nós aqui temos que mudar os padrões de produção – digo isso há anos em relação à Amazônia – mas será difícil mudar o padrão de consumo.

Desenvolvimento- Outro conceito recente, ligado à ideia de sustentabilidade, é o de economia verde. O que acha dele?

Bertha Becker - Não gosto desse conceito. Dizem que a economia verde está ligada aos três pilares do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental), mas na verdade é um pilar meramente econômico. Os textos das Nações Unidas não definem muito bem esse conceito, assim como o de desenvolvimento sustentável. Com uma ideia vaga, a adesão é muito maior, ninguém pode ser contra.

 

Desenvolvimento - O que está por trás disso?

Bertha Becker - Uma tentativa de superar a crise econômica através da expansão do sistema em múltiplos outros meios e atividades, inclusive sobre os recursos naturais. Poucos fazem a ligação entre a crise econômico-financeira e a crise ambiental. A chamada economia verde representa a abertura de novos mercados, implica tomar conta de recursos naturais e entrar nas cidades. Além de não se fazer a diferenciação entre países, Estados e regiões, ninguém fala nas causas econômicas dos problemas. Antes era tudo ambiental. Agora incorporaram a questão social. Virou socioambiental. Existe a ideia que a ciência e a tecnologia salvarão o planeta. Mas acho muito difícil, se não houver mudanças nas causas da degradação. Nesse sentido não há dúvida que o neoliberalismo ainda impera.

Foto: Paulo Barreto

Desenvolvimento - O meio ambiente tornou-se uma questão de mercado?

Bertha Becker - Sim. Já escrevi sobre isso há alguns anos: existe a mercantilização dos elementos da natureza. O que a economia verde quer é tentar superar obstáculos, inclusive da crise, abrindo novas fronteiras. Recursos naturais, produção de energia e, como parte disso, reprodução da força de trabalho. Tanto que estão entrando nas cidades. Ninguém pode ser contra a reciclagem, ao saneamento, mas o que está havendo é abertura de novos mercados. O capitalismo contemporâneo está passando por transformações e tem mesmo que mudar. A pergunta é: Quem vai promover a mudança?

Desenvolvimento - Qual o papel dos Estados nacionais e dos movimentos sociais nessa história?

Foto: Paulo Barreto

Bertha Becker - O Estado tem papel central. Os movimentos sociais e a ciência podem ser aliados, no sentido de demarcar os limites para o mercado. Mas os governos e movimentos sociais sozinhos não têm força e, se o Estado está fraco, os cientistas muito mais. Estão muito afastados da questão sociopolítica, no sentido mais amplo. Ficam muito restritos às suas especialidades. Quem pode criar externalidades positivas para os povos, no meio da trama financeira, são os Estados. No entanto, o complexo financeiro está comandando o mundo. Ninguém toca nisso. Não se trata apenas de salvar o planeta, acabar com as emissões, mas de saber se isso vai resolver o problema dos pobres do mundo. Não gosto da expressão “erradicar a pobreza”. É discurso de Banco Mundial. Nesse sentido, a Rio+20 pode até fortalecer o neoliberalismo. Há um pool de agências financeiras voltadas para a pesquisa. Já financiavam muitas ONGs, agora a carga é sobre a pesquisa.

Desenvolvimento - Há uma unidade entre ativistas e entidades da sociedade sobre os rumos a tomar?

Bertha Becker - Eu acho que houve um grande avanço dos movimentos sociais. Na Amazônia, por exemplo, nunca houve antes movimentos de reivindicação, que, dialeticamente, foram alavancados pela questão da terra, tendo o Estado como grande indutor da migração. Houve primeiro uma grande mobilização em torno da questão espacial, já que o peão é expropriado continuamente da terra, daí essa denominação – ele está sempre “girando” territorialmente. Isso trouxe uma conscientização política. Os assassinatos também. A igreja ajudou muito. Mas se isso será suficiente para enfrentar forças tão poderosas não se sabe.

Desenvolvimento - A perda de poder do Estado não debilita a alternativa do planejamento?

Bertha Becker - Sim. Por isso temos que lutar pelo restabelecimento do papel do Estado, até porque no momento não há perspectiva de nenhuma revolução mais profunda. E o Brasil, em vez de adotar mecanicamente as cartilhas que são apresentadas, poderia construir suas próprias alternativas.

Desenvolvimento - Por onde começar?

Bertha Becker - Primeiro, interromper o desflorestamento. Isso é histórico. A América Latina toda cresceu no processo de economia de fronteira, ou seja, apropriação de mais terra e recursos naturais. Esse padrão tem que mudar. Depois, acabar com o desperdício em todos os setores, não apenas no lixo urbano. De todos os recursos naturais usados, aproveitamos ínfima parte, em todas as atividades. Na construção civil é um horror. Temos ainda que desenvolver tecnologias inovadoras. Não podemos ficar dependentes de importação de tecnologias e financiamentos externos.

Desenvolvimento - Inovar em que direção?

Bertha Becker - No sentido de limpar nossos produtos. O diesel brasileiro é sujo e emite muito mais que o diesel comum. Boa parte da frota de caminhões do Brasil tem média de 50 anos. Teria que ser toda renovada. Há várias coisas fundamentais a fazer, inclusive usando o dinheiro do petróleo. Ou o Brasil desenvolve tecnologia industrial, inclusive para melhorar nossa produção, ou permanecerá dependente.

 
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