2012 . Ano 9 . Edição 74 - 31/10/2012
Foto: Marcelo Lucena
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Gilberto Maringoni – de São Paulo
O embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Arvelaiz, um cientista político franco-venezuelano, é um entusiasta da entrada de seu país no bloco sul-americano. Apreciador da música e da cultura brasileira, Arvelaiz afirma que os oponentes da nova adesão tentam “ideologizar algo que não deveria ser ideologizado”. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a Desafios do Desenvolvimento
Desafios do Desenvolvimento - Por que a Venezuela decidiu ingressar no Mercosul?
Maximilien Arvelaiz - Desde sua primeira eleição, o presidente Hugo Chávez sinalizou priorizar as relações com os países do sul do mundo. Sua primeira viagem internacional, antes ainda de assumir a presidência em 1998, foi ao Brasil e à Argentina. O gesto sinalizava uma mudança em décadas de política externa, quando a Venezuela se voltava para o norte e para os Estados Unidos.
Desafios - Alguns setores políticos eram contra a entrada. Por que?
Arvelaiz - Os que se opunham ao ingresso da Venezuela tentavam ideologizar algo que não deveria ser ideologizado. No Paraguai usavam isso como elemento de disputa interna. Era algo digno da Guerra Fria. Os empresários foram mais pragmáticos e realistas e não se opuseram, bem como a maioria dos governadores dos estados do norte e nordeste do Brasil.
Desafios - Qual é a importância da nova situação?
Arvelaiz - A integração abre novas possibilidades tanto para o Estado venezuelano e seu setor privado, como também para os demais países. Para nós há uma perspectiva grande de desenvolvimento industrial. Já não se trata simplesmente de pensar só no mercado venezuelano. Estamos acertando agora a adoção da nomenclatura do Mercosul. Depois temos a adoção das tarifas comuns e das tarifas externas. Também integraremos a normativa legislativa do Mercosul.
Desafios - O empresário brasileiro pensa a Venezuela como um mercado consumidor. Como o setor privado venezuelano vê a possibilidade da entrada de poderosos concorrentes em seu mercado?
Arvelaiz - Trata-se de uma aposta. Importantes empresas brasileiras manifestam interesse em instalar-se na Venezuela. O objetivo é gerar uma produção destinada ao mercado do norte do Brasil. A Ambev, por exemplo, quer parte da nossa produção de vidros, de garrafas para abastecer o norte. Os setores da petroquímica, do alumínio, do vidro e da agricultura devem ser os primeiros beneficiados com a medida.
Desafios - A imprensa brasileira alega não existir segurança para o investimento externo na Venezuela. É verdade?
Arvelaiz - Como membros do Mercosul teremos muitas normas jurídicas que nos colocam num mesmo marco e afastam qualquer possível insegurança. O Estado da Venezuela tem todo o interesse de respeitar essas normas e também fará todo o esforço de diversificar sua indústria.
Desafios - A Venezuela já mantém parcerias com a Embrapa, o Ipea, a Caixa Econômica, há investimentos do BNDES e compra de aviões da Embraer. O que muda com o Mercosul?
Arvelaiz - Numa primeira fase essas parcerias atenderam demandas muito específicas nossas. A Caixa foi importante para conhecermos o processo de universalização do acesso ao sistema bancário por parte das pessoas de baixa renda e também na assessoria da Gran misión vivienda, algo parecido com o Minha Casa Minha Vida. A presença dessas instituições foi estruturando eixos de cooperação e, agora, a parceria será mais sistemática. Isso deve se dar especialmente nos setores de petroquímica, alumínio, do vidro e agricultura.
Desafios - Haverá integração em outros setores além do estritamente comercial?
Arvelaiz - Esse é um tema pouco desenvolvido. A integração cultural ainda é pequena. Apesar disso, quando um grupo musical venezuelano vem para cá, rapidamente as pessoas se identificam com as similaridades. Talvez a Venezuela possa trazer um pouco da experiência da cooperação social que desenvolvemos dentro da Alba (Aliança Bolivariana das Américas).
Desafios - A União Europeia está enfrentando uma grave crise. Isso pode acontecer ao Mercosul?
Arvelaiz - O processo de integração europeia se distorceu quando a lógica financeira e econômica superou a política. O marco disso foi o Tratado de Maastrich, de 1992. A Unasul até agora se mantém numa construção política. Veja o tema da moeda comum na Europa. Um Estado hoje em dia não pode desvalorizar o euro para reequilibrar sua economia. Então o que fazem? Desvalorizam a riqueza e o nível de vida de todo um país. Na Grécia, um euro tem de valer mais do que um euro na Alemanha. E o que dizem aos gregos? “Vocês tem de perder 30%, 40% do seu nível de vida para manterem-se no euro”. O que nos salva na América Latina é termos uma geração de líderes e governos progressistas que está ciente de que o esforço vale a pena se os povos forem beneficiados. Aqui, a política ordena a pauta e não o mercado financeiro.
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